Consulta pública da Anvisa segue até 9 de fevereiro. Reino Unido, EUA e Suécia têm legislações com regras claras para vapes
A comercialização e o consumo de cigarros eletrônicos têm sido objeto de debate em todo o mundo. Globalmente, cerca de 80 países reconhecem os vapes como uma opção de menor potencial de dano à saúde em relação aos cigarros convencionais, incluindo Estados Unidos, Canadá, Suécia, Alemanha, Portugal e Nova Zelândia. Por outro lado, 32 nações vetaram o comércio do produto, segundo Organização Mundial de Saúde (OMS).
No Brasil, o desafio da regulamentação dos cigarros eletrônicos está em plena discussão. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mantém aberta uma consulta pública para discutir a possibilidade e os termos técnicos da eventual liberação desses produtos. O prazo de manifestação vai até o dia 9 de fevereiro e qualquer pessoa interessada pode enviar contribuições e comentários. Saiba como participar da consulta pública. Até o momento, o Ministério da Saúde defende a manutenção da proibição do comércio dos dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina. A ministra Nísia Trindade já se manifestou sobre o tema afirmando ser "fundamental manter a proibição aos cigarros eletrônicos”. Para Trindade, “não é possível regular aquilo que comprovadamente está fazendo mal, trazendo novos fumantes após o Brasil ter sucesso no combate ao tabagismo”. A posição da ministra é compartilhada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. No entanto, o tema não é consenso dentro do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo sob proibição, integrantes do governo consideram os cigarros eletrônicos como alternativa para quem reduzir ou parar de fumar. É o caso do ministro do Turismo, Celso Sabino, que apareceu utilizando um vape durante uma reunião virtual sobre dados do Turismo no país, em setembro do ano passado. Na ocasião, o Ministério do Turismo disse em nota que Sabino “está lutando para se livrar do cigarro há cerca de um ano”. Entidades médicas se manifestam contra a liberação dos vapes. Em maio de 2022, a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) pediram a proibição da importação e a veiculação de propagandas dos dispositivos.
Segundo levantamento divulgado em outubro do ano passado pelo GGTC (Global Center for the Good Governance in Tobacco Control), o Brasil é um dos 39 países que baniram a venda de cigarros eletrônicos. Na região das Américas, além do Brasil, Argentina, México, Nicarágua, Panamá, Suriname, Uruguai e Venezuela proíbem totalmente a venda de sistemas eletrônicos de liberação de nicotina, como vapes, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Outros 21 países das Américas regulamentam de alguma forma os cigarros eletrônicos. Um deles, o Paraguai, aprovou em 2019 uma resolução que regulamenta os cigarros eletrônicos. A legislação reconheceu os cigarros eletrônicos como categorias de tabaco ou produtos similares, independentemente de o produto conter nicotina e de ser de origem natural ou sintética. A venda e distribuição do produto é permitida apenas para adultos. O Paraguai é um dos principais países que fornecem a entrada ilegal de vapes no Brasil.
Recentemente o Parlamento Europeu aprovou um relatório que delineia ações para combater as Doenças Não Transmissíveis (DNT), incluindo o câncer. O documento destaca a promoção da redução de danos e o reconhecimento dos cigarros eletrônicos como uma alternativa ao tabaco como práticas fundamentais. Segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgado no dia 16 de janeiro, 25,3% da população europeia faz uso do tabaco. Percentual menor apenas do que o Sudeste Asiático, com 26,5%. O Plano Europeu de Luta contra o Câncer estabelece a meta ambiciosa de alcançar uma geração livre de tabaco, reduzindo o consumo de cigarros convencionais para apenas 5% da população até 2040. O relatório do Parlamento Europeu destaca a importância de basear a regulamentação dos cigarros eletrônicos em evidências científicas, acompanhando a pesquisa científica e avaliações realizadas pelas autoridades de saúde pública.
O documento ressalta que a promoção da saúde, a redução de danos e a atuação preventiva podem reduzir substancialmente a prevalência de doenças não transmissíveis em até 70%. De acordo com um estudo conduzido pelo instituto Cochrane, uma renomada rede internacional de saúde pública independente com sede no Reino Unido, revelou fortes evidências de que os cigarros eletrônicos com nicotina aumentam as taxas de cessação do cigarro tradicional em comparação com os tratamentos de reposição de nicotina (NRTs). Outra pesquisa, encomendada pelo Departamento de Saúde Pública Inglês e realizada pelo King's College London, indicou que os vaporizadores são 95% menos prejudiciais que os cigarros comuns, sendo 20 vezes menos nocivos para a saúde. O Reino Unido incentiva a troca dos cigarros tradicionais pelos eletrônicos com a campanha “Trocar para parar”. As leis britânicas determinam uma quantidade máxima de nicotina presente em cada cigarro eletrônico e como eles devem ser expostos nas lojas. Além disso, a venda e o consumo, assim como no Brasil, são proibidos para menores de 18 anos.
