"Bolsonaro é um fascista e o Moro é um neofascista, os dois vão tentar mentir para a sociedade o tempo todo", disse ainda Lula
247 – Recebido como estadista na Argentina, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista exclusiva ao site Página 12, em que falou sobre a situação política no Brasil e os desafios econômicos latino-americanos e globais. “O Brasil vive uma situação que achava que nunca mais viveria, com 19 milhões de pessoas passando fome”, disse o fundador do Partido dos Trabalhadores (PT). Confira, abaixo, alguns dos principais pontos:
Página 12 – Na Argentina, o macrismo deixou enormes prejuízos sociais com sua política econômica, no Brasil o mesmo acontece com a política neoliberal de Paulo Guedes. Que margem terá um futuro governo no Brasil para reverter essa herança?
Lula – O Partido dos Trabalhadores (PT) é capaz de mudar a situação do Brasil, precisa voltar ao governo porque sabe colocar em prática políticas de inclusão social, geração de empregos, para que os mais pobres participem do orçamento das cidades e estados brasileiros. Não podemos aceitar que um país do tamanho do Brasil, que foi a sexta maior economia do mundo sob meu governo, hoje seja a décima terceira; Não podemos aceitar que um país que acabou com a fome em 2012 e hoje veja que o flagelo é tão forte: são 19 milhões de pessoas que não têm o que comer. Tanto o Brasil quanto a Argentina, assim como a Bolívia e o Chile, precisam de governos progressistas que envolvam os pobres em uma participação ativa na economia, para que possam ser consumidores e comprar coisas e ter acesso à educação. Estou convencido de que a América Latina pode se recuperar. Infelizmente pessoas como Néstor Kirchner e Hugo Chávez morreram, outras pessoas foram violentadas, como Rafael Correa e Dilma Rousseff, depois da violência da lei, contra mim; o golpe contra Fernando Lugo. Os governos conservadores destruíram tudo o que construímos para o bem-estar social de nossos povos. Sei o que está passando o camarada Alberto Fernández, o que significa a dívida que Macri deixou com o FMI e sua pressão; Por isso, Alberto precisa trabalhar muito para que haja um acordo e que o povo argentino não seja vítima dos neoliberais.
Página 12 – O que você espera da negociação da Argentina com o FMI?
Lula – É possível fazer um acordo. O FMI foi tão benevolente com os países ricos com a crise de 2008, por isso tem que ser muito generoso para lidar com a dívida da Argentina. O povo argentino não pode ser sacrificado.
Página 12 – Como você descreve sua relação com Cristina Fernández e Alberto Fernández?
Lula – Minha relação com Cristina é mais antiga porque convivi com ela desde que Néstor Kirchner foi eleito presidente da Argentina, e depois com ela como presidente. Minha relação com Alberto teve um momento que me comoveu e foi quando ele me visitou quando eu estava detido no presídio de Curitiba. Foi um ato de generosidade e solidariedade de Alberto. Por isso, com muito orgulho, vou participar do grande ato de recuperação da democracia na Argentina, são 38 anos que devem ser valorizados. A vitória de Alberto e Cristina mostra que o povo não pode desanimar, que é possível que o povo recupere a democracia na medida em que o povo possa participar ativamente das decisões. Tenho uma estima especial pela Argentina porque não concebo que o Brasil cresça sozinho; O Brasil tem que crescer, a Argentina tem que crescer, o Uruguai é o mesmo, o Paraguai, a Bolívia porque juntos podemos ser mais fortes. Quando me tornei presidente em 2003, o intercâmbio comercial entre Brasil e Argentina mal era de 7 bilhões de dólares; Quando deixei a presidência, eram 39 bilhões de dólares, o que demonstra o potencial financeiro e de parceria. Para mim, a Argentina precisa do Brasil, e isso é mútuo; como precisamos do resto da América do Sul.
Página 12 – É significativo para você que o ex-juiz Sergio Moro, candidato independente, concorra com a base eleitoral do Bolsonaro? Você diria que são duas faces da extrema direita?
Lula – São dois personagens muito comprometidos com a extrema direita e, no caso do Moro, ele é um personagem perigoso: quando era juiz se atreveu a mentir em um processo para me condenar e me levar para a prisão e assim me impedir de ser eleito presidente em 2018. Ainda penso quão sério esse homem pode ser para a sociedade brasileira? Quantas mentiras ele pode contar aos brasileiros? Então, eu diria que são dois extremistas, o Bolsonaro é um fascista e o Moro é um neofascista, os dois vão tentar mentir para a sociedade o tempo todo. Eles vão ter que lutar entre si para ver quem vai para o segundo turno com o PT.
Página 12 – As pesquisas indicam que você ganharia a eleição?
Lula – Tudo indica que o PT tem boas chances de ganhar as eleições. Temos que agir com seriedade porque não há tempo para as eleições e, então, não podemos reivindicar a vitória antes do tempo. O PT tem um legado político e econômico extraordinário e de inclusão social no Brasil, vamos tentar dar à sociedade o que o PT fez de bom no país. Vamos trabalhar para ganhar as eleições. Dos dois que competem comigo, o Bolsonaro, como presidente, conta com o uso da máquina governamental, e o próprio Moro, com a ajuda de setores da mídia que fazem o enorme sacrifício para aparecer no noticiário. Não sei se é percebido na Argentina, mas aqui sou o mais censurado do planeta terra. Qualquer candidato que não seja o PT, que tem 1% nas pesquisas, aparece mais na televisão do que Lula, que tem 46 ou 47% de intenção de votar. Como eu era o que venceria no primeiro ou segundo turno, de acordo com todas as pesquisas, as empresas de mídia priorizam os candidatos que têm um ou dois por cento de intenção de votar. Não me preocupo porque tenho uma relação muito verdadeira com o povo e isso vai me permitir ganhar as eleições.
