“Tenho
certeza que hoje, o juiz Moro e o procurador Dallagnol não têm um percentual da
paz que me habita. Eles são os culpados e sabem que sou inocente”, disse o
ex-presidente a um dos maiores jornais europeus. Lula também afirmou que
Bolsonaro é genocida
Por Nicolas Bourcier e Bruno Meyerfeld, no Le Monde - O cabelo ficou branco, a barba também. Mas a energia extraordinária ainda está lá. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 75, concedeu ao Le Monde uma entrevista, por videoconferência, dez dias após a anulação de suas condenações. O líder da esquerda brasileira fala de sua casa, localizada em São Bernardo do Campo, nos subúrbios de São Paulo, ali, justamente, onde começou sua carreira política, como dirigente sindical, durante as grandes greves operárias de Lula, dos anos 1970, que recuperou seus direitos políticos, está determinado a derrotar Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 e agora está considerando seriamente uma candidatura presidencial
veja mais...Você vai concorrer
às eleições presidenciais de 2022 contra Jair Bolsonaro?
É
difícil hoje dar uma resposta simples sim ou não. A decisão do juiz Edson
Fachin no início de março provou minha inocência, certamente com cinco anos de
atraso. Por anos, 210 milhões de brasileiros foram enganados, forçados a
acreditar nas mentiras do juiz Sergio Moro e dos promotores “Lava Jato”, que se
comportaram como verdadeiros gangsters. A verdade está hoje sobre a mesa,
público. Isso é tudo que eu queria. Então, você está me perguntando se eu vou
ser um candidato em 2022? Sinceramente, não sei! Eu tenho 75 anos Em 2022, na
época das eleições, terei 77. Se eu ainda estiver em grande forma, e for
estabelecido um consenso entre os partidos progressistas deste país para que eu
seja candidato, bem, não verei nenhum problema para estar! Mas eu já fui
candidato, já fui presidente e cumpri dois mandatos. Também posso apoiar alguém
em boa posição para vencer. O mais importante é não deixar Jair Bolsonaro
governar mais este país.
Como você vê a
situação do país hoje?
Comecei
na política nos anos 1970 e nunca vi meu povo sofrer como hoje. Pessoas
morrendo nos portões dos hospitais, a fome voltou. E, diante disso, temos um
presidente que prefere comprar armas de fogo ao invés de livros e vacinas. O
Brasil é chefiado por um presidente genocida. É realmente muito triste. O que o
povo quer é o que o Partido dos Trabalhadores lhes ofereceu no passado muito
recente: um salário, um emprego, vacinas, educação, crescimento. Acho que é
possível reconstruir um país mais humano. Quando eu estava no poder, o Brasil
tinha 4,5% de desemprego, um salário mínimo que aumentava a cada ano. Éramos
uma espécie de queridinhos, a sexta potência mundial. Eu brinquei com meus
colegas franceses e ingleses, dizendo-lhes: "Em breve, nós os
ultrapassaremos e ameaçaremos a Alemanha!" Tudo isso para dizer que o povo
brasileiro merece coisa melhor que o atual governo.
O PT perdeu 28% das prefeituras nas
últimas eleições municipais e o “anti-treinador” continua muito virulento no
país. Como você avalia o estado do seu “treinamento”?
O que vai
acontecer com o PT é o que aconteceu com o Paris Saint-Germain! No ano passado,
todos deram a ele o vencedor da Champions League e, finalmente, o clube perdeu.
Mas este ano, ele pode vencer (mesmo que o Bayern seja muito bom)! A política é
a mesma: ganhamos um golpe, perdemos um golpe! E não é porque perdemos uma eleição
que desaparecemos por tudo isso. Com você, François Mitterrand governou por
quatorze anos. Durante seu mandato, ele perdeu eleições. A esquerda desapareceu
por tudo isso? Claro que não. O PT é o partido com as melhores raízes na
sociedade brasileira. Continua a ser uma força política preponderante.
Você vai fazer uma aliança com os outros
partidos de esquerda, ou mesmo o centro e a direita?
