"Quando
a 'Lava Jato' surgiu, não estava claro, ao menos para mim como leigo, que excessos
estivessem sendo cometidos. Mas uma das coisas que procuro sempre fazer é
questionar as minhas próprias convicções", diz Felipe Neto, que faz
autocrítica por ter apoiado o golpe
Conjur - Felipe Neto Rodrigues Vieira, 33 anos, cresceu e
mudou. Um dos primeiros youtubers a fazer sucesso no país, tinha 22 anos
quando lançou seu canal. Agora, já empresário muito bem-sucedido, não só
circula pelo entretenimento. Está cada vez mais próximo das grandes causas.
O brasileiro de maior influência nas redes sociais, segundo lista do ano passado da revista norte-americana Time, tornou-se uma grande voz de oposição ao abusos autoritários do governo do presidente Jair Bolsonaro.
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Em
rápida entrevista à ConJur, falou de
sua mais nova empreitada, agora em defesa do Estado democrático de Direito.
Nesta quinta-feira (18/9), o influenciador digital lançou o "Cala a Boca
Já Morreu".
A ideia é oferecer
defesa gratuita a cidadãos que criticarem o governo, o presidente ou qualquer
autoridade pública. A pessoa que não possua advogado constituído pode contar
com o serviço, desde que não esteja protestando contra a Constituição, os
direitos humanos ou a democracia.
ConJur — Como surgiu a ideia de criar o
grupo "Cala Boca Já Morreu"? Quantos profissionais estão envolvidos?
Felipe Neto — Quando recebi
a intimação [revelada na última segunda-feira, 15/3, quando uma
viatura compareceu a sua casa para levar uma intimação a partir de uma denúncia
do vereador Carlos Bolsonaro, por ele ter chamado o pai-presidente de
"genocida"], só conseguia pensar em como aquilo poderia ser utilizado
para calar pessoas que não têm como se defender. A ação contra mim daria em
nada, como o próprio delegado e o Carlos Bolsonaro bem sabiam. Contudo, aquele
ato poderia colocar medo na população, nos jornalistas, nos professores. Então
decidi procurar os melhores advogados que conheço e perguntar se eles topariam
utilizar seus escritórios para defender todo mundo que sofresse essa tentativa
de silenciamento absurda que eu sofri. Eles toparam na hora. Atualmente temos
quatro escritórios principais e dezenas de voluntários que se colocaram à
disposição para auxiliar o movimento.
ConJur — Como será
feita a triagem dos casos? Quais parâmetros serão usados? Alguém filiado a um
partido político, por exemplo, poderá contar com o apoio do grupo?
Felipe Neto — O objetivo
do projeto é defender quem seja vítima de abusos de autoridades públicas no
âmbito de sua liberdade de expressão e de sua opinião política. Nossos
parâmetros não são partidários, são humanistas e democráticos. Não defenderemos
quem queira sustentar discursos de ódio, violência, golpes, ameaças ou rupturas
institucionais.
ConJur — Antes do governo do presidente
Jair Bolsonaro, o senhor já havia respondido a algum processo de caráter
político?
Felipe Neto — Jamais. Os
ataques a mim, com a utilização de uma rede enorme de seguidores e do aparato
do Estado, começaram no governo atual. Chegamos ao absurdo de um indiciamento
por corrupção de menores sem qualquer investigação feita e da tentativa, agora
suspensa pela Justiça, de me atribuir crime contra a segurança nacional — ações
realizadas, é bom lembrar, pelo mesmo delegado.
ConJur — Governo e oposição têm usado e
abusado da Lei de Segurança Nacional, um entulho jurídico da ditadura. O senhor
tem alguma opinião formada sobre o tema?
Felipe Neto — Sim, minha
opinião é a de que essa lei precisa ser revogada ou declarada inconstitucional
pelo STF o mais rápido possível. Foi promulgada em um período de exceção, sob o
manto de uma ditadura e com seus valores. A lei não reflete o que temos hoje de
valores fundamentais na Constituição e na sociedade. Crimes como incitação ao
ódio, incitação à violência ou defesa de rupturas institucionais podem e devem
ser apurados e punidos por outras leis no país, que não reflitam um caráter
autoritário dos poderes da República. Reconhecer a inconstitucionalidade da Lei
de Segurança Nacional é impedir abusos de autoridades que queiram flertar com o
autoritarismo da limitação da liberdade de expressão, de opinião e de imprensa
no país.
ConJur —
Encontra-se para sanção presidencial um projeto de lei que revoga o artigo 65
da Lei de Contravenções Penais e cria no Código Penal o crime de perseguição,
ato conhecido como stalking.
Basicamente penaliza quem perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio,
ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringido-lhe a capacidade
de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de
liberdade ou privacidade. O que acha da proposta?
Felipe Neto — Acho que
temos duas situações distintas aqui. Uma, que acredito que deva ser tratada com
rigor pelo Código Penal, é a perseguição feita por muitos homens às suas
esposas, parceiras, namoradas e mulheres em geral. Essa situação é gravíssima
e, na minha opinião, demanda resposta severa da lei penal.
Outra
situação que me parece poder ser abrangida é o cancelamento virtual. Acho que,
nesse aspecto, a lei penal não deveria ser utilizada. Me parece muito mais
importante, até para não abrirmos espaço para restrições indevidas à liberdade
de expressão, conscientizarmos a população sobre o correto uso das redes
sociais e demais plataformas. Evidentemente, isso não exclui a necessidade de
que as pessoas que usarem as redes para caluniar, difamar ou injuriar alguém
sejam responsabilizadas pelos crimes que o Código Penal já prevê.
ConJur — Sua
opinião sobre a "lava jato" mudou? O senhor acredita que os excessos
da força-tarefa contribuíram para que a Justiça fosse usada como ferramenta
política?
Felipe Neto — Eu, como
milhões de brasileiros, estou cansado de corrupção e desvio de dinheiro
público. Quando a "lava jato" surgiu, não estava claro, ao menos para
mim como leigo, que excessos estivessem sendo cometidos. Mas uma das coisas que
procuro sempre fazer é questionar as minhas próprias convicções. Todos nós
erramos e acertamos ao longo da vida. E o tempo parece estar mostrando que,
movida por uma causa nobre — combate à corrupção —, a "lava jato"
acabou atropelando direitos e garantias que, hoje compreendo, não são apenas
dos acusados, mas da sociedade em geral.
ConJur — O senhor acha que o ex-juiz e
ex-ministro Sergio Moro foi parcial ou imparcial nos casos envolvendo o
ex-presidente Lula?
Felipe Neto — Eu só posso
dar o meu sentimento pessoal. Para mim, quando ele foi integrar o governo
Bolsonaro, acabou ficando evidente a existência de interesse político.
Obviamente, eu não tenho como saber se isso interferiu na atuação dele como
juiz, mas as mensagens que vieram a público recentemente parecem indicar isso.
Mas, como eu disse, não cabe a mim responder isso, mas ao Supremo Tribunal
Federal.
Assista abaixo para saber mais sobre o projeto.
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