Levando
em conta o comportamento dos presidentes do Congresso em relação ao presidente
Jair Bolsonaro, a Sputnik Brasil ouviu duas cientistas políticas sobre a força
dessa aliança em um momento em que se discute a volta de uma polarização na
política brasileira
Sputnik - Os presidentes da Câmara dos Deputados e do
Senado, eleitos com o apoio de Jair Bolsonaro, vêm fazendo declarações fortes
quanto às ações do governo federal durante a pandemia.
Arthur Lira,
presidente da Câmara, em carta ao embaixador chinês, reafirmou os compromissos
do governo brasileiro com a China, frisando que o Brasil não é apenas o
Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário, em referência aos ataques
feitos àquele país por Bolsonaro e pessoas próximas. Além disso, junto com o
senador Rodrigo Pacheco, enviou um ofício pedindo dados ao ministro da Saúde,
Eduardo Pazuello, sobre a vacinação, para adoção de 'providências cabíveis'.
Pelas
atitudes que os dois vêm demonstrando até aqui, Lira e Pacheco se mostram mais
como governistas, como independentes ou como oposição? Para tentar responder a
essa pergunta, a Sputnik Brasil ouviu duas especialistas sobre o assunto.
Lira e Pacheco
olham para cenário de mais possibilidades
Para
a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (Unirio), há aspectos que são da singularidade de cada
um desses políticos, há aspectos que são históricos no Brasil e há aspectos que
também são conjunturais.
Em
entrevista à Sputnik Brasil, ela destaca que o deputado Lira é uma pessoa que é
conhecida por ter um trânsito muito amplo da esquerda para a direita ou do
centro para a direita, tendo um diálogo mais aberto e mais articulado com os
diversos setores.
"Isso permite
que ele faça negociações e componha com diferentes quadros do parlamento, e do
Executivo, inclusive, conforme a conveniência. Isso, portanto, é uma
singularidade dele".
Algo
que é histórico nesse aspecto, a especialista afirma, é que "ainda que a
gente sinta que está distante das eleições, para essas figuras públicas, esses
quadros políticos — que são parte, são figuras que representam a forma de fazer
política no Brasil, que é uma forma bastante pragmática e mercantil, as eleições
—, as eleições já estão bem perto."
"Eles
precisam preservar neste momento uma certa liberdade e uma certa maleabilidade,
porque precisam deixar abertas possibilidades de negociação nesse espectro mais
amplo, de esquerda, centro e direita. Então, isso é uma marca também histórica
de um país cuja democracia é uma democracia restrita a representação e ao
voto."
Em termos
conjunturais, a cientista política se debruça sobre uma recente declaração do
presidente da Câmara em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
teve suas condenações no âmbito da operação Lava Jato anuladas nesta semana
pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao tomar
conhecimento dessa decisão, Lira disse que Lula poderia "até merecer"
esse desfecho, que, na prática, o deixa apto a concorrer novamente à
presidência da República em 2022.
A
questão, segundo a pesquisadora, é se "a partir do momento em que Lula se
torna elegível", Lira, em especial, "vislumbra a possibilidade de um
giro para a centro-esquerda, esquerda mais liberal, uma esquerda reformista,
como é o perfil do Lula".
"E,
sim, claro, o Lula, dada a conjuntura do Brasil, hoje, representa aí um aspecto
de mais incerteza em relação ao futuro do país. E uma incerteza que é bem vinda
em um contexto em que a ausência de esperança estava certa. Era algo certo e
dado. Então, diante de uma certeza infeliz, uma incerteza é recebida com muita
alegria e muita felicidade. E, sem dúvida nenhuma, Lira e Pacheco olham o
cenário político, como muitos outros políticos, como um cenário que também
apresenta mais possibilidades. E, tendo mais possibilidades, a movimentação
também se amplia."
“Polarização é uma falácia”
O
impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, deixa na memória a
fragilidade de toda coalizão que é estabelecida com aliados frágeis, que não
têm uma adesão propriamente ideológica a um projeto, afirma, em entrevista à
Sputnik Brasil, a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo
a acadêmica, esse modelo, que foi muito utilizado na gestão do ex-deputado
Eduardo Cunha na presidência da Câmara, foi reeditado por Arthur Lira.
"É
sabido que esse tipo de padrão de articulação é sempre instável. Então, a
governabilidade, o apoio ao governo é sempre custoso e condicional, não é algo
que possa ser tido como garantido", afirma.
De
novo, o que se tem, de acordo com Goulart, é uma insatisfação crescente entre
vários membros do Centrão, sobretudo lideranças evangélicas, com o atraso na
vacinação da população brasileira e com o modo de condução da pandemia pelo
governo. Isso, conforme ela pontua, está afetando as dinâmicas de cada uma
dessas lideranças em suas bases eleitorais em particular.
Com
esse apoio custoso, se tem, por exemplo, uma pressão pela queda do ministro da
Saúde, Eduardo Pazuello, deixando Bolsonaro sem saber o que fazer. Pois, ao
ceder, isso poderia parecer um "mea culpa" diante das acusações de
genocídio que enfrenta.
"Essa
é a forma pela qual eu leio essa movimentação dos presidentes das Casas de
pedir esclarecimentos diretamente ao Ministério da Saúde e ao presidente sobre
a forma de conduzir a pandemia", sublinha a professora.
Para a
especialista, há atualmente uma conjuntura favorável a mudanças. E isso se deve
em parte ao retorno do ex-presidente Lula às discussões de possíveis candidatos
para concorrer à presidência nas próximas eleições.
Ao
contrário de algumas opiniões mais generalistas, Goulart não acha cabível
comparar Lula e Bolsonaro como duas faces de uma mesma moeda, dado que, em sua
avaliação, o Partido dos Trabalhadores nunca esteve, enquanto no governo, em um
espectro de extremo.
"Em
1989, tudo bem. Mas, desde 2002, sempre foi centro-esquerda. E o bolsonarismo é
de extrema-direita. Então, essa polarização é uma falácia."
No
entendimento da cientista política, nessa disputa entre Bolsonaro e Lula, foi
muito significativa a recente declaração dada pelo atual presidente ao saber da
anulação das condenações do petista, quando ele destacou a reação negativa do mercado
à volta de Lula à política.
"Eu
acho essa fala muito representativa porque, na minha interpretação, o grande
fiador do bolsonarismo é o mercado, é o fato de o mercado achar que ele é um
mal menor. E todas as sinalizações dele sempre respeitam o mercado, no sentido
de que ele teme perder esse que é o seu sustentáculo principal."
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