Presidente do TSE, Edson Fachin, que tem participado das conversas, tem dito que o Judiciário não poderia, sozinho, fazer frente aos ataques antidemocráticos
Reuters - Um grupo de senadores decidiu se articular com a cúpula do Poder Judiciário para se contrapor, de forma coordenada, à estratégia do presidente Jair Bolsonaro de questionar a confiança do sistema eleitoral brasileiro usando as Forças Armadas como anteparo para suas investidas, segundo fontes dos dois Poderes ouvidas pela Reuters.
A intenção do grupo, de acordo com senadores e envolvidos nas tratativas, é defender as urnas eletrônicas, impedir que eventuais discursos golpistas ou de desestabilização das instituições ganhem terreno em círculos militares e civis e garantir a democracia brasileira, a cinco meses das eleições.
Em caso de derrota de Bolsonaro nas eleições de outubro, existe uma preocupação de evitar, ou ao menos reduzir, a possibilidade de atos violentos numa transição de governo, uma repetição à brasileira do ataque de 6 de janeiro do ano passado ao Capitólio dos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump para Joe Biden.
As conversas começaram há cerca de um mês de maneira reservada entre senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de acordo com as fontes, e já houve resultados práticos dessas tratativas, principalmente em posicionamentos mais incisivos de autoridades.
Um dos reflexos dessa mobilização foi a contundente fala do presidente do TSE, Edson Fachin, na quinta-feira. Em tom inesperado para seus padrões, mas, segundo uma fonte do tribunal eleitoral, comunicado previamente a assessores, Fachin fez a defesa mais enfática do sistema eleitoral até o momento para rechaçar dúvidas após questionamentos e ataques vindos do Ministério da Defesa e de Bolsonaro.
"Quem trata de eleições são forças desarmadas, e, portanto, as eleições dizem respeito à população civil, que de maneira livre e consciente escolhe seus representantes. Logo, diálogo sim, colaboração, sim, mas na Justiça Eleitoral quem dá a palavra final é a Justiça Eleitoral. E assim será durante a minha presidência. A Justiça Eleitoral está aberta a ouvir, mas jamais estará aberta a se dobrar a quem quer que seja", disse Fachin, na ocasião.
O presidente do TSE, que tem participado das conversas, tem dito aos integrantes do Legislativo que o Judiciário não poderia, sozinho, fazer frente aos ataques antidemocráticos, segundo outra fonte do Senado.
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), assumiu um papel-chave nessas tratativas, segundo três fontes do Senado e uma do Judiciário. Ele foi instado a mudar sua atuação e a se pronunciar de forma mais incisiva em nome de um grupo de senadores preocupados com as instituições democráticas.
Como o grupo é suprapartidário, informal e muitos senadores vão concorrer nas eleições em outubro, Pacheco, conforme as fontes, foi "escalado" para assumir a linha de frente no combate a essas contestações. Após conversas com o grupo, ele já se encontrou com Fachin, com o presidente do STF, Luiz Fux, e com o presidente o Superior Tribunal Militar (STM), general Luis Carlos Gomes Mattos, e ainda ficou de conversar com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. A partir desses encontros, mudou o tom de suas declarações sobre o tema em falas e publicações nas redes sociais.
"O que nós não podemos é permitir que o acirramento eleitoral, que é natural do processo eleitoral e das eleições, possa descambar para aquilo que eu reputei anomalias graves de se permitir falar sobre intervenção militar, sobre atos institucionais, sobre frustração de eleições, sobre fechamento do Supremo Tribunal Federal", afirmou Pacheco após se encontrar com Fux, no dia 3 de maio, um claro momento em que passou a adotar uma postura bem mais assertiva do que vinha desenhando até então.
"Essas são anomalias graves que devem ser contidas, rebatidas com a mesma proporção, a cada instante, porque todos nós, todas as instituições... têm obrigação com a democracia, com o Estado de Direito e com o cumprimento da Constituição. E esse alinhamento deve ser feito através do diálogo", reforçou ele na ocasião, após protestos de 1º de Maio, estimulados por Bolsonaro, terem defendido pautas contra o Supremo.
