quinta-feira, 11 de março de 2021

Com Lula em campo, surge novo debate: presidentes da Câmara e do Senado podem se afastar de Bolsonaro?

 

Levando em conta o comportamento dos presidentes do Congresso em relação ao presidente Jair Bolsonaro, a Sputnik Brasil ouviu duas cientistas políticas sobre a força dessa aliança em um momento em que se discute a volta de uma polarização na política brasileira

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, novos presidentes da Câmara e do Senado (Foto: Divulgação)

Sputnik - Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, eleitos com o apoio de Jair Bolsonaro, vêm fazendo declarações fortes quanto às ações do governo federal durante a pandemia.

Arthur Lira, presidente da Câmara, em carta ao embaixador chinês, reafirmou os compromissos do governo brasileiro com a China, frisando que o Brasil não é apenas o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário, em referência aos ataques feitos àquele país por Bolsonaro e pessoas próximas. Além disso, junto com o senador Rodrigo Pacheco, enviou um ofício pedindo dados ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre a vacinação, para adoção de 'providências cabíveis'.

Pelas atitudes que os dois vêm demonstrando até aqui, Lira e Pacheco se mostram mais como governistas, como independentes ou como oposição? Para tentar responder a essa pergunta, a Sputnik Brasil ouviu duas especialistas sobre o assunto. 

Lira e Pacheco olham para cenário de mais possibilidades

​​Para a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), há aspectos que são da singularidade de cada um desses políticos, há aspectos que são históricos no Brasil e há aspectos que também são conjunturais.

Em entrevista à Sputnik Brasil, ela destaca que o deputado Lira é uma pessoa que é conhecida por ter um trânsito muito amplo da esquerda para a direita ou do centro para a direita, tendo um diálogo mais aberto e mais articulado com os diversos setores.

"Isso permite que ele faça negociações e componha com diferentes quadros do parlamento, e do Executivo, inclusive, conforme a conveniência. Isso, portanto, é uma singularidade dele".

Algo que é histórico nesse aspecto, a especialista afirma, é que "ainda que a gente sinta que está distante das eleições, para essas figuras públicas, esses quadros políticos — que são parte, são figuras que representam a forma de fazer política no Brasil, que é uma forma bastante pragmática e mercantil, as eleições —, as eleições já estão bem perto."

"Eles precisam preservar neste momento uma certa liberdade e uma certa maleabilidade, porque precisam deixar abertas possibilidades de negociação nesse espectro mais amplo, de esquerda, centro e direita. Então, isso é uma marca também histórica de um país cuja democracia é uma democracia restrita a representação e ao voto."

Em termos conjunturais, a cientista política se debruça sobre uma recente declaração do presidente da Câmara em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve suas condenações no âmbito da operação Lava Jato anuladas nesta semana pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao tomar conhecimento dessa decisão, Lira disse que Lula poderia "até merecer" esse desfecho, que, na prática, o deixa apto a concorrer novamente à presidência da República em 2022. 

​A questão, segundo a pesquisadora, é se "a partir do momento em que Lula se torna elegível", Lira, em especial, "vislumbra a possibilidade de um giro para a centro-esquerda, esquerda mais liberal, uma esquerda reformista, como é o perfil do Lula".

"E, sim, claro, o Lula, dada a conjuntura do Brasil, hoje, representa aí um aspecto de mais incerteza em relação ao futuro do país. E uma incerteza que é bem vinda em um contexto em que a ausência de esperança estava certa. Era algo certo e dado. Então, diante de uma certeza infeliz, uma incerteza é recebida com muita alegria e muita felicidade. E, sem dúvida nenhuma, Lira e Pacheco olham o cenário político, como muitos outros políticos, como um cenário que também apresenta mais possibilidades. E, tendo mais possibilidades, a movimentação também se amplia." 

“Polarização é uma falácia”

O impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, deixa na memória a fragilidade de toda coalizão que é estabelecida com aliados frágeis, que não têm uma adesão propriamente ideológica a um projeto, afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Segundo a acadêmica, esse modelo, que foi muito utilizado na gestão do ex-deputado Eduardo Cunha na presidência da Câmara, foi reeditado por Arthur Lira.

"É sabido que esse tipo de padrão de articulação é sempre instável. Então, a governabilidade, o apoio ao governo é sempre custoso e condicional, não é algo que possa ser tido como garantido", afirma. 

De novo, o que se tem, de acordo com Goulart, é uma insatisfação crescente entre vários membros do Centrão, sobretudo lideranças evangélicas, com o atraso na vacinação da população brasileira e com o modo de condução da pandemia pelo governo. Isso, conforme ela pontua, está afetando as dinâmicas de cada uma dessas lideranças em suas bases eleitorais em particular. 

Com esse apoio custoso, se tem, por exemplo, uma pressão pela queda do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deixando Bolsonaro sem saber o que fazer. Pois, ao ceder, isso poderia parecer um "mea culpa" diante das acusações de genocídio que enfrenta. 

"Essa é a forma pela qual eu leio essa movimentação dos presidentes das Casas de pedir esclarecimentos diretamente ao Ministério da Saúde e ao presidente sobre a forma de conduzir a pandemia", sublinha a professora.  

Para a especialista, há atualmente uma conjuntura favorável a mudanças. E isso se deve em parte ao retorno do ex-presidente Lula às discussões de possíveis candidatos para concorrer à presidência nas próximas eleições. 

​Ao contrário de algumas opiniões mais generalistas, Goulart não acha cabível comparar Lula e Bolsonaro como duas faces de uma mesma moeda, dado que, em sua avaliação, o Partido dos Trabalhadores nunca esteve, enquanto no governo, em um espectro de extremo. 

"Em 1989, tudo bem. Mas, desde 2002, sempre foi centro-esquerda. E o bolsonarismo é de extrema-direita. Então, essa polarização é uma falácia." 

No entendimento da cientista política, nessa disputa entre Bolsonaro e Lula, foi muito significativa a recente declaração dada pelo atual presidente ao saber da anulação das condenações do petista, quando ele destacou a reação negativa do mercado à volta de Lula à política.

"Eu acho essa fala muito representativa porque, na minha interpretação, o grande fiador do bolsonarismo é o mercado, é o fato de o mercado achar que ele é um mal menor. E todas as sinalizações dele sempre respeitam o mercado, no sentido de que ele teme perder esse que é o seu sustentáculo principal." 

 

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