A intervenção do Ansarallah em solidariedade ao martirizado povo palestino significou um ponto de inflexão na guerra de agressão israelense em Gaza
Por Eduardo Vasco (Strategic Culture) - A intervenção do Ansarallah em solidariedade ao martirizado povo palestino significou um ponto de inflexão na guerra de agressão israelense em Gaza. Certamente articulada com o Eixo da Resistência, obrigou os Estados Unidos a se envolverem militarmente no conflito de forma direta, mais em socorro dos monopólios comerciais internacionais do que à administração de Benjamin Netanyahu (este será o primeiro peão a cair, sem qualquer protesto de Washington).
Mas os americanos, que, com exceção da poderosa indústria bélica, não querem uma guerra generalizada, responderam muito timidamente, atacando apenas alvos selecionados no Iêmen. O Ansarallah disse que nenhuma infraestrutura importante foi atingida e que os ataques não chegaram nem mesmo a fazer cócegas em seu potencial militar. Portanto, continuará a interceptar navios que vão ou voltam de Israel passando pelo estreito de Bab al-Mandab.
Joe Biden violou as leis americanas ao autorizar um ataque militar sem consultar o Congresso, repetindo o que fez Donald Trump ao bombardear a Síria em 2017. Mas naquela época a Síria estava indefesa, destruída e em uma guerra interna, enquanto sua aliada Rússia ainda não tinha tantos atritos com Trump como tem com Biden. Agora é diferente para os EUA: os árabes estão na ofensiva, não na defensiva. E a Rússia quer mesmo é que Biden se afunde na lama.
Ao mesmo tempo, o Irã apreendeu um petroleiro norte-americano no mar de Omã como retaliação ao confisco de um navio de sua propriedade feito pelos EUA anteriormente. É claro que foi uma medida pensada politicamente.
Por enquanto, cada um está testando o seu adversário. O assassinato de lideranças do Hamas, do Hezbollah e da resistência iraquiana por Israel e EUA, bem como o atentado terrorista reivindicado pelo Estado Islâmico e com cheiro de Mossad e CIA, foram testes arriscados contra os iranianos. Elevaram o sentimento de vingança de Teerã e seus aliados.
EUA e Irã (em comunicação constante com Rússia e China) estão em um jogo de xadrez cada vez mais tenso neste momento. Nos últimos meses de 2023, várias tropas foram deslocadas para as fronteiras do Irã com seus vizinhos. Nesta semana, mísseis foram lançados contra alvos nas regiões do Iraque e da Síria ocupadas militarmente pelos EUA, e também contra o Paquistão, que atingiram grupos terroristas acusados de serem responsáveis por atentados recentes em território persa.
Esses ataques do Irã tiveram repercussões extremamente negativas para Teerã. Os governos de Iraque e Paquistão os condenaram duramente e a imprensa internacional já aumentou ainda mais a propaganda anti-iraniana – que vem crescendo nas últimas semanas. Obviamente o Irã ponderou tudo isso antes de realizar essas ações sem precedentes. Para arriscar perder muitos pontos com aliados chave, certamente Teerã imaginava que valeria a pena, pois isso foi uma demonstração de força aos EUA e a Israel. De fato, os alvos terroristas não passam de desculpa para o Irã: o verdadeiro alvo foi o Pentágono. Os iranianos mostraram que não têm medo de incendiar toda a região caso seus inimigos realmente queiram uma guerra.
