O presidente Lula classificou como 'inaceitáveis' algumas exigências de Bruxelas para selar o acordo comercial entre os blocos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferiu nesta terça-feira (4) um discurso durante a reunião de chefes de Estado do Mercosul, que ocorre na cidade argentina de Puerto Iguazú. Em sua fala, o mandatário brasileiro voltou a defender o uso de uma moeda comum na região para facilitar o comércio e criticou as demandas da União Europeia para o acordo comercial entre os blocos.
"A adoção de uma moeda comum para realizar operações de compensação entre nossos países contribuirá para reduzir custos e facilitar ainda mais a convergência. Falo de uma moeda de referência específica para o comércio regional, que não eliminará as respectivas moedas nacionais", disse o presidente Lula.
Em relação ao acordo com a UE, Lula afirmou estar comprometido com a sua conclusão, desde que seja "equilibrado". "Estou comprometido com a conclusão do Acordo com a União Europeia, que deve ser equilibrado e assegurar o espaço necessário para adoção de políticas públicas em prol da integração produtiva e da reindustrialização", declarou.
"O Instrumento Adicional apresentado pela União Europeia em março deste ano é inaceitável. Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções. É imperativo que o Mercosul apresente uma resposta rápida e contundente. É inadmissível abrir mão do poder de compra do Estado – um dos poucos instrumentos de política industrial que nos resta", disse Lula. "Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matéria primas, minérios e petróleo".
Leia abaixo o discurso de Lula na íntegra:
É com muita alegria que volto à Argentina para participar de uma Cúpula do MERCOSUL.
Essa satisfação é ainda maior por estar hoje na tríplice fronteira, local de muito simbolismo para a integração entre nossos países e de grande beleza natural.
Hoje, cumpro uma etapa essencial do reencontro do Brasil com a região.
Logo no primeiro mês do meu governo, participei da Cúpula da CELAC, em Buenos Aires.
Em maio, nos encontramos na Reunião de Presidentes Sul-americanos, em Brasília, para reavivar o patrimônio institucional da UNASUL.
Há poucos dias, Alberto Fernández e eu celebramos o bicentenário das relações Brasil-Argentina.
Faltava, contudo, o MERCOSUL: um dos principais alicerces do projeto de integração regional construído ao longo das últimas décadas.
Desde janeiro, estive com vários líderes mundiais, em diferentes foros, neste e em outros continentes.
O mundo está cada vez mais complexo e desafiador.
Nenhum país resolverá seus problemas sozinho, nem pode permanecer alheio aos grandes dilemas da humanidade.
Não temos alternativa que não seja a união.
Frente à crise climática, é preciso atuar coordenadamente na proteção de nossos biomas e na transição ecológica justa.
Diante das guerras que trazem destruição, sofrimento e empobrecimento, cumpre falar da paz.
Em um mundo cada vez mais pautado pela competição geopolítica, nossa opção regional deve ser a cooperação e a solidariedade.
Face ao aumento do ódio, da intolerância e da mentira na política, é urgente renovar o compromisso histórico do MERCOSUL com o estado de direito.
Como presidentes democraticamente eleitos, temos o desafio de enfrentar todos os que tentam se apropriar e perverter a democracia.
Estou convicto que a construção de um MERCOSUL mais democrático e participativo é o caminho a trilhar.
Querido Alberto Fernández,
Quero lhe agradecer pelo empenho de sua equipe à frente do MERCOSUL durante o semestre que se encerra.
A presidência argentina buscou aprofundar convergências e reduzir assimetrias entre os Estados partes.
Alcançamos importantes resultados com a revisão do Regime de Origem, a negociação de Acordo em matéria de Direito de Família e a realização de mais uma edição do Fórum Empresarial.
A retomada da Cúpula Social do MERCOSUL também foi um marco de seu trabalho árduo. Não é concebível que tenhamos deixado de lado, por quase sete anos, esse valioso espaço.
A participação de movimentos sociais, com toda a diversidade de nossa gente, reforça a transparência e a legitimidade do bloco.
O Brasil assume hoje a presidência pro-tempore com a determinação de levar adiante esses esforços.
Na vertente econômica e comercial, pretendemos aperfeiçoar nossa Tarifa Externa Comum e evitar que barreiras não tarifárias comprometam a fluidez do comércio.
Em 2022, o intercâmbio intra-MERCOSUL somou 46 bilhões de dólares. Não é pouco, mas está abaixo do auge registrado em 2011, de 52 bilhões de dólares. Estamos aquém do nosso potencial.
Nosso comércio se caracteriza pela presença significativa de produtos de maior valor agregado. Esse é um ativo que precisa ser valorizado e ampliado.
Temos uma agenda inacabada com dois setores ainda excluídos do livre comércio: o automotivo e o açucareiro. E buscaremos, também, concluir a oitava rodada de liberalização do comércio de serviços.