Companheiro,
sou uma pessoa coerente! O PT, nas eleições presidenciais, sempre obtém pelo
menos 30% dos votos no primeiro turno. Mas a maioria é de 50%, mais um voto!
Então, obviamente, se o PT quer vencer, tem que se aliar. Lembro que venci em
2002, escolhi o José Alencar para vice-presidente. Um líder empresarial
trabalhador e honesto de um partido de centro-direita, que foi o melhor
vice-presidente que este planeta já conheceu! O PT conseguiu, portanto, formar
alianças no passado e vai fazê-lo no futuro. Mas aqui reafirmo algo: sempre
governei para todos os brasileiros. Já governei até mesmo para banqueiros e
líderes empresariais. Mas minha prioridade sempre serão os mais pobres, os
trabalhadores, os habitantes das periferias. Quem conseguir mais atenção e
recursos comigo, será o mais necessitado. Porque o dever do PT é permitir a
ascensão social dessa população e acabar com as desigualdades, em um país
marcado por 350 anos de escravidão.
Mais de dez anos
após sua saída do poder, a esquerda brasileira não parece ter produzido novos
líderes de sua estatura. Por quê?
Mais
uma vez farei uma comparação com o futebol! Quanto tempo levou para a França
produzir um Kylian Mbappé ou um Zidane? Muito tempo, não é! Política é a mesma
coisa. Demorou pelo menos um século para que as esquerdas europeias produzissem
um François Mitterrand ou um Willy Brandt. É longo! Mas lembro que o PT tem
várias figuras importantes, que podem muito bem ser candidatas às eleições
presidenciais. Este partido é produtor de talentos, desde a ex-presidente Dilma
Rousseff ao ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.
Você tem 75 anos e ficou muito tempo isolado
em casa no ano passado. Como você se sente física e psicologicamente?
Quando
saí da prisão federal, minha primeira viagem foi a Roma, uma entrevista com o
Papa Francisco para falar sobre uma campanha que lancei para combater as
desigualdades no mundo. Em seguida, vi representantes da sociedade civil e os
líderes com os quais tive contato. Acho que não é possível ver pessoas
acumulando milhões de dólares quando há centenas de milhões de pessoas que
dormem sem ter o suficiente para comer. Durante esta pandemia, o desemprego e a
fome aumentaram. Não é tolerável. De volta ao Brasil, no dia 12 de março, a
pandemia já estava lá. Eu estava confinado em minha casa. Ocorreu-me que o país
já havia se tornado o epicentro da epidemia. O que podemos dizer com 3.000 mortes
por dia? É responsabilidade do nosso governo. Vou, portanto, pegar o meu e me
dedicar ao gerenciamento desta crise. Então tomei uma dose da vacina. Em
quatorze dias terei um novo. Desde então, passo meus dias em reuniões em frente
à Internet de manhã à noite.
Nesta semana, o Brasil ultrapassou 280 mil
mortos. Se você fosse o chefe de estado, o que teria feito?
Quando
eu era presidente, houve a crise da gripe H1N1. Em três meses, vacinamos 83
milhões de pessoas. O Brasil, com seu sistema de saúde único, era um país com
expertise e know-how na área de imunização. Com a chegada de [Michel] Temer e
Bolsonaro, nosso sistema, que foi saudado por todo o mundo, foi destruído.
Com o
surgimento da Covid-19, um presidente que tivesse a noção do que significa governar
teria criado um comitê de crise. Ele teria chamado o ministro da Saúde e os
melhores cientistas do país. Esse comitê se reunia uma vez por semana e
divulgava as informações para a sociedade brasileira. Ele escolheria as medidas
a serem tomadas para todos. O que nosso governo fez? A primeira coisa que disse
foi que não acreditava na doença. Bolsonaro disse que era uma “gripezinha” e
que, sendo militar, não pegaria. Ele inventou a história da cloroquina. Ele
comprou milhões de doses de Donald Trump. Ele estava errado como uma criança
que vai comprar chupeta pode estar errada. Ele desperdiçou milhões comprando
este produto Covid-19 ineficaz. Hoje, ele continua a dizer que usar máscara é
um sinal de covardia e covardia. Bolsonaro é tão ignorante! Ele acredita que,
ao se recusar a admitir a gravidade da pandemia, a economia vai se recuperar
novamente. A única cura é vacinar o povo brasileiro.
