quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Ex-comandante do Exército, Freire Gomes pode detalhar para PGR, STF e STM ações tomadas para conter golpe em 2022

 General conteve determinações de Braga Netto e de Bolsonaro pedindo auxílio silencioso de instituições e de poderes republicanos. Porém, teme ser acusado de prevaricação

O general Marco Antônio Freire GomesO general Marco Antônio Freire Gomes (Foto: Alan Santos/PR)


Por Luís Costa Pinto, do 247, em Brasília - O general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército entre os meses de março e dezembro de 2022, vive um dilema em meio ao avanço das investigações que apuram as intentonas golpistas ocorridas no Brasil no curso do último ano do trágico mandato de Jair Bolsonaro na presidência da República. Considerado “omisso”, “indeciso” e “cagão” pelo ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, general Walter Braga Netto (impropérios registrados em mensagens trocadas por meio de aplicativos), Freire Gomes pondera com seus advogados os prós e contras da decisão que gostaria de tomar ao olhar para trás e contemplar seus 10 meses no Comando Geral do Exército: contar todas as conversas mantidas em Brasília, entre julho e dezembro de 2022, quando alertou personalidades com poder de ação em duas das três instituições republicanas - Judiciário e Legislativo - para que atuassem na contenção dos ímpetos golpistas da camarilha que girava em torno do Poder Executivo comandado por Bolsonaro e pelo seu já candidato à vice-presidência na tentativa frustrada de reeleição, Braga Netto.

25 de agosto de 2022: data chave - O dia 25 de agosto de 2022, Dia do Soldado, Dia do Exército, e data também em que a ministra Maria Thereza de Assis Moura tomou posse na presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem lugar especial nesse calendário de lembranças do general Freire Gomes. Passados os salamaleques no Quartel General do Exército, quando foi celebrada a memória de Duque de Caxias, patrono da tropa, Freire Gomes trocou análises de conjuntura com o brigadeiro Baptista Jr, comandante-geral da Aeronáutica (e igualmente desafeto de Braga Netto, que pedia a uma tropa de detratores mercenários para persegui-lo e à família dele nas redes sociais). Os dois estavam preocupados. O almirante Almir Garnier, empolgado com os cenários que preocupavam o general e o brigadeiro, não fez parte de toda a conversa, só de parte dela. Freire Gomes e Baptista Jr localizaram por telefone uma alta autoridade da República, com conexões no STF e no Congresso Nacional, e pediram uma reunião urgente ainda naquela noite. A personagem localizada pelo general ia à posse da ministra Maria Thereza Assis Moura no STJ, mas, não refugou: apenas solicitou para que a conversa fosse mais cedo - fim da tarde, de preferência - e disse que levaria outra pessoa. 

O encontro dos três militares - o almirante Garnier também foi - efetivamente ocorreu e se deu numa casa do Lago Sul, em Brasília. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica foram explícitos e didáticos ao relatar o desconforto que sentiam ante os cenários de golpe de Estado que se desenhavam a partir das conversas enviesadas que pescavam em Brasília. A palavra “golpe” não foi utilizada nos relatos, mas, o contexto descrito a deixava explícita. Almir Garnier estava bem mais contido que os outros dois.

A partir da conversa mantida pelos cinco circunstantes - os três comandantes das Forças Armadas de Bolsonaro e dois civis com acesso franco aos integrantes do comando dos poderes Judiciário e Legislativo - oficiais generais de uma ou duas estrelas (e de confiança integral de Freire Gomes) foram despachados para conversar com todos os comandos militares regionais e assegurar que nenhum deles estava disposto a pagar uma de Mourão Filho em 1964. Na manhã de 31 de março daquele ano, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar abrigada em Juiz de Fora (MG) sublevou as tropas sob seu comando e ordenou que marchassem para a fronteira com o Rio de Janeiro. Isso precipitou a deposição do presidente João Goulart e o início da ditadura militar que se abateu sobre o País por 21 anos. No conluio golpista, a data marcada para se detonar o “dispositivo de sublevação” era 2 de abril.

A partir dos relatos dos generais enviados aos principais quartéis do País, o general Freire Gomes ia silenciosamente garroteando as possibilidades de conceder estrutura militar formal aos devaneios golpistas de Bolsonaro. A estratégia surtiu efeito moderado, porém, capaz de impedir maiores ousadias do presidente que tentava a reeleição. O 7 de Setembro de 2022 foi menos provocativo, por parte de Bolsonaro e contra as instituições republicanas e democráticas, do que o de 2021. As relações entre os comandantes do Exército e da Aeronáutica com Bolsonaro e Braga Netto seguiram tensas até outubro, durante os dois turnos da eleição que consagraria Lula vitorioso. Freire Gomes não permitiu, de forma alguma, o envolvimento de militares de suas tropas na sabotagem ao pleito montada pela Polícia Rodoviária Federal no Nordeste (em investigação, ainda, no âmbito dos inquéritos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes no STF). Baptista Jr. também não permitiu que se desse credibilidade à mentira que se espalhava no submundo do bolsonarismo segundo a qual a Aeronáutica poderia deixar de distribuir as urnas eletrônicas pelas localidades mais ermas do território nacional. São aviões da Força Aérea, em operações coordenadas pela Aeronáutica junto com a Justiça Eleitoral, que distribuem as urnas.

Freire Gomes pode contar aos procuradores, delegados e aos juízes indicados pelo ministro Alexandre Moraes, que apuram a sequência contínua de intentonas golpistas ocorridas no Brasil entre 2021 e o 8 de janeiro de 2023, todas essas histórias. O brigadeiro Baptista Jr pode contar parte delas - aquelas partes das quais participou. Os dois vão depor no curso dos inquéritos de Moraes. Porém, não querem ficar submetidos ao crivo do exame moral de eventuais omissões delitivas que tenham cometido porque não tornaram públicas as más intenções de Jair Bolsonaro e de Braga Netto. Eles estavam convencidos que o melhor caminho para debelá-las era agir internamente, contendo as tropas sob seus comandos, e externamente com o apoio silencioso dos “marechais” que estavam na administração das cabeças-de-ponte estabelecidas com o Judiciário e com o Legislativo. Um acordo de princípios, que comece sem juízos morais e éticos sobre a escolha do caminho adotado, pode fazer Freire Gomes falar tudo o que sabe e o que viveu em 2022.

Fonte: Brasil 247

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