segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

“Panelas” do Discord estão por trás de invasão de conta de Janja no X, dizem pesquisadoras

 Tatiana Azevedo e Letícia Oliveira conversaram com o DCM sobre seu trabalho de monitoramento

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua mulher, Rosangela da Silva, a Janja – Evaristo Sá/AFP

Um jovem de 17 anos, alvo de mandados de busca e apreensão no Distrito Federal nesta quinta (14), afirmou à Polícia Federal que foi o autor da invasão da conta da primeira-dama, Janja Lula da Silva.

A conta na rede social X, antigo Twitter, foi invadida e tomada por mensagens de extrema direita, ataques ao ministro Alexandre de Moraes e ao próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O depoimento do adolescente é mantido em sigilo e foi colhido em Brasília.

As pesquisadoras Tatiana Azevedo e Letícia Oliveira participaram do Grupo de Trabalho do Ministério da Educação, coordenado pelo educador Daniel Cara, que detectou que os ataques às escolas mais que dobraram entre 2022 e 2023, subindo de sete para 16 casos.

Elas monitoram grupos abertamente neonazistas, extremistas de direita, incels (os conhecidos celibatários involuntários) e organizações que não são devidamente monitorados pelas big techs, para evitar novos crimes. A colaboração não se restringe ao MEC, mas elas também atuam com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, hoje chefiado por Flávio Dino.

Ao DCM, Tatiana e Letícia deram uma entrevista abordando aspectos e informações sobre o crime contra a Janja.


Diário do Centro do Mundo: Vocês falam que Janja não foi alvo de ataque hacker e sim da ação de lammers. Podem explicar a diferença?

Tatiana Azevedo: Lammers são pessoas que podem até possuir alguma familiaridade com TI, mas não têm conhecimento e nem habilidade de hacking. 

Eles usam tutoriais ou “receitas prontas” para realizar invasões e quando logram êxito, se auto intitulam hackers para impressionar seu círculo de convivência.

A invasão da conta de Janja, como os próprios autores assumiram, se deu através da obtenção de senhas previamente vazadas em bancos de dados, ou seja, nenhuma ação de hacking foi necessária. 

DCM: Como funciona a organização de lammers no Discord e em outras plataformas?

Letícia Oliveira: Não existe uma “organização de lammers” no Discord. O que existe são as chamadas panelas, que são servidores que reúnem adolescentes e jovens adultos, auto-identificados como paneleiros, em que eles praticam o que chamam de “lulz”. É um termo  derivado do acrônimo LOLs [lots of laughs – muitas risadas], algo que pode ser traduzido livremente como “zueira” (sic). 

Lulz é um termo de uso comum na internet e normalmente é usado no contexto de fazer algo “só pela zueira”, mas foi distorcido pelos paneleiros e é usado para designar uma série de ações violentas que acontecem nesses servidores. 

Dentro das panelas de Discord a “zueira” é feita normalmente por ligações de vídeo com horário marcado e anúncio em outros servidores para angariar plateia. 

Algumas vezes o acesso a este conteúdo ao vivo é feito mediante pagamento.

TA: O conteúdo dessas sessões normalmente consiste no cometimento de violências que podem até extrapolar o ambiente virtual, como ataques a pessoas em situação de rua, violência contra animais e até tentativas de suicídio. 

Há também os chamados “estupros virtuais”, quando, sob coação ou chantagem, a vítima é levada a exibir-se sexualmente e a realizar atos libidinosos contra sua vontade, enquanto é filmada e exibida para uma pessoa ou conjunto de pessoas. E há outros tipos de violência sexual como a introdução de objetos perfuro-cortantes nos genitais.  

Sessões de auto-lesão, voluntária ou sob coação ou chantagem sob encomenda, onde a vítima “escreve” o nome do algoz ou da panela em partes específicas do corpo, preferencialmente colo, parte interior das coxas, glúteos e área genital. 

Isso é considerado uma forma de “homenagem”. Outras formas de auto-lesão também são observadas, como ingestão de substâncias nocivas, queimaduras, arranhões, espancamento, etc.

Também são considerados lulz: doxxing, exposição de dados privados, stalking, perseguição, atrelação, “assinar” um crime cometido por no ambiente virtual ou off-line com o nome de um desafeto, com a intenção de incriminá-lo. 

LO: É interessante notar que, enquanto os responsáveis pela invasão estavam em posse da conta da Janja, atrelaram diversos nomes como os supostos responsáveis. Todos os nomes completos que foram postados na conta da Janja são atrelações.

DCM: Vocês afirmam que Janja teve o perfil vandalizado por uma falha de segurança. Acreditam que o presidente Lula ou outras autoridades estão sob o mesmo risco?

TA: Não há como isentar totalmente de risco qualquer indivíduo que seja. Por isso, adota-se preventivamente ações de mitigação de riscos e de danos, como o uso de antivírus, autenticação em dois fatores em aplicativos de mensageria e redes sociais, troca periódica de senhas, monitoramento de exposição em bases de dados, entre outras ações. 

DCM: Como avaliam a atuação do X nesse episódio?

LO: Nós não temos muita informação a respeito da atuação do X nessa situação específica. Sabemos que no mesmo dia a conta foi bloqueada a pedido da Polícia Federal.

DCM: Vocês afirmam que o Ministério da Justiça lançou um programa De Boa Na Rede, com orientações para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes virtuais. Por que esse programa não foi tão bem divulgado desde outubro?

TA: O De Boa Na Rede é uma excelente iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que reuniu num site linguagem simples, objetiva e direta o que responsáveis por crianças e adolescentes necessitam saber a respeito de controle parental e diálogo sobre o uso das principais redes sociais. 

Lamentamos que a divulgação do programa tenha ficado muito aquém do necessário. É urgente que seja realizado um trabalho massivo de conscientização dos riscos aos quais crianças e adolescentes estão expostos nas redes e, com a ajuda do De Boa Na rede, os responsáveis passem a monitorar e controlar o acesso. 

Fonte: DCM

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