Ex-procurador-geral era a favor de revisão do acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões da JBS com o MP, dos quais R$ 2,3 bi seriam administrados por fundação privada ligada à TI
Por Luís Costa Pinto, para o Brasil 247, em Brasília - No dia 4 de dezembro de 2020 o então procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou o memorando de nº 146/2020/GT-LAVAJATO/PGR à coordenadora da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a subprocuradora Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini. Nele, num texto sucinto e direto de apenas três páginas, o PGR comunica que envia àquela Câmara de Revisão os autos do acordo de leniência de “R$ 10.300.000.000,00 (dez bilhões e trezentos milhões de reais)” firmado pela J&F Investimentos - holding do Grupo JBS - com a Procuradoria da República no Distrito Federal. O acordo foi fechado em 05 de junho de 2017 e homologado em 24 de agosto daquele mesmo ano. O procurador-geral era Rodrigo Janot. “O montante de R$ 2.300.000.000,00 (dois bilhões e trezentos milhões) será adimplido por meio da execução de projetos sociais, em áreas temáticas relacionadas em apêndice deste Acordo”, escreveu Aras para relatar seu estranhamento aos termos do que procuradores no DF tinham assinado com a anuência do antecessor dele na procuradoria-geral.
“Conforme registrado no ato, os procuradores da República signatários determinaram a expedição de ofício à J&F para ‘que comece imediatamente a execução dos projetos sociais pactuados no acordo de leniência (...) respeitadas as melhores práticas indicadas pela Transparência Internacional, ou então que promova o pagamento da reparação social em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos’ (grifo no memorando original), previsto no art. 31 da Lei nº 7.347/85, a seu critério”, prossegue Aras no memorando. E segue o relato espantado:
“O despacho menciona o Memorando de Entendimentos celebrado entre o Ministério Público Federal, a colaboradora J&F e a Transparência Internacional - TI - em dezembro de 2017 (doc anexo), com o objetivo de acompanhar o cumprimento do memorando e do acordo de leniência ora tratado e que formaliza a concordância entre os envolvidos ‘em relação a princípios gerais sobre a forma como serão geridos e executados os recursos previstos para investimentos em projetos sociais no âmbito do acordo de leniência. Com a formalização do memorando, fica estabelecido que as partes concordam com a viabilidade e a coerência de se contar com o apoio da TI no desenho e na estruturação do sistema de governança do desembolso dos recursos dedicados a projetos sociais, que são parte das obrigações impostas à J&F (grifo no memorando original. Itálico também). Além disso, os signatários registram ainda a ciência e concordância com o auxílio da TI na apresentação de um projeto de investimento na prevenção e no controle social da corrupção (previsto no acordo de leniência), com uma estratégia de investimentos que priorize o fortalecimento e capacitação das organizações da sociedade civil e projetos de maior potencial de impacto, segundo critérios objetivos, transparentes e bem fundamentados’”.
Em mais dois breves parágrafos, Augusto Aras torna explícita à coordenadora da Câmara de Revisão o profundo estranhamento em torno do mecanismo de funcionamento daquela “empresa” ou “fundação” privada que seria criada com parte da verba do acordo de leniência da J&F. Afinal, tudo deveria ser público. Por fim, conclui:
“Destaco que o (...) aconselhamento da TI (Transparência Internacional) na elaboração de relatório prevê relação de conteúdos para treinamento, em etapas, da equipe que comporá a entidade a ser criada, especialmente aqueles responsáveis pelo investimento, os conselheiros e administradores”, assevera o ex-PGR Augusto Aras. O grifo é dele, no original. E continua: “Evidente que uma organização privada irá administrar a aplicação dos recursos de R$ 2,3 bilhões nos investimentos sociais previstos no Acordo de Leniência, sem que se submeta aos órgãos de fiscalização e controle do Estado. A transparência Internacional é uma organização não-governamental (ONG) internacional sediada em Berlim. Cuida-se de instituição de natureza privada cuja fiscalização escapa da atuação do Ministério Público Federal”.
Aras lembra, então, à coordenadora da 5ª Câmara de Revisão do MP que em 15 de março de 2019 o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática exarada na Corte, registrou “ser duvidosa a legalidade de previsão da criação e constituição de fundação privada para gerir recursos derivados de pagamentos de multa às autoridades brasileiras, cujo valor, ao ingressar nos cofres públicos da União, tornar-se-ia, igualmente, público, e cuja destinação a uma específica ação governamental dependerá de Lei Orçamentária editada pelo Congresso Nacional, em conformidade com os princípios da unidade e universalidade orçamentárias”. Ou seja, nas palavras do ex-PGR, citando Moraes, a ação acertada entre procuradores lavajatistas e a Transparência Internacional era uma afronta às normas, espicaçava o Orçamento e afrontava também o Congresso - além do Poder Executivo e do Judiciário.
Por fim, conclui Aras, cortando a linha de financiamento da fundação dos procuradores da Lava Jato, sob cooperação com a Transparência Internacional: “Assim, considerando que Vossa Excelência (dirigindo-se a Maria Iraneide Santoro) não teve conhecimento desses fatos; assim também ontem, dia 3/12/2020, foi depositada a vultosa quantia de 270 milhões; em razão da possibilidade de repasse de recursos expressivos oriundos do Acordo de Leniência à mencionada ONG a ser criada; e em face dos atrasos ou inércia da Colaboradora, ante a alternativa aventada pelos membros de que ‘promova o pagamento da reparação social em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos’”.
Esta parcela de R$ 270 milhões foi paga a favor do fundo público. A partir daí, judicializado, o acordo de leniência com a J&F está parado e em fase de análise. O mesmo ocorre com aquela leniência firmada entre o Ministério Público e a Odebrecht. Ambos encontram-se suspensos por decisões do ministro Dias Toffoli, que também determinou a investigação da Transparência Internacional e sua operação no Brasil em sociedade com alguns procuradores e ex-procuradores da República. Desde 2020 a Procuradoria Geral da República tenta contato formal com a Transparência Internacional em Berlim e nunca recebeu resposta a seus ofícios e comunicados oficiais.
Fonte: Brasil 247
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