Destruição
de fauna e flora e a violação do direito dos indígenas à vida são crimes que
justificam o impeachment de Bolsonaro, afirma o advogado e coordenador da
Assessoria Jurídica da Apib, Luiz Henrique Eloy Amado, da etnia Terena
Cláudia Motta, Rede
Brasil Atual - A situação dos brasileiros é ruim sob o governo
Jair Bolsonaro. Desemprego em alta, economia em crise, descaso com a pandemia
do novo coronavírus, recordes de mortes, falta de perspectiva. Mas para os
cerca de 900 mil indígenas das 305 etnias do Brasil (Censo IBGE 2010) é ainda
mais cruel. Desde a eleição de 2018, essas comunidades têm sido alvos de
ataques a direitos, de invasões violentas de suas terras e de crimes que expõem
esses povos ao genocídio. A demarcação de terras também foi interrompida –
único meio de sobrevivência física e cultural para os indígenas.
Soma-se a essas
ameaças o abandono do governo federal diante dos perigos da covid-19. De acordo
com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a taxa de mortalidade
entre indígenas é o dobro da registrada para o resto da população brasileira. O
site da instituição mantém dados atualizados sobre a incidência da covid-19
sobre os povos indígenas. Em 20 de janeiro, havia 46.190 casos confirmados,
atingindo 161 povos e levando à morte 927 indígenas. E segundo estudo da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a taxa de 48% de mortes em pacientes indígenas
internados pelo coronavírus é a maior do país. A mortalidade supera as
populações parda (40%), negra (36%), amarela (34%) e branca (28%).
Essa
situação levou a Apib a ingressar com uma Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental (a ADPF 709) contra o governo Bolsonaro. A ação foi acolhida pelo
Supremo Tribunal Federal em agosto de 2020. Assim, o STF determinou que o
governo federal adote medidas de proteção aos povos indígenas durante a
pandemia. O responsável pela foi o advogado Luiz Henrique Eloy Amado, da etnia
Terena. Coordenador da Assessoria Jurídica da Apib, Terena é mais um jurista a
defender o impeachment de Jair Bolsonaro.
Violações de
Bolsonaro
Doutor
pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pós-doutor
pela Escola de Autos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS), França,
Terena afirma que 1.459 pessoas e organizações assinaram pedidos de impeachment
do presidente Jair Bolsonaro até meados de agosto. As principais razões são as
violações aos direitos humanos; violação de princípios de moralidade
administrativa na condução da pandemia; participação em atos antidemocráticos
pró-ditadura e em defesa do fechamento do STF. Também os prejuízos causados aos
beneficiários do auxílio emergencial em virtude da restrição de parcelas;
tentativa de golpe de Estado; atentado à soberania nacional; crimes contra o
meio ambiente e os povos indígenas e tradicionais, dentre outros.
Os
povos indígenas, ressalta ele, vivem em situação crítica sob Bolsonaro. “E à
mercê das violações em demasia do atual presidente e seu governo, que vem
negando atendimento aos indígenas que estão em áreas ainda não reconhecidas
formalmente pelo governo (não homologadas).” De acordo com o IBGE, as
localidades indígenas estão distribuídas em 827 municípios – desse total, 632
são terras oficialmente delimitadas. Há ainda 5.494 agrupamentos indígenas,
4.648 dentro de terras indígenas e 846 fora desses territórios.
Bolsonaro
e seus ministros não estariam respeitando a decisão do STF de proteger os
indígenas durante a pandemia. Tampouco o cumprimento de um plano de
enfrentamento à covid-19 junto a esses povos.
Perseguição
histórica a indígenas
Eloy
Terena diz que o relatório de violência do Cimi, de 2020, registrou casos de
racismo e discriminação étnico culturais. “As expressões de racismo
manifestam-se por diversos meios, especialmente os virtuais, e alimentam
hostilidades de populações das cidades, de vizinhos, de professores nas escolas
oficiais”, descreve. “O fundamento mais profundo parece ser a negação dos
direitos indígenas, sobretudo o direito à terra, à preservação do habitat
próprio de cada Terra Indígena e do modo de vida tradicional.”
O
jurista considera interessante notar que tanto para diversas autoridades quanto
para ladrões de madeira e de outros recursos naturais as ideias são as mesmas.
“Indígenas não prestam, são indolentes e malandros e querem criar Estados
independentes. Fruto de preconceitos arcaicos, o racismo está ancorado na falta
de respeito e na ignorância sobre a diversidade cultural brasileira e sobre a
possibilidade de haver modos de vida baseados em sólidos conhecimentos que
priorizam o bem-viver de todos”, diz Terena.
