segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Primeiro debate entre presidenciáveis pode ter agravado situação de Bolsonaro no eleitorado feminino

 Candidato à reeleição disparou agressões contra a jornalista Vera Magalhães e a senadora Soraya Thronicke, enquanto as candidatas mulheres se destacaram na oposição

Simone Tebet e Jair Bolsonaro em debate na Band (Foto: Reprodução / TV Band)

Por Eduardo Simões

SÃO PAULO (Reuters) - As mulheres roubaram o palco que esperava-se seria predominantemente ocupado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) no primeiro debate entre candidatos à Presidência, realizado em pool pela Band TV, TV Cultura, Folha de S.Paulo e UOL, num movimento que pode ter agravado a já delicada situação de Bolsonaro entre o eleitorado feminino.

O presidente bem que tentou polarizar com Lula no tema da corrupção, tentando colocar o petista contra a parede citando números de endividamento da Petrobras e chamando-o de "ex-presidiário", levando o petista a acusá-lo de mentir e fazendo a mesma acusação ao adversário.

Mas seu destempero com a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, que fez uma pergunta sobre vacinação a outro candidato, Ciro Gomes (PDT), cuja resposta caberia a Bolsonaro comentar, trouxe a questão feminina --e principalmente seu histórico de agressividade com mulheres-- para o centro do debate, permitindo à candidata do MDB, Simone Tebet, se destacar, assim como, em menor grau, a candidata do União Brasil, Soraya Thronicke.


"Vera, não podia esperar outra coisa de você. Eu acho que você dorme pensando em mim, você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como este, fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro", disse Bolsonaro.

Tebet, então saiu em defesa da jornalista e Bolsonaro atacou também a senadora.

"Não pedi sua opinião. Já está apelando... A senhora é uma vergonha no Senado Federal. E não estou atacando mulheres não. Não vem com essa historinha de atacar mulheres, de se vitimizar."

Em outro momento, Soraya Thronicke manifestou solidariedade a Tebet e a Vera Magalhães e acusou Bolsonaro de mentir.

"Quando homens são tchutchukas com outros homens e vêm pra cima da gente como tigrão, eu fico muito brava", disse a senadora, que assim como Tebet representa o Mato Grosso do Sul. "No meu Estado tem mulher que vira onça, e eu sou uma delas."

Na avaliação do CEO da Dharma Political Risk, Creomar de Souza, o embate com Tebet e a agressividade com a jornalista da TV Cultura prejudicaram o desempenho de Bolsonaro.

"Creio que foi um debate protagonizado por coadjuvantes. Tebet foi a única que de fato enfrentou Bolsonaro e como isso funcionou, ao final deu até leves estocadas no Lula", disse.

"Acho que ele (Bolsonaro) perdeu votos potenciais entre mulheres", acrescentou.

Uma das metas da campanha de Bolsonaro é reduzir sua desvantagem entre o público feminino --segundo o mais recente Datafolha, Bolsonaro tem 29% entre as mulheres, contra 47% de Lula.

Sobre Thronicke, o CEO da Dharma apontou a defesa que a senadora fez de Vera Magalhães como seu ponto alto no debate, para o qual, no geral, na avaliação de Creomar, ela mostrou-se "verde".

Bolsonaro buscou se recuperar mais adiante no debate tentando sua "bola de segurança", a defesa da família, e elogiando o trabalho que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, faz no governo de incentivo ao voluntariado.

"Quero cumprimentar a primeira-dama pelo excelente trabalho. Nunca vi vossa excelência procurá-la para tratar disso", disse Bolsonaro, referindo-se a Tebet. "Chega de vitimismo, somos todos iguais."

Monitoramento do instituto Quaest sobre as reações ao debate nas redes sociais confirmaram o desempenho destacado de Tebet, especialmente no terceiro e último bloco do debate, quando ela foi a candidata que mais teve mais menções positivas entre os rivais, com 62%. No geral, ela ficou em segundo nas redes, atrás de Ciro, de acordo com o monitoramento.

