sábado, 10 de fevereiro de 2024

Bolha bolsonarista será mantida, mesmo com a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro

 Narrativa de perseguição política, ainda que falsa, mantém a coesão da direita

Uma recente operação da Polícia Federal, que resultou na prisão de Filipe Martins e de outros assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro, não parece abalar a base do bolsonarismo no Brasil. A resistência demonstrada pelos seguidores do ex-presidente nas redes sociais sugere que a narrativa de perseguição política, ainda que falsa, fortalece a coesão da bolha bolsonarista. É o que argumenta o colunista Bruno Soller, que analisa dados de big data nas redes sociais.

É interessante observar que, segundo pesquisas, os eleitores de Bolsonaro demonstram uma maior simpatia pela democracia do que os eleitores de outros líderes políticos, como Lula. Essa inclinação evidencia nuances na percepção política do país, sugerindo que o apoio ao presidente vai além de sua figura pessoal e se conecta a valores e ideias que transcendem questões individuais.

Segundo ele, a polarização política persistirá como uma característica marcante do cenário brasileiro, com a bolha bolsonarista mantendo sua força e coesão, mesmo diante de desafios como a eventual prisão do ex-presidente. Essa coesão é alimentada pela narrativa de que o presidente é alvo de perseguição política por parte de instituições como o STF, reforçando o sentimento de pertencimento e identidade entre os seguidores do bolsonarismo. Saiba mais sobre o caso

BRASÍLIA (Reuters) – O então presidente Jair Bolsonaro cobrou, em reunião ministerial em julho de 2022, que seus auxiliares diretos agissem antes das eleições de outubro, propôs a elaboração de uma nota conjunta com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em uma tentativa para angariar credibilidade a questionamentos infundados sobre fraude nas urnas eletrônicas e chegou a dizer que, se tudo não desse certo, iria descer a rampa do Palácio do Planalto "preso por atos antidemocráticos".

Em uma alegação de que haveria uma espécie de complô, Bolsonaro ainda atacou duramente uma suposta orquestração da cúpula do Judiciário para eleger o adversário Luiz Inácio Lula da Silva.

É o que consta da íntegra de um vídeo de uma hora e 30 minutos de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto do dia 5 de julho recheada de discussões de planos, ideias e ordens relacionadas à eleição presidencial daquele ano e à preocupação em garantir que Bolsonaro continuasse no poder. O vídeo foi apreendido com o delator e ex-ajudante de ordens do então presidente, Mauro Cid, e divulgado nesta sexta pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A liberação da íntegra do vídeo ocorreu após trechos editados em momentos das falas mais contundentes de Bolsonaro e de auxiliares terem sido divulgados nas redes sociais. Ela se dá também um dia após a maior operação da PF sobre a tentativa de golpe de Estado que envolveu Bolsonaro, ex-quatro ministros do governo dele, e o presidente do PL, seu partido, Valdemar Costa Neto.

Bolsonaro aproveitou a reunião para cobrar de seus ministros que amplificassem a história de fraude nas urnas. Em vários momentos, ele -- e também auxiliares como o chefe do GSI, Augusto Heleno, os ministros da Defesa, Paulo Nogueira, da Justiça, Anderson Torres, e da CGU, Wagner Rosário -- defenderam uma atuação mais enérgica, inclusive alguns deles apelando para um suposto pânico e até reação com uma eventual vitória de Lula.

"Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida de que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições", disse Bolsonaro, sem apresentar qualquer elemento de prova das alegações.

O ex-presidente repetiu, durante todo o encontro, alegações de fraude nas urnas. Chegou a dizer, ironicamente, que as pesquisas de intenção de voto estavam certas ao dar a vitória a Lula. Não porque essa era a vontade da população, mas porque aqueles eram "números que estão dentro dos computadores do TSE" (Tribunal Superior Eleitoral).

O encontro foi uma das reuniões ministeriais convocadas com regularidade por Bolsonaro -- normalmente sem relação com as eleições -- e dela fizeram parte a maioria dos seus ministros, inclusive Paulo Guedes, da Economia, e Fábio Faria, das Comunicações. A reunião, no Palácio do Planalto, durou cerca de três horas, de acordo com a agenda de Bolsonaro no dia, mas apenas a metade foi gravada.