“Sob a
égide do ódio, as estruturas governamentais sustentam-se ao bel prazer da
perseguição histórica aos povos originários e pela tentativa do roubo das
narrativas desde a colonização.”
O Conselho
Indigenista Missionário (Cimi) aponta ainda que, ao anunciar o início do plano
de vacinação, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, referiu-se apenas aos
‘indígenas aldeados”. O termo “remete ao período da ditadura militar e
representa uma discriminação”, como afirma o Conselho, em nota. E, para o
pesquisador Gercídio Valeriano, da Articulação Nacional de Indígenas em
Contextos Urbanos e Migrantes, também é razão para um impeachment de Bolsonaro.
Ocupação ilegal e violência contra indígenas
O
jurista Eloy Terena fala ainda sobre a preocupação com a ocupação ilegal das
áreas indígenas. Segundo o advogado, o governo Bolsonaro está facilitando a
legalização desse tipo de ocupação ilegal. E cita a Instrução Normativa número
9, publicada pela Funai de Bolsonaro em 22 de abril do ano passado. Nela, a
Funai passa a considerar passível de emissão de Declaração de Reconhecimento de
Limites (documento que atesta que a propriedade não incide em Terra Indígena
(TI) toda posse (sem escritura) ou propriedade que não incida apenas sobre
Terra Indígena Homologada; Reserva Indígena; Terras Indígenas Dominiais. “Ou
seja, libera para a compra, venda e ocupação todas as Terras Indígenas em
estudo, as Terras Indígenas delimitadas pela Funai e as Terras Indígenas declaradas
pelo Ministério da Justiça, além das áreas sob portarias de restrição de uso”,
explica.
Essa
postura mais agressiva do governo Bolsonaro teve consequências perversas para
as populações indígenas em seus territórios, conta o advogado. “No Mato Grosso
do Sul, estado com o maior número de casos, um trator adaptado foi utilizado
por fazendeiros em graves ataques contra comunidades indígenas. Segundo os
moradores da TI Dourados, o trator possuía uma perfuração na lateral, através
da qual eram disparados tiros em todas as direções. Na denúncia feita pelos
indígenas, as investidas contra os Guarani-Kaiowá ocorriam sempre entre as 23h
e as 4h.”
O jurista lembra
também do “caveirão rural”, assim apelidado pelos indígenas, para retratar o
nível das violências e violações a que os povos indígenas estão submetidos no
Brasil. “O caveirão é um trator blindado, utilizado por fazendeiros do Mato
Grosso do Sul para atacar indígenas Guarani e Kaiowá em retomadas próximas à
Reserva de Dourados.”
Desmatamento
e mineração
Dados
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam para um aumento de
30% do desmatamento na Amazônia Legal em 2019 em relação a 2018, atingindo os
estados de Roraima, Acre, Amazonas e Pará. As treze Terras Indígenas mais
desmatadas, destaca Eloy Terena, foram: Ituna/Itatá, Apyterewa, Cachoeira,
Trincheira Bacajá, Kayapó, Munduruku; Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Manoki,
Yanomami, Menkü, Zoró e Sete de Setembro.
“Sem
dúvidas o ataque à fauna e à flora já seria motivo para sustentar e engajar um
pedido de impeachment, haja vista que o papel do Executivo é justamente o
contrário de tudo o que tem sido feito por Bolsonaro”, sentencia Terena.
De
acordo com o jurista, as Terras Indígenas ocupam 13% do território nacional,
98% delas ficam na Amazônia Legal e um terço dessas terras é alvo de cobiça das
mineradoras. “Ao todo, existem 4.777 processos incidentes em Territórios
Indígenas na Amazônia Legal. Só no Pará registraram-se 2.357 títulos minerários
concedidos pelo poder público, abrangendo desde autorizações de pesquisa a
concessões de lavra”, critica Eloy Terena.
“Alguns territórios como as Terras indígenas Sawré Muybu,
Xikrin do Rio Caeté, Kayapó e Arara têm sua área praticamente coberta por
interesses minerários. O território mais afetado é o dos Yanomami, onde algumas
aldeias já contam com cerca de 92% das pessoas contaminadas por mercúrio, usado
na mineração de ouro”, conta. “Ademais, cerca de 56 TIs têm mais de 60% de sua
área requerida por processos. Em áreas indígenas menores, esses processos
ocupam facilmente mais de dois terços de seus territórios e oito terras
indígenas terão mais de 90% de sua área comprometida. Além da mineração, outra
ameaça são os projetos de hidrelétricas nas terras indígenas, que estão sendo
implementadas sem consulta e consentimento prévio, livre e informado, conforme
dispõe a Convenção 169 da OIT.”
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