No contexto da Lava Jato, um trecho afirma: "O devido processo
legal constitucional é uma conquista democrática. É papel de todas as
instituições republicanas defenderem-no"
'Afirmar as conquistas democráticas'
Por
Carlos Lupi, presidente do PDT, Carlos Siqueira, presidente do PSB, Gleisi
Hoffmann, presidente do PT, Juliano Medeiros, presidente do PSOL e Luciana
Santos, presidente do PCdoB
No artigo 5º da Constituição Federal, a ordem jurídica
brasileira elencou um rol de direitos e garantias a todos os brasileiros. O
dispositivo garante a inviolabilidade à liberdade, à honra e à imagem das
pessoas, declara o direito ao devido processo legal, diz serem inadmissíveis as
provas obtidas por meios ilícitos e afirma, também, o princípio da presunção de
inocência.
Essas
garantias são conquistas civilizatórias. Não se confundem com um ritual
burocrático ou formalidade desprovida de eficácia concreta. Foram colocadas na
Carta por simbolizarem parte do arcabouço jurídico de índole superior no
processo da redemocratização do país.
Nesse contexto, a Operação Lava Jato, criada há quase sete anos
supostamente para investigar desvios de recursos públicos, pode ser vista sob
diversos aspectos: jurídico, institucional, político.
Desde março de 2014 o país lida com uma operação de investigação
criminal como uma espécie de reality
show. Sem qualquer rigor técnico-jurídico foram decretadas um sem-número de
conduções coercitivas sem que fosse feita intimação prévia, como determina o
artigo 218 do Código de Processo Penal brasileiro, vazamentos seletivos de
dados sigilosos, prisões preventivas sem fundamentação legal. Foram realizadas
coletivas para apresentar denúncias, assinados acordos de colaboração premiada
com réus presos, utilizadas delações sem provas. Julgamentos foram realizados
em tempo recorde, de acordo com o calendário político-eleitoral. Tudo isso em
uma ensaiada espetacularização.
A
forma das divulgações fez com que a operação parecesse sempre transitar entre
realidade e ficção, e seus membros, servidores públicos no exercício de suas
funções, fossem tratados como heróis.
A partir de junho de 2019, por meio da ação de um grupo de
hackers, o país teve acesso às conversas totalmente antirrepublicanas travadas
entre procuradores da força-tarefa e outros atores, sobretudo com o juiz que
conduzia os processos, Sergio Moro. A sociedade teve conhecimento de
informações estarrecedoras da ação de agentes de outros países em território
brasileiro, sem o aval das autoridades a quem caberia a autorização. Diálogos
mostram que todas as ações eram combinadas entre os procuradores e o juiz, a
quem chamavam de “Russo”, em evidente ultraje ao que é exigido pelo princípio
da imparcialidade.
O apelo ao discurso do combate à corrupção e críticas genéricas
ao sistema político alimentou o senso comum da antipolítica, intimidando qualquer
reação em favor da legalidade, e foi combustível para o crescimento de
discursos radicais à direita. Nas democracias representativas, os partidos
políticos são órgãos essenciais ao regime, com compromisso pela defesa da
concretização dos ideais de paz e tolerância, legalidade e justiça social.
O
devido processo legal constitucional é uma conquista democrática. É papel de
todas as instituições republicanas defenderem-no. O pacto fundamental que
possibilitou a Constituição de 1988 não pode ser aviltado, cabendo à Suprema
Corte do país tomar as providências para julgar os desvios de poder cometidos
pelos membros da Operação Lava Jato e reafirmar o pleno respeito aos direitos e
garantias inerentes à cidadania e à dignidade da pessoa humana. Todas as pessoas
merecem do Estado um processo justo.
O original foi publicado na Folha de
S.Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário