Candidato
derrotado do Psol em São Paulo participou de live com Manuela D'Ávila, que
também perdeu em Porto Alegre, em que ambos fizeram um balanço da disputa em
2020
Por Cláudia Motta, para a Rede Brasil Atual – Uma live alegre, instigante, animadora e curta foi
protagonizada na noite de hoje (2) por duas das principais lideranças políticas
do campo da esquerda no Brasil. E que saíram fortalecidas das eleições de 2020,
apesar de terem perdido as prefeituras de Porto Alegre e de São Paulo. Manuela
D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (Psol) se encontraram virtualmente para
debater o resultado dos pleitos municipais e o futuro. Durante 37 minutos os
dois jovens candidatos falaram sobre a revolução que promoveram nos últimos
dois meses com suas campanhas eleitorais criativas, respeitosas, que
mobilizaram milhões de cidadãos em duas das maiores capitais do Brasil.
“Nossas campanhas, (e também) a campanha da Marília (Arraes),
lá em Recife, tiveram uma coisa muito boa em comum. Mobilizaram muita
esperança. A gente apresentou projetos de cidade críticos, de combate à
desigualdade, de dar voz à periferia. Mas a gente mobilizou uma coisa que foi
muito além da eleição, que não terminou domingo passado, e que não terminaria,
independente de qual fosse o resultado. Que é o sentimento da juventude de olho
brilhando…”, disse Boulos. “O sonho”, emendou a jornalista e deputada federal.
“Voltar a fazer política com sonho”, completou o líder do Movimento dos
Trabalhadores sem Teto (MTST).
Sonho real
Em um
bate-papo informal, eles falaram sobre projetos, unidade e, principalmente,
sobre os sentimentos que ambas as campanhas despertaram nas pessoas. “E o
quanto isso é importante para nossa cidade e nosso país”, disse Boulos, que
segue isolado em casa, em quarentena, após ter testado positivo para covid-19
às vésperas da votação em segundo turno.
“Quando tudo
acabou, fiquei pensando: com quem gostaria de falar sobre o que eu vivi? E aí
te mandei a mensagem e te convidei pra live. Queria falar com alguém que está
com a mesma sensação que eu, que é uma sensação bonita”, relatou a jovem
porto-alegrense. “Isso de a gente ver as pessoas com orgulho, carregando a
bandeira, chorarem de felicidade, as mulheres, os negros e as negras, os jovens.
E de conseguir compreender a dimensão real do seu sonho.”
Para
Manuela, a eleição municipal permite isso. Menos abstrata, menos difusa, traz
muito sonho, mas um sonho materializável. “A juventude, essa geração que é um
pouco mais nova que a gente – porque o Boulos se faz de muito mais novo que eu,
mas é só uns meses mais novo (risos) – tem mais presente isso do que a nossa
tinha. A ideia de quem quer mudar o mundo, mas quer ver a mudança acontecer na
sua cidade. Eles querem mudar hoje e ver acontecendo. Acho que nossas campanhas
tiveram muito a ver com isso também.”
Ideais no poder
Boulos concorda
com Manuela. “Quanto a gente está falando de eleição, está falando de sonhos e
ideias disputarem o poder. Isso é muito potente. A política faz sentido quando
ela é uma forma de fazer fluir aquilo que a gente acredita, que a gente sonha.”
O candidato
do Psol descreve sua animação com a campanha. Além do pragmatismo, diz ele, foi
uma campanha para ganhar, disputar o poder para valer, o projeto de cidade. E
cita a vitória de Edmilson Rodrigues (Psol), em Belém do Pará, onde ele
acredita que haverá uma referência de capital democrática. E numa frente de
esquerda unitária, desde o início, frisa Manuela. “Mas o que me aninou, ainda
que não seja dessa vez que a gente consiga ganhar essa eleição, a gente ganhou
o projeto de uma geração. Isso vale mais que tudo”, diz Boulos falando sobre a
mobilização dos jovens. “Uma parte que há dois anos estava um pouco seduzida
pela ideia da anti-política. Eu vi esses jovens aqui em São Paulo com o olho
brilhando, pensando cidade, pensando projeto, pensando futuro. Isso acumulou
para depois e vai muito além da eleição que se encerrou domingo passado.
Reencantou uma geração.”
Campanhas alegres
Manuela
lembra que nos dois casos, tanto a candidatura dela como a de Boulos só no
segundo turno reuniu “todo mundo” do campo da esquerda. “Mas tenho a impressão
que essa é uma geração que já sente no projeto a identidade de campo.
Isso fez com que nossas candidaturas fossem além dos nossos partidos.
Tivessem esse sentido de projeto de transformação na sociedade.”