Além disso, pesquisa qualitativa do Datafolha com 64 eleitores indecisos apontou a emedebista como a que saiu-se melhor no debate, seguida por Ciro. O levantamento também mostrou que para a maioria desses eleitores, Bolsonaro saiu-se pior, seguido por Lula.

MENTIRAS E CORRUPÇÃO

O petista, aliás, teve desempenho apagado na avaliação de analistas ouvidos pela Reuters. Diante dos ataques de Bolsonaro, ele acusou o rival de mentir, elencou realizações de seus oito anos de governo, mas pouco citou escândalos da atual gestão, como os denunciados no Ministério da Educação.

Logo no primeiro bloco, tendo a primeira pergunta dos confrontos diretos, Bolsonaro partiu para cima de Lula indagando-o sobre o escândalo de corrupção na Petrobras e citando números --que o petista chamou de mentirosos-- sobre endividamento da empresa.

"Presidente Lula você quer voltar ao poder para fazer a mesma coisa na Petrobras?", perguntou Bolsonaro.

Lula rebateu acusando Bolsonaro de mentir.

"Citar números que são mentirosos também não vale a pena na televisão", disse.

Em sua tréplica, Bolsonaro manteve a ofensiva e disse que o governo Lula foi marcado pela "cleptocracia" e que o petista comandou "o governo mais corrupto da história do Brasil".

O petista, na tréplica, citou uma série de feitos de seu governo, como investimentos na educação e dados sobre inclusão social e emendou: "esse país é o país que o presidente está destruindo".

Em outro momento, foi Bolsonaro que acusou Lula de mentir, afirmando que a mentira estava "no DNA" do ex-presidente.

Para Creomar, da Dharma, o petista evitou ir ao ataque, dada sua ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto.

"Lula errou a estratégia e, com a exceção de um bom momento, apanhou muito e não entendeu que precisava ser firme em termos de respostas aos ataques", avaliou.

"Quis jogar parado. É muito arriscado, mas compreensível."

Já Bolsonaro, na avaliação de Creomar, deve aproveitar seus ataques contra o petista para produzir material para suas redes sociais, prática comum do presidente.

No final do debate, Lula solidarizou-se com Tebet e Vera Magalhães por causa dos ataques feitos por Bolsonaro, depois de se recusar, ao responder uma pergunta, a se comprometer com a paridade entre homens e mulheres no ministério caso seja eleito.

RELAÇÃO

O petista também travou um duelo marcante com Ciro, quando foi perguntado sobre sua relação histórica com o adversário e o pedetista foi escalado para comentar. O ex-presidente disse respeitar Ciro, em tom pacifista, e que espera negociar, se eleito, a participação do PDT em um eventual governo seu.

O pedetista, então, chamou Lula de "encantador de serpentes" que apela sempre para o lado emocional e pessoal. Ao afirmar que suas diferenças com o petista não são pessoais, o acusou de ter se corrompido.

"Mesmo assim, Ciro, a gente vai conversar e você ainda vai me pedir desculpas, porque você sabe que está dizendo inverdades sobre mim", disse Lula.

Mantendo o tom elevado, Ciro disse que Lula e o PT ajudaram a gestar Bolsonaro e o petista lembrou que, no segundo turno da eleição de 2018, o pedetista viajou para fora do país, gerando reação de Ciro fora do microfone.

O pedetista já afirmou algumas vezes que, embora tenha se recusado a fazer campanha para Fernando Haddad no segundo turno em 2018, retornou ao Brasil a tempo de votar.

"Ciro apesar da oratória habitualmente qualificada parece não ter alcançado um estado de precisão que permitisse entregar a mensagem", disse Creomar, que ainda comentou o desempenho do outro presidenciável presente no debate, Felipe D'Ávila (Novo).

"Parece ter sido aquele que mais sentiu o debate."

(Reportagem adicional de Flávia Marreiro)

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