"Não pode chegar uma lei e mudar aquilo que a Constituição diz”, assegurou o ex-ministro da Justiça em entrevista à TV 247
O advogado e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão participou nesta terça-feira (30) do Boa Noite 247, da TV 247, e comentou sobre a aprovação do PL 490 pela Câmara, o chamado marco temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas e desmonta uma série de direitos dos povos originários brasileiros.
Aragão disse que a matéria aprovada pela Câmara fere a Constituição de 1988. “É uma proposta flagrantemente inconstitucional”. O jurista lembrou que a Constituição estabeleceu um marco temporal para as terras ocupadas por quilombolas até a promulgação da Carta, em 5 de outubro de 1988. “Para os indígenas, não. A única condição para a caracterização das terras indígenas é sua ocupação tradicional ou imemorial. E isso daí é qualquer tempo, desde que eu consiga mostrar que é imemorial. Você tem que ter uma demonstração concreta da imemorialidade em cada caso”, afirmou Eugênio Aragão.
Para o ex-ministro da Justiça, a aprovação do PL 490 pela Câmara representa uma cobiça sobre as riquezas das terras indígenas. “As reservas fundiárias no Brasil são muito restritas hoje. Se você quiser avançar, ou tem as terras devolutas, que são da União, ou as terras protegidas pelo meio ambiente, ou as terras indígenas. Então, a cobiça sobre estas terras é muito grande, principalmente quando elas estão incrustadas em áreas valorizadas por causa do agronegócio, ou áreas urbanas”, afirmou. “Na verdade, o que se quer é expulsar os indígenas das terras que são preciosas”, acrescentou Aragão.
Para Eugênio Aragão, está muito claro no Artigo 231 da Constituição que a imemorialidade está garantida, apesar da aprovação do projeto de lei pela Câmara. “Isso é um marco constitucional do artigo 231 da Constituição de 1988 e ponto final. Não pode chegar uma lei e mudar aquilo que a Constituição diz”, acrescentou.
Assista à entrevista de Eugênio Aragão na íntegra:
Câmara aprova projeto do marco temporal, em retrocesso para demarcação de terras indígenas
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (30), por 283 votos a 155, o texto base do Projeto de Lei 490, que restringe a demarcação de terras e desmonta uma série de direitos dos povos indígenas. Houve uma abstenção. Deputados agora analisam os destaques, sugestões de alteração no texto. Concluída esta etapa, o texto vai ao Senado.
O projeto restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.
De acordo com o substitutivo, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente deverá ser comprovado objetivamente que essas terras, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Dessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.
Entre outros pontos, o projeto, relatado pelo deputado Arthur Maia (União-BA), flexibiliza o uso exclusivo de terras pelas comunidades e permite à União retomar áreas reservadas em caso de alterações de traços culturais da comunidade (leia mais abaixo).
O texto também:
- cria um “marco temporal” para as terras consideradas "tradicionalmente ocupadas por indígenas", exigindo a presença física dos índios em 5 de outubro de 1988
- permite contrato de cooperação entre índios e não índios para atividades econômicas
- possibilita contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”
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