O ex-presidente usou sua fala para cobrar com ênfase a repetição, pelos ministros, das alegações de fraudes nas urnas.

"Daqui para frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui e vou mostrar. Se não quiser, ele vai ter que me dizer porque não quer falar. Se mostrar onde está errado eu topo. Se não tiver argumentos para me demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro, está em lugar errado", afirmou.

O que Bolsonaro mostrou foi depois apresentado publicamente em uma reunião de embaixadores em que ele levantou dúvidas de fraudes nas urnas.

O então presidente propôs a divulgação de uma nota conjunta com a OAB questionando a credibilidade das urnas eletrônicas -- o que não aconteceu. Outras propostas que apareceram também foram a do chefe da CGU, que defendeu uma força-tarefa sobre o assunto, e o titular da Defesa, que defendeu reforçar as contestações sobre o processo eleitoral.

Desde a época de deputado federal, Bolsonaro e familiares dele foram eleitos diversas vezes por meio das urnas eletrônicas e nunca questionaram o sistema, somente passando a fazer isso -- sem provas -- desde a primeira eleição presidencial dele em 2018.

Mais próximo do final da parte da reunião gravada, Augusto Heleno chega a falar que não haverá revisão das eleições e se tiver que "virar a mesa" tem de ser antes do pleito.

"Não tem VAR na eleição, não vai ter segunda chamada, revisão do VAR, então o que tiver que ser feito, tem que ser feito antes das eleições, se tiver que dar soco na mesa tem que ser antes das eleições, tiver que virar a mesa, antes das eleições, depois das eleições será muito difícil que tenhamos uma nova perspectiva", disse ele.

O chefe do GSI chegou a comentar também a possibilidade de infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas de 2022, em comentário que foi interrompido por Bolsonaro, que pediu para falar sobre esse assunto depois em particular. A Abin, então no GSI, é suspeita de ter tido uma atuação paralela para monitorar adversários de Bolsonaro, questão investigada em outro inquérito no STF.

Em outro momento, o então presidente disse que poderia até ser preso por "atos antidemocráticos" se não vencesse o pleito.

"Eu tenho que me virar acreditando que vai dar tudo certo ano que vem? Eu vou descer daqui da rampa preso por atos antidemocráticos", disse.

Os advogados de Bolsonaro Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fabio Wajngarten minimizaram o conteúdo do vídeo.

"O vídeo divulgado oficialmente hoje pela autoridade judiciária responsável pelo inquérito mostra a realização de uma reunião ministerial rotineira em que todos os presentes puderam manifestar publicamente sua opinião a respeito da conjuntura daquele momento... O encontro trata, fundamentalmente, da

cobrança para com o time de ministros dele para que atuem de maneira organizada", afirmam os advogados em comunicado à imprensa.

"Bem ao seu estilo veemente, o ex-mandatário reafirma seu compromisso de agir sempre dentro das quatros linhas da Constituição", acrescentam.

IMPLICAÇÕES

Segundo uma fonte da PF envolvida diretamente nas investigações, o vídeo é uma confissão de crime que implica ainda mais o ex-presidente.

Para essa fonte, Bolsonaro e demais integrantes do governo sabiam que não havia qualquer fraude nas urnas, mas, mesmo assim, insistiram no discurso para manter apoiadores em frente aos quartéis e justificar que as Forças Armadas agissem, de olho em uma ação futura para anular o pleito por meio de um golpe de Estado.

A fonte afirmou que a reunião mostra até um certo desespero de Bolsonaro e do seu entorno.

"As diversas provas se interconectam. Temos as minutas apreendidas e a colaboração do Cid e outros materiais apreendidos em computadores e telefones que comprovam bem essa forma de agir. Uso das redes sociais, por meio de influenciadores, para propagar mentiras e manipular parte da população", destacou a fonte.

Na operação da PF na véspera, minutas foram apreendidas, como a que mostra que Bolsonaro recebeu de assessores um texto de decreto com instruções para que houvesse um golpe de Estado com determinação de novas eleições e que levasse à prisão ministros do STF.

A fonte da PF disse ainda que a equipe trabalha para tentar concluir essa investigação até junho. Ela não quis dar detalhes dos novos passos da apuração.

Fonte: Brasil 247

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