Novos crimes de responsabilidade cometidos por Jair Bolsonaro colocam instituições diante do dilema de punir ou não um criminoso
SÃO PAULO (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro provoca um "teste de estresse" para as instituições democráticas do Brasil com suas acusações sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro e deve levar essa narrativa até a eleição presidencial do ano que vem, na avaliação de analistas políticos ouvidos pela Reuters nesta sexta-feira.
Ao mesmo tempo, a insistência do presidente neste discurso de fraude mostra que tanto Bolsonaro quanto o governo que lidera estão acuados, apostando em uma retórica, como a adotada em transmissão nas redes sociais na noite de quinta, que na prática antecipa um eventual discurso de derrota eleitoral.
"De novo ele (Bolsonaro) antecipa esse processo eleitoral, fala que é possível haver o não reconhecimento do processo eleitoral, que é o maior desafio que uma democracia pode enfrentar", disse à Reuters Leonardo Barreto, cientista político e diretor da Vector Análise.
"Ele gera um teste de estresse institucional que vai até o processo eleitoral e tem, no pior cenário, o não reconhecimento de um resultado por um candidato que possa ter 30% dos votos. Acho isso um evento muito relevante para a estabilidade do processo político brasileiro", acrescentou.
Apesar de prometer que apresentaria provas de fraudes no sistema eletrônico de votação na transmissão que fez na quinta, Bolsonaro não só não as apresentou --afirmando com todas as letras que não tinha provas, mas "indícios"-- como também recorreu a alegações infundadas de irregularidades que já circularam no passado e já foram rechaçadas.
Ele também aproveitou para fazer uma série de ilações contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ao mencionar que contribuiu para a retomada dos direitos políticos pelo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e teria interesse em uma vitória do petista, em mais um ataque contra o Judiciário, que se tornou uma constante.
Na avaliação dos analistas ouvidos pela Reuters, Bolsonaro volta suas baterias contra o Supremo Tribunal Federal (STF) num momento em que conta com uma blindagem no Congresso Nacional, após apoiar a eleição de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara dos Deputados e de colocar o líder do centrão, senador Ciro Nogueira (PP-PI), no comando da Casa Civil.
Parece estar blindado também no front do Ministério Público, já tendo encaminhado ao Senado a indicação para recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem se posicionado a favor do presidente, para um novo mandato de dois anos.
"Hoje, o melhor custo para ele é atacar o Supremo", disse o professor e cientista político do Insper Carlos Melo. "Onde ele não tem blindagem? No Supremo. O Supremo não pede impeachment, o Supremo não abre inquérito, o Supremo não tem instrumentos para reagir contra o presidente da República como a Câmara tem e como a PGR tem... O Supremo contém a ação dos outros Poderes, mas ele não consegue agir contra", explicou.
"FILA DO OSSO"
Outro elemento importante apontado pelos analistas desta estratégia de Bolsonaro de centrar fogo no Judiciário, Poder que deu várias decisões que contrariaram os interesses e vontades do presidente, é gerar uma distração para a parte mais aguerrida do bolsonarismo tirando foco do apoio que buscou e conseguiu de figuras que criticava, como os parlamentares do centrão.
"Isso é uma tática manjada de um certo tipo de político, sempre ter um inimigo", disse Melo, que no entanto, avalia que a blindagem conquistada por Bolsonaro está longe de ser definitiva.
No caso de Aras, ela dependerá da postura que o procurador-geral adotará uma vez que tiver o segundo mandato assegurado, que pode ter de independência em relação aos interesses de Bolsonaro após ter sido preterido na escolha por uma vaga no STF. Já para os membros do centrão, dependerá da capacidade do governo de manter o fluxo de liberação de verbas para atender aos interesses políticos dos integrantes do grupo.
"Isso garante para Bolsonaro uma certa blindagem enquanto esses recursos estiverem sendo liberados. Depois que chegar na fila do osso, o centrão não fica na fila do osso", disse Melo. "Não tem político que acompanhe o outro até a sepultura e se jogue", acrescentou.
Ao mesmo tempo, o constante tensionamento promovido por Bolsonaro com o Judiciário e a busca por colocar em dúvida o sistema de votação mais de um ano antes do pleito --e diante da provável derrota e sua tentativa de implementar o voto impresso-- colocam uma sombra sobre a estabilidade política do país.
"É óbvio que Bolsonaro fará tudo que puder para permanecer no poder, inclusive levar a regra do jogo ao limite", disse à Reuters o consultor político e CEO da Dharma Politics, Creomar de Souza. "Parece que o presidente gostaria que um pouco de tumulto fosse criado. Se esse tumulto resultar numa vitória eleitoral, tanto melhor. Se esse tumulto resultar em uma permanência no poder, tanto melhor", disse.
Para Creomar, a grande questão é: que apoio terão membros do governo egressos das Forças Armadas e que têm feito declarações dúbias sobre o respeito às regras do jogo democrático num eventual episódio de grande instabilidade.
"Na hora do vamos ver, esses indivíduos terão o apoio daqueles que estão na ativa? De que lado os homens armados estarão?"
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