E em outro lugar?
Desde o
início da pandemia, nem o G20 nem o G8 se encontraram para falar sobre o
assunto. É urgente! Apelo ao Presidente Emmanuel Macron: chame o G20. Ligue
para Joe Biden, Xi Jinping, Vladimir Putin e o resto! Estamos em guerra, é a
terceira guerra mundial e o inimigo é muito perigoso! A vacina não deveria ser
um produto de mercado como é hoje, mas se tornar um bem comum da humanidade.
Em sua última entrevista para a mídia
brasileira, você mencionou a pandemia e a economia. Por que tão pouco no meio
ambiente?
Hoje, a
primeira preocupação é o Covid-19. Lembro, porém, que quando chegamos ao poder,
em 2003, o desmatamento na Amazônia atingiu 27 mil km² (por ano). Baixamos esse
número para 4.000 km². Conseguimos reduzir os gases de efeito estufa em 69%.
Criamos 114 zonas de preservação ambiental, um instituto nacional de observação
espacial, o INPE, para controle de desmatamento e queimadas. Bolsonaro acabou
com este instituto porque não queria diminuir os incêndios...
Estou
ciente do que está acontecendo na Amazônia. Lembrem que tivemos a ministra
Marina Silva e o [geógrafo] Carlos Minc, pessoas envolvidas em todas as
questões ambientais.
Porém, você validou a barragem de Belo
Monte, pela qual tem sido muito criticado. Você tomaria a mesma decisão hoje?
Decidimos
fazer esta barragem porque somos para a energia hidrelétrica, a energia mais
limpa do mundo. Aqui, 80% da energia do Brasil é limpa. Belo Monte é uma
barragem a fio de água, ou seja, uma fábrica que não necessita de armazenamento
de água. Antes da construção, conversamos com os índios, os pastores, os
padres, os trabalhadores rurais, os moradores... Pedimos a opinião de todos.
Não foi uma decisão inequívoca do estado. Nunca no Brasil tomamos tantos
cuidados com um canteiro de obras.
O cantor Chico Buarque explica que uma
“cultura do ódio” se espalhou pelo Brasil. Você mesmo é o objeto de uma
detestação feroz. Como você vive isso?
O ódio
não é brasileiro. Se existe um povo amoroso e humanista neste planeta, é o povo
brasileiro. Mas essas pessoas foram bombardeadas nos últimos anos com discurso
de ódio e fanatismo que negou a política. Antes, se encontrássemos um
adversário político do Brasil em um restaurante, apertaríamos sua mão. Hoje,
corremos o risco de levar um tiro! Temos que desmontar tudo isso. A democracia
é exatamente o oposto: é civilidade, maturidade. Este país precisa de paz, não
de armas. É necessário porque 20% a 25% da população é tomada por esse
fanatismo. Mas as pessoas precisam de empregos, livros, investimentos em
cultura. É isso que temos que recuperar no Brasil. E o povo sabe que existe um
partido que é capaz de fazer isso: é o PT.
Você recebe muitas ameaças de morte. Você
tem medo por sua vida?
Não,
não estou com medo. Meu único medo é trair o povo brasileiro.
Você está preocupado com os procedimentos
legais que ainda estão por vir?
Estou
muito confiante, tranquilo. Tenho certeza que hoje, o juiz Moro e o procurador
[Deltan] Dallagnol [magistrado coordenador da operação “Lava Jato”] não têm um
percentual da paz que me habita. Eles são os culpados e sabem que sou inocente.
Eu dizia isso na prisão: a verdade vai vencer e está vencendo.
O que você prevê nas próximas semanas?
Eu
adoraria viajar pelo Brasil e pelo mundo. Gosto de política, a real, do contato
físico com as pessoas. Sabe, gosto de abraçar as pessoas, passar a mão em suas
cabeças, sentir aquela química com elas. Mas, por enquanto, você tem que ficar
em casa. O vírus está circulando ativamente, a prioridade não é transmiti-lo. A
prioridade é a vacinação e o combate à epidemia.
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