Contamos com expressivas reservas de minerais estratégicos, como lítio e cobalto, que são essenciais para projetos industriais de última geração.
A adoção de uma moeda comum para realizar operações de compensação entre nossos países contribuirá para reduzir custos e facilitar ainda mais a convergência.
Falo de uma moeda de referência específica para o comércio regional, que não eliminará as respectivas moedas nacionais.
Embora já tenhamos uma área de livre comércio de fato com nossos vizinhos sul-americanos, há espaço para ampliar e aprimorar os acordos comerciais com Chile, Colômbia, Equador e Peru.
Retomaremos uma agenda externa ambiciosa para ampliar o acesso a mercados por nossos produtos de exportação.
Estou comprometido com a conclusão do Acordo com a União Europeia, que deve ser equilibrado e assegurar o espaço necessário para adoção de políticas públicas em prol da integração produtiva e da reindustrialização.
O Instrumento Adicional apresentado pela União Europeia em março deste ano é inaceitável. Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções.
É imperativo que o MERCOSUL apresente uma resposta rápida e contundente.
É inadmissível abrir mão do poder de compra do estado – um dos poucos instrumentos de política industrial que nos resta.
Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matéria primas, minérios e petróleo.
Precisamos de políticas que contemplem uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação.
Isso requer mais integração, a articulação de processos produtivos e na interconexão energética, viária e de comunicações.
Partindo dessas premissas, vamos revisar e avançar nos acordos em negociação com Canadá, Coreia do Sul e Singapura.
Vamos explorar novas frentes de negociação com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe.
A proliferação de barreiras unilaterais ao comércio perpetua desigualdades e prejudicam os países em desenvolvimento.
Combater o ressurgimento do protecionismo no mundo, implica resgatar o protagonismo do MERCOSUL na Organização Mundial do Comércio.
Trabalharemos para mobilizar recursos junto aos bancos nacionais e aos organismos regionais para o desenvolvimento, como a CAF, o Fonplata e o BID, para financiar projetos de infraestrutura física e digital.
Com a companheira Dilma Rousseff à frente do Banco dos BRICS, novos horizontes se abrem para o MERCOSUL reduzir as assimetrias dos seus membros.
O Brasil quitou este ano sua dívida de quase 100 milhões de dólares com o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Atuaremos com o Congresso brasileiro para realizar novos aportes ao FOCEM em sua segunda etapa.
Daremos atenção especial às nossas regiões de fronteira, que passa tanto pela entrega de serviços como saúde e educação, como pelo combate a ilícitos transnacionais que tanto impactam o dia-a-dia dessas localidades.
O aprimoramento institucional do nosso bloco passará pelo revigoramento do PARLASUL, do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos, do Instituto Social e do Tribunal Permanente do Mercosul.
Com a Agenda Verde, iniciamos exercício permanente de discussão sobre temas como desertificação, combate a incêndios e recuperação de solos degradados, que serão objeto de ações coordenadas do bloco em prol do desenvolvimento sustentável.
Consolidar a democracia, será uma tarefa permanente. Vamos propor a reinstalação do Foro Consultivo de Municípios e Estados Federados e realizar a Cúpula Social em formato presencial.
Fortalecer o MERCOSUL significa contar com a participação de todos os nossos membros. Temos urgência para o acesso da Bolívia como membro pleno e trabalharei pessoalmente por sua aprovação no Congresso brasileiro.
Caros amigos e amigas,
Como nos lembra o companheiro Pepe Mujica, nossa integração vai bem além do que um projeto estritamente comercial.
O MERCOSUL não pode estar limitado à barganha do “quanto eu te vendo e quanto você vende pra mim”.
É preciso recuperar uma agenda cidadã e inclusiva, de face humana, que gere benefícios tangíveis para amplos setores de nossas sociedades.
Nossa integração deve ser solidária e despertar o sentimento de pertencimento.
Nossa integração também deve ser feminina, negra, indígena, camponesa e trabalhadora.
Temos aqui importantes avanços a compartilhar. Com a Lei de Igualdade Salarial e Remuneratória, que sancionamos ontem, o Brasil começa a saldar uma dívida histórica. Homens e mulheres que exercem a mesma função terão salários iguais.
Essa é uma grande conquista das mulheres brasileiras.
Esse é o MERCOSUL que queremos e que voltou ao centro da estratégia brasileira de inserção no mundo.
Só a unidade do MERCOSUL, da América do Sul e da América Latina e do Caribe nos permitirá retomar o crescimento, combater as desigualdades, promover a inclusão, aprofundar a democracia e garantir nossos interesses em um mundo em transformação.
É isso que nossas populações esperam de nós.
Muito obrigado.
Fonte: Brasil 247
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