O general de brigada Mohammad Reza Ashtiani, ministro da Defesa do Irã, deixou isso bem claro: “nós não vemos limites na defesa dos nossos interesses nacionais e do nosso povo, e certamente faremos isso com autoridade. Não importa de onde venham as ameaças contra a República Islâmica, nós vamos reagir e a resposta certamente será proporcional, decidida e forte.” Repetindo: “não importa de onde venham as ameaças contra a República Islâmica”…
Há cada vez mais indícios de que a guerra em Gaza se estenderá pelo Oriente Médio. Israel aparentemente reduziu as operações no norte de Gaza, o que pode sugerir que os sionistas estariam redirecionando recursos para outras frentes – como a libanesa, onde os atritos com o Hezbollah só aumentam. Em Israel, admite-se que seria quase impossível que os deslocados voltem para suas casas no norte do país sem que o Hezbollah seja obrigado a recuar. Um artigo no Haaretz é taxativo: “uma guerra com o Hezbollah é inevitável.” Seu autor, Chuck Freilich, um ex-conselheiro adjunto de segurança nacional de Tel Aviv, adverte que “há um perigo claro de um conflito direto entre Israel e Irã, e daí a uma confrontação regional mais ampla”. O Guardian tem o mesmo temor com relação aos EUA e seus aliados britânicos.
Os EUA, por sua vez, suspenderam o fornecimento de armas para a Ucrânia, talvez para focar no Oriente Médio, pois não têm condições de sustentar duas frentes tão difíceis ao mesmo tempo (e isso é uma confissão de que a Rússia já ganhou a guerra no leste europeu). Os EUA também voltaram a importar petróleo da Venezuela, talvez prevendo a impossibilidade de fazê-lo dos árabes devido a uma guerra.
Após os ataques sofridos pela coalizão EUA-Reino Unido, o conselho político supremo do Ansarallah emitiu um comunicado avisando que “todos os interesses americanos e britânicos agora são alvos legítimos das forças houthis”. Estão sob o raio de alcance dos mísseis iemenitas mais de 20 bases militares americanas, desde as instaladas no Djibouti até as que ficam em Israel, passando pelas do Egito, Iraque, Síria, Jordânia e de todos os países da Península Arábica.
Já são mais de 130 ataques contra as bases dos EUA no Iraque e na Síria, e eles ocorrem diariamente. Se os EUA não responderem à altura, as forças da resistência iraquiana ficarão ainda mais assanhadas. E elas são muito populares, levando o governo iraquiano a declarar publicamente que vai retirar as forças da coalizão imperialista de seu território – para não ficar para trás e ser engolido pelo movimento popular que apoia a resistência armada.
A grande popularidade de todo o Eixo da Resistência é comprovada por A+B através de numerosas pesquisas de opinião publicadas nos últimos meses e semanas, que refletem um amplo apoio ao Hamas e ao Hezbollah não apenas entre os palestinos e libaneses, mas em todo o mundo árabe. Esse apoio popular (além, é claro, da continuidade do genocídio em Gaza) é um impulso decisivo para uma ofensiva de grandes proporções contra o inimigo sionista e imperialista.
Todos sabem também que a Cisjordânia está “à beira da explosão”, como dizem muitos jornais. Os próprios atentados terroristas preocupam cada vez mais o exército e a polícia israelense. Porque estes não têm condições de lutar contra forças tão poderosas em tantas frentes de batalha – os gastos com a guerra e o bloqueio econômico houthi estão levando a economia de Israel ao colapso e Gaza já é uma areia movediça para os soldados israelenses. Logo, os EUA seriam absolutamente obrigados a ir em socorro de Israel. Para os EUA, se Israel cair, a queda de sua dominação mundial é certa e quase iminente.
Cada vez menos barcos navegam pelo Mar Vermelho. Mais do que um temor pela intervenção dos revolucionários iemenitas, trata-se de um receio de serem engolidos por uma verdadeira guerra na região. As agências de notícias dizem que Alemanha e Dinamarca poderiam enviar seus navios de guerra para lá nos próximos dias. A crise no Mar Vermelho pode levar à redução do PIB global, segundo um novo relatório do Banco Mundial. Isso provavelmente não ocorreria se a crise terminasse rapidamente, mas somente se ela continuar, o que sugere uma escalada e, possivelmente, a explosão fatal.
Tudo o que podemos fazer até o momento é especular com base nas notícias que são publicadas pela imprensa internacional. Mas as movimentações indicam que os tambores da guerra estão prestes a rufar.
Fonte: Brasil 247 com Strategic Culture
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