A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou
nesta quarta-feira (22) a proposta do Executivo que muda o Imposto de Renda
sobre fundos de investimentos e sobre a renda obtida no exterior por meio de offshores, a chamada “taxação
dos super-ricos” (PL 4.173/2023). A votação estava prevista para terça-feira
(21), mas foi adiada para esta quarta, quando o relator, senador
Alessandro Vieria (MDB-SE), apresentou seu complemento de voto. O texto agora
segue para o Plenário, com pedido de urgência.
— Volto a reafirmar a importância do projeto como
um passo adiante na justiça tributária no Brasil, garantindo uma tributação
compatível com a média internacional — afirmou o relator.
Já aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto
muda uma série de leis, entre elas o Código Civil, para tributar ou aumentar as
alíquotas incidentes sobre fundos exclusivos (fundos de investimento com um
único cotista) e aplicações em offshores
(empresas no exterior que investem no mercado financeiro).
Os deputados incorporaram ao projeto a Medida
Provisória (MP) 1.184, de 2023, que trata da tributação dos fundos
exclusivos, mas fizeram várias alterações na proposta original do Executivo. A
alíquota de 10% proposta pelo governo para quem antecipar a atualização do
valor dos rendimentos acumulados até 2023 foi baixada para 8%. Já a alíquota
linear de 15% sobre os rendimentos aprovada na Câmara se contrapõe à alíquota
progressiva de 0% a 22,5% proposta inicialmente pela Presidência da República.
Os contribuintes pessoa física terão que declarar
de forma separada os rendimentos do capital aplicado no exterior, sejam
aplicações financeiras, lucros ou dividendos de entidades controladas. Não será
permitida qualquer dedução da base de cálculo do imposto, como é feito com
despesas com saúde, por exemplo, para os ganhos no país. No entanto, será
possível deduzir do imposto devido o imposto pago no exterior, desde que essa
compensação esteja prevista em acordo ou convenção internacional ou haja reciprocidade
de tratamento entre os dois países.
Impacto
fiscal
Segundo o relator, dados do
Banco Central demonstram que brasileiros têm cerca de R$ 200 bilhões em ativos
no exterior, sendo a maior parte participações em empresas e fundos de
investimento. Mas as alterações dos deputados no projeto que tramita agora no
Senado devem frustrar a expectativa de receita do governo, que pretendia
reforçar o caixa em R$ 20,3 bilhões em 2024 e em R$ 54 bilhões até 2026. A
equipe econômica ainda não divulgou o novo cálculo.
De qualquer forma, o projeto
aprovado reduz a arrecadação inicialmente prevista num momento em que o governo
precisa conseguir arrecadação de R$ 168 bilhões para cumprir a meta de zerar o
déficit primário em 2024, conforme o novo arcabouço fiscal proposto pelo
próprio Executivo e aprovado em agosto pelo Congresso. A tributação dos
super-ricos seria uma das principais fontes para obter esses recursos. Veja as
principais mudanças que a proposta aprovada na CAE poderá fazer no sistema
tributário:
Atualização
de valor
A pessoa física poderá optar por
atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior — aplicações
financeiras, imóveis, veículos, aeronaves, embarcações e participação em
empresas controladas — pelo valor de mercado em 31 de dezembro de 2023, pagando
8% de imposto sobre a diferença entre o valor atualizado e o custo de
aquisição. O recolhimento do IR nesse caso terá de ser feito até 31 de maio de
2024.
Não poderão ser atualizados bens
ou direitos que não tiverem sido declarados em 2022 e os vendidos, baixados ou
liquidados antes da opção. Também ficará proibida a atualização do valor de
joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor
histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material
genético de reprodução animal.
Fundos
exclusivos
- IR de 15% (fundos de
longo prazo) ou de 20% (fundos de curto prazo, de até um ano) sobre os
rendimentos, arrecadado uma vez a cada semestre por meio do sistema de
“come-cotas” a partir do ano que vem. Fundos com maiores prazos de
aplicação terão alíquotas mais baixas por causa da tabela regressiva do
IR.
O come-cotas é um sistema em
que, a cada seis meses, a Receita Federal “morde” uma quantidade de cotas do
cliente equivalente ao imposto de renda devido, que é retido na fonte. O
come-cotas incide apenas sobre os lucros, não sobre o capital investido.
- Recolhimento
antecipado: quem optar por começar a pagar o “come-cotas” este ano poderá
pagar 8% sobre todos os rendimentos obtidos até 2023 parcelados em quatro
vezes, com a primeira prestação a partir de dezembro; ou 15% em 24 meses,
com a primeira parcela em maio de 2024.
Os fundos fechados — que não
permitem o resgate de cotas no prazo de sua duração — terão de pagar o imposto
de renda também sobre os ganhos acumulados. Atualmente a tributação desses
fundos é feita apenas no momento do resgate do investimento, o que pode nunca
acontecer.
Offshores
e trusts
- Alíquota: 15% anuais
sobre os rendimentos a partir de 2024, mesmo se o dinheiro permanecer no
exterior.
- Apuração anual dos
lucros das offshores até 31 de dezembro.
- Recolhimento
antecipado: mesma regra dos fundos exclusivos.