Página 12 – Aliás, que papel você acha que os sindicatos deveriam ter na mídia, como no caso do Página 12, em um contexto em que as corporações dominam a comunicação e o jornalismo?
Lula – Estou muito feliz com o papel do movimento sindical na comunicação argentina. Aqui no Brasil criamos uma televisão pública, mas ela não recebeu o investimento necessário e não é respeitada hoje pelo governo Bolsonaro. Temos um canal do sindicato dos metalúrgicos e dos bancos de São Paulo. Defendo que os meios de comunicação são efetivamente democráticos e que as universidades e os sindicatos podem ter canais de comunicação para dialogar com a sociedade, para informá-la, seja através do rádio, da televisão, do jornal ou da Internet. É essencial que as pessoas entendam que a mídia desempenhou um papel importante na região na derrubada de presidentes progressistas. A imprensa tem apoiado golpes no Brasil, vemos como a mídia ataca a camarada Cristina Fernández na Argentina. Sei do comportamento da imprensa contra Chávez e Correa. Eu sei como a imprensa me tratou no Brasil. As pessoas têm que lutar pela democratização dos meios de comunicação, o que significa garantir que todas as pessoas tenham a mesma oportunidade de falar, o direito de responder. É uma luta muito difícil.
Página 12 – Se você ganhar as eleições, você acha que Bolsonaro pode não reconhecer seu estilo Trump diante da vitória de Biden?
Lula – Não, não creio. O que vai acontecer no Brasil é um golpe democrático: a grande maioria do povo brasileiro vai rejeitar o Bolsonaro e eleger um candidato progressista. Espero ser eu. O povo brasileiro lembra nosso legado. Estou convencido de que vamos vencer.
Página 12 – No México, Andrés Manuel López Obrador governa, na Argentina, Alberto Fernández, na Bolívia, Luis Arce; Gabriel Boric pode vencer no Chile. Você considera esta a segunda onda de governos progressistas na região?
Lula – Espero que sim, porque o melhor momento econômico, político e social da América Latina foi justamente quando Chile, Argentina, Brasil, Bolívia, Uruguai e Paraguai foram governados por políticos progressistas, presidentes preocupados com a situação do povo. Foi um momento forte de inclusão social. Por isso, incentivo os setores progressistas a se fortalecerem para governar nossas queridas América do Sul e América Latina. Acredito que os setores progressistas podem vencer no Chile, que temos muitas possibilidades no Brasil, que a vitória de Luis Arce foi uma vitória extraordinária da Bolívia, do Peru sob Castillo. As pessoas estão descobrindo que, mesmo com muitas dificuldades, setores progressistas governam com maior compromisso com os trabalhadores e os pobres. Acredito que a América Latina precisa de uma oportunidade para acabar com a pobreza. Somos ricos, temos matéria-prima, profissionais qualificados, temos muita terra e capacidade produtiva; a única coisa que explica isso é a incompetência de muitos líderes que não sabem governar para os pobres. Alberto Fernández recebeu a dívida da presidência de Macri e então o povo argentino terá que ser muito paciente. A pandemia fez o mesmo, mas acho que é possível que a economia argentina se recupere, que se criem empregos e melhores salários para que as pessoas sejam mais felizes.
Página 12 – É claro que você buscará a integração regional. Quais são suas expectativas com o Grupo Puebla?
Lula – O Grupo Puebla tem um papel muito importante, mas acho que se os líderes progressistas voltarem a governar nossos países, eles terão a chance de recuperar o Mercosul, de fortalecê-lo, de fortalecer o Celac. Temos que entender que temos um potencial produtivo extraordinário, por isso precisamos construir parceiros para fazer bons acordos com a União Européia, com os EUA, com a China, porque precisamos recuperar o que foi perdido em tempos de pandemia. Vou tentar reconstruir o Mercosul e criar as condições para que se cheguem a acordos econômicos que beneficiem os pobres da região, merecemos recuperar no século XXI tudo o que foi minado no século XX.
Página 12 – O senhor vê a vitória de Xiomara Castro em Honduras como uma reivindicação histórica, depois da solidariedade de seu governo ao presidente destituído Manuel Zelaya?
Lula – Zelaya foi vítima de um golpe de Estado e dos interesses da elite; a escolha agora de sua esposa é uma recuperação. Espero que ela tenha sorte, que ela seja forte; Espero que o Congresso esteja disposto a ajudá-la. Porque é muito difícil ter um congresso de oposição, que consegue a maioria para implementar as políticas sociais necessárias para fazer Honduras avançar. No Brasil, por outro lado, passamos por situações muito difíceis porque temos um genocídio que não cuidou da economia, negligenciou as pessoas na pandemia, não cuidou do crescimento econômico. O Brasil está passando por uma situação que achava que não voltaria a passar. O Brasil já era muito melhor, o povo brasileiro precisa ser feliz.
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