Para a toxicologista Silva Cazenave, o cigarro eletrônico pode ser parte de uma estratégia de redução de danos, desde que sua utilização seja regulamentada. “A gente observa que várias das substâncias que são presentes no cigarro, elas não estão presentes no cigarro eletrônico ou no dispositivo eletrônico para fumar”, afirmou a especialista em declaração à CNN. “Eu acho que a primeira coisa do ponto de vista toxicológico é a gente pensar que quanto maior a dose, maior o efeito. quanto maior o número de substâncias, maior o efeito nocivo. então se você tem uma diminuição dessa exposição, você vai ter também uma diminuição dos efeitos”, completou Cazenave.
Portugal é outro país europeu com experiência em lidar com o assunto. Por lá os cigarros eletrônicos que contêm nicotina são permitidos e são regulamentados desde 2007. A legislação exige uma série de especificações do produto, incluindo advertências nas embalagens e obriga fabricantes a notificar as autoridades sanitárias antes da introdução de um produto no mercado.
Regulamentação na Suécia – Um exemplo de regulamentação na utilização dos cigarros eletrônicos vem da Suécia, que adotou estratégia para minimizar os efeitos prejudiciais do tabagismo. O país considera os vapes como menos prejudiciais do que os cigarros convencionais. Segundo relatório divulgado pela organização Health Diplomats, composta por especialistas em saúde pública, a Suécia está prestes a alcançar um marco histórico ao se tornar o primeiro país "livre do tabagismo" na Europa. O país está encaminhado para atingir uma taxa de prevalência de tabagismo abaixo de 5% nos próximos meses, um nível que está abaixo do limiar estabelecido para oficialmente ser considerado "livre do tabagismo". Nenhum outro país da União Europeia está próximo de replicar essa conquista, e nenhum está efetivamente no caminho para atingir a meta estabelecida pela UE para 2040, que está a 17 anos de distância.
Segundo o relatório da Health Diplomats, a estratégia adotada pela Suécia para minimizar os efeitos prejudiciais do tabagismo resultou na menor porcentagem de doenças relacionadas ao tabaco na União Europeia e uma incidência de câncer 41% menor em comparação com outros países europeus. O relatório também destaca a redução da porcentagem de fumantes na Suécia, de 15% para 5,6% da população em 15 anos, colocando o país no caminho para alcançar o status de "livre do tabagismo" 17 anos antes da meta estabelecida pela UE para 2040.
Aos países que pretendem discutir a regulamentação dos vapes, o documento propõe algumas diretrizes, como: (1) reconhecer produtos alternativos de entrega de nicotina, como cigarros eletrônicos, como menos prejudiciais, incentivando os fumantes a mudarem para opções menos danosas; (2) fornecer informações baseadas em evidências científicas sobre os riscos, destacando que os cigarros eletrônicos são 95% menos prejudiciais do que os cigarros convencionais; e (3) implementar decisões regulatórias que tornem as alternativas de menor risco mais acessíveis do que os cigarros convencionais.
Os Estados Unidos regulamentaram o consumo e a venda de cigarros eletrônicos em 2021 como resposta à chamada crise Evali, provocada pela utilização de várias substâncias danosas à saúde, entre elas o acetato de Vitamina E como diluente do THC – princípio ativo da maconha – em vapes ilegais, conforme conclusão de investigação publicada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA. O surto afetou principalmente jovens adultos e adolescentes e os sintomas incluíam falta de ar, tosse, dor no peito e, em casos mais graves, insuficiência respiratória. Segundo o CDC, o consumo de nicotina por estudantes estadunidenses caiu de 22% para 15%, no período entre 2001 e 2022. Depois que a regulamentação foi aplicada nos diversos estados do país, o controle do acesso a esses produtos tem sido mais efetivo.
Na Austrália, cigarros eletrônicos de nicotina são considerados medicamentos e só podem ser obtidos com receita médica. A ideia da norma, de 2021, é conter o uso por jovens – de 2016 a 2019, a taxa de australianos de 18 a 24 anos que relatam usar os dispositivos quase dobrou, de 2,8% para 5,3%, segundo a OMS. Há ainda países como Finlândia e Hungria que vetam qualquer sabor que não seja o de tabaco.
Fonte: Brasil 247
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