Além dos gestos públicos, autoridades dos dois Poderes intensificaram reuniões, jantares, e conversas em grupo e individuais neste período.
"Evidentemente há esse esforço do Poder Legislativo em se associar ao Poder Judiciário para se fazer um trabalho conjunto para garantir que as eleições transcorram dentro da normalidade, sem sobressaltos", disse à Reuters o senador Marcelo Castro (MDB-PI), um dos integrantes do grupo.
INTERLOCUÇÃO COM MILITARES
Também houve incursões para buscar canais de comunicação com os militares, a partir de conversas e reuniões com interlocutores das Forças Armadas e com o ministro da Defesa. Em caráter institucional, a presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, senadora Katia Abreu (PP-TO), teve um almoço de cerca de duas horas com o ministro, na semana passada.
Foi o primeiro contato da presidente da comissão do Senado com o novo ministro, a pedido dele. De acordo com uma fonte da comissão do Senado, tratou-se de um almoço de cortesia de Oliveira, uma primeira oportunidade de conversa, um ponto de partida, uma vez que ele acaba de assumir a pasta. Ainda segundo a fonte, como a comissão tem a função de acompanhar as atividades de Defesa Nacional, ambos trataram de temas de interesse mútuo na área de Defesa, mas sem uma pauta específica ou desdobramentos, mas em clima cordial e amistoso.
Ainda assim, segundo uma outra fonte, os dois conversaram sobre assuntos do momento como a tensão entre os Poderes. Esse encontro fez parte da estratégia de ampliar o leque de acesso à cúpula militar do país em meio ao tensionamento político, disse essa fonte.
Posteriormente, ao promover um jantar em sua casa em mais uma rodada de conversas envolvendo ministros do Supremo como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, e Ricardo Lewandowski, além do presidente do Senado e senadores, Katia Abreu fez um breve relato do encontro com o ministro da Defesa. Rodrigo Pacheco, por sua vez, comunicou aos presentes a sua atuação: "Não deixarei o Supremo isolado", disse ele aos ministros do STF, relatou uma das fontes.
A constatação do grupo é que é preciso, além de ampliar as conversas com o meio militar, integrar outros ministros do STF nas discussões, segundo essa fonte.
ESTRATÉGIA
A despeito dessa movimentação do grupo, Bolsonaro já definiu como estratégia eleitoral manter a pressão sobre a cúpula do Judiciário e lançar suspeitas de fraudes sobre as urnas eletrônicas até as eleições, segundo uma fonte do comitê de campanha do presidente. A avaliação é que o discurso mantém a militância unida e ainda lança dúvidas no eleitorado indeciso, tentando atraí-lo.
Apesar da contestação sobre o sistema eleitoral, entretanto, não haverá qualquer iniciativa do presidente de usar os militares para um golpe em caso de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorito nas pesquisas, na eleição de outubro, de acordo com a fonte.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), primogênito do presidente e um dos coordenadores de campanha, reuniu-se recentemente com Gilmar Mendes e, apesar de levar a ele as críticas à atuação do Judiciário, garantiu que não haverá um golpe, segundo a mesma fonte.
CENÁRIOS
Na cúpula do Judiciário, segundo três fontes, a avaliação é que haverá contestação de Bolsonaro ao resultado eleitoral caso derrotado. Uma delas disse que, no cenário de uma vitória apertada de Lula, é esperado que haja atos contra o TSE. Por isso, segundo essa fonte, a segurança do Tribunal e do Supremo continuará em estado permanente de vigilância até a conclusão do processo eleitoral.
Por outro lado, de acordo com outra fonte, uma vitória de Bolsonaro o deixará mais forte, ao passo em que haverá um enfraquecimento ainda maior dos Poderes.
"Ele vai deixar as instituições em frangalhos", disse essa fonte.
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