- Atualmente sobre o
ganho de capital dos recursos investidos em offshores incide
alíquota de 15% de Imposto de Renda. No entanto, essa taxação só ocorre
sobre os recursos que voltarem ao Brasil. Ou seja, uma vez fora do país,
essa renda poderá nunca ser tributada de fato. O projeto também define o trust
como uma relação jurídica em que o dono do patrimônio transfere bens para
outras pessoas administrarem. Na prática, o trust é uma ferramenta
usada pelos proprietários para transferir seu patrimônio a terceiros,
normalmente seus filhos, cujo dever é administrar os bens conforme a
vontade dos pais.
Pela proposta, os bens e
direitos do trust, no entanto, devem permanecer sob a titularidade de
quem o criou, o dono original, passando ao beneficiário apenas no momento da
distribuição ou do falecimento do proprietário, o que ocorrer primeiro. Eles
terão que ser declarados diretamente pelo titular pelo custo de aquisição.
Os rendimentos e ganhos de
capital relativos aos bens e direitos do trust serão considerados
obtidos pelo titular na data do evento (criação do trust, distribuição
dos bens ou falecimento do proprietário) e sujeitos à incidência do IR. A
mudança de titularidade do patrimônio do trust será considerada doação, se
ocorrida durante a vida do proprietário, ou herança, depois do seu falecimento,
casos em que incide o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de
Quaisquer Bens ou Direitos), um imposto estadual. O proprietário, caso esteja
vivo, ou os seus beneficiários deverão providenciar em até 180 dias depois de
publicada a futura lei a alteração da escritura do trust, de forma a
obrigá-lo a cumprir as leis brasileiras.
Atualmente a legislação
brasileira não trata desse tipo de investimento, normalmente usado para reduzir
o pagamento de tributos e facilitar a distribuição de heranças em vida. Para
Alessandro, “o principal mérito do PL é positivar na legislação brasileira o
instituto dos trusts, que passam a ser reconhecidos pelo direito
tributário nacional e ficam transparentes para fins de tributação de seus
rendimentos, preenchendo uma lacuna importante do ordenamento jurídico
brasileiro”.
Controladas
Em outra frente, o texto tributa
os lucros das entidades controladas por pessoas físicas residentes no país
localizadas em paraísos fiscais (esses países têm tributação mínima, justamente
para atrair o dinheiro) ou beneficiárias de regime fiscal privilegiado. As
empresas no exterior com renda ativa própria inferior a 60% da renda total (ou
seja, mais de 40% dos seus lucros vêm de royalties, juros, dividendos,
participações acionárias, aluguéis, ganhos de capital, aplicações financeiras
ou outras rendas passivas) também serão tributadas.
Poderão ser deduzidos do lucro
da controlada no exterior os prejuízos apurados em balanço e os lucros e
dividendos de suas controladas brasileiras; os rendimentos e os ganhos de
capital dos demais investimentos feitos no país; e o imposto sobre a renda pago
no exterior pela empresa e suas controladas até o limite do imposto devido no
Brasil. O projeto ainda autoriza a pessoa física a declarar, de forma
irrevogável e irretratável, por meio de declaração de ajuste anual a ser
entregue em 2024, os bens e direitos da entidade controlada no exterior como se
fossem seus (transparência para fins tributários).
Quando devidamente comprovadas,
as perdas no exterior poderão ser compensadas com os rendimentos de operações
de mesma natureza, no mesmo período de apuração. Caso o valor das perdas supere
o do lucro, poderá ser compensado com lucros e dividendos de entidades
controladas no exterior. As perdas não compensadas poderão ser usadas em
períodos posteriores.
Fundos
agrícolas e imobiliários
O projeto também muda o texto do
governo com relação à isenção do Imposto de Renda para os Fiagros (fundos que
investem em cadeias agroindustriais) e os fundos de investimentos imobiliários.
Para serem isentos, esses fundos terão que ter o mínimo de 100 cotistas, e não
os 500 propostos inicialmente pelo Executivo. Também foi criada uma trava para
limitar as cotas de parentes, incluindo os de segundo grau, a 30% do patrimônio
líquido dos fundos. Em outra mudança, as empresas que operam no país com ativos
virtuais, independentemente do domicílio, terão de fornecer informações sobre
suas atividades e de seus clientes à Receita Federal e ao Conselho de Controle
de Atividades Financeiras, órgão que combate a lavagem de dinheiro.
Variação
cambial
O projeto normatiza a conversão
da moeda estrangeira em moeda nacional. A cotação será a de fechamento para
venda divulgada pelo Banco Central na data do fato gerador do imposto. O
projeto define ainda que o lucro com a flutuação do dólar não será tributado em
duas situações: na variação cambial de depósitos em conta corrente ou em cartão
de crédito ou débito no exterior, desde que os depósitos não sejam remunerados;
e na variação cambial de moeda estrangeira para vendas de até US$ 5 mil por
ano. O que passar desse valor será integralmente tributado.
Emendas
Das 18 emendas sugeridas pelos
senadores, Alessandro Vieira acatou parcialmente seis, ajustando o texto para
que as mudanças fossem consideradas apenas emendas de redação. A principal
delas altera o conceito de bolsas de valores e mercados de galpão. O projeto da
Câmara restringia o conceito a “sistemas centralizados e multilaterais” e o
relator optou por retirar a palavra “multilaterais”. Ele ainda acrescentou a
observação de que os sistemas de negociação previstos no artigo são aqueles que
operam como sistemas centralizados multilaterais de negociação. Essa mudança é
importante para definir em que tipos de ações os fundos não sujeitos ao
come-cotas poderão investir.
Fonte: Agência Senado
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