Outro
ponto em comum entre as duas campanhas foi destacado por Manuela: “serem
megapolitizadas e divertidas”, descreveu. “Isso era crime uns anos atrás.
Alguém achar que podia fazer uma campanha alegre, com felicidade, com
brincadeiras. Essa dimensão do lúdico entrar de novo na política.”
Boulos
relembrou. “Nunca imaginei que faria dança no TikTok”, disse, gargalhando. “Eu
ri mais ainda contigo jogando com o Felipe (Neto, youtuber). Quando eu te vi,
busquei aula com minha sobrinha para não pagar o mesmo mico, ficar com cara de
não estou nem sabendo o que é”, provocou Manuela. “Eu tive assessoria da Sofia
e da Laura (filhas de Boulos). Se não, ia ser um negócio absolutamente
vergonhoso. Mas fiquei um pouquinho com essa cara, confesso”, assumiu Boulos.
Fake venceu
Mas nem
só de bom humor se alimentou a live. As fake news de que foram vítimas tanto
Guilherme Boulos quanto Manuela D’Ávila e outros tantos candidatos, e
principalmente candidatas do campo da esquerda Brasil afora, foram lamentadas
por ambos. “Foi um tema que a gente não conseguiu vencer nesta eleição. Nem na
de 2018. Acho que já tem um avanço porque as pessoas sabem que existe” disse a
candidata do PCdoB. Em Porto Alegre, estima-se, foram veiculadas 600 mil
notícias falsas contra ela.
Boulos
citou uma pesquisa eleitoral inventada na capital gaúcha. “Isso foi mais feio
porque saiu da Bandeirantes. Uma emissora legitimou a notícia falsa”, criticou
Manuela. “E com a crise, muita gente deixou de ter internet. Então eles fizeram
as fake news circular em caminhões de som. Tu não tem ideia da minha cara
quando passo por um caminhão de som dizendo que seu eu fosse prefeita ia ter
carne de cachorro em Porto Alegre legalizada, que a gente ia derrubar as
igrejas, ia transformar todos os banheiros em unissex.”
Boulos
lembrou que em São Paulo as fake news foram delimitadas em dois tipos. No
primeiro turno, com o gabinete do ódio batendo na sua trajetória política.
“Tive mais tempo de TV com direito de resposta do Russomano que meu próprio
tempo, tantas as mentiras que ele jogou”, lembrou. “Não surtiu efeito. Tive o
dobro de votos dele no primeiro turno. O bolsonarismo a gente conseguiu
derrotar em São Paulo. E dizer que Doria foi o vitorioso na eleição de São
Paulo também é mentira. Para ganhar, Covas escondeu o cara a sete chaves”,
comparou. “No segundo turno, a máquina dos tucanos fez a estrutura”, disse,
lembrando mentiras veiculadas junto às creches conveniadas, a distribuição de
cesta básica pela campanha de Covas.
Erundina inspira
Os
candidatos consideram que há uma tendência política, um renascer. “Claro que
ainda tem muito medo, muito ódio, o bolsonarismo não está morto. Mas o nível de
reação foi outra eleição”, disse Boulos, comparando com as eleições de 2018.
“Política a gente não lê só pelo resultado da urna, na fotografia daquele
momento. É um filme. E o filme mostra o crescimento do nosso campo. O resultado
da urna não foi o fim, está mais para um recomeço do que a gente vai viver
adiante.”
Manuela
lembrou que em Porto Alegre seu grupo não ia para o segundo turno desde 2008.
“É uma virada. Não é o resultado que a gente sonhava, mas é uma tendência de
transformação da política.”
A
candidata comunista comemorou, ainda, a dupla formada entre Boulos e sua vice,
Luiza Erundina, que é a deputada federal do Psol. “Manu, você não tem ideia.
Erundina é uma força da natureza”, disse. “É inacreditável o que ela inspirou.
Ela falou para a juventude, uma mensagem direta que mobilizou o sonho. E com
uma força.”
Manuela
curtiu Erundina chamando o vice de Covas, Ricardo Nunes, para o debate. “Bonito
isso da questão intergeracional. Uma mulher que está há 70 anos, já foi
prefeita, deputada, ministra e segue lutando firme.”
Isso
aponta a diferença entre os projetos, avalia Boulos. “De quem faz política com
ideal, porque acredita num mundo melhor, tem compromisso visceral com o povo.
Isso não envelhece jamais. Nossas campanhas do ponto de vista histórico,
simbólico, foram profundamente vitoriosas. Muita gente não consegue ver isso
hoje, mas vão ver. A história não acontece nos ritmos que a gente quer, no
tempo que a gente deseja. Tem um processo em curso, tem muita coisa se
movimentando.”
E 2022?
Em um
momento da live, Manuela relata que, nos comentários, muitas pessoas falam em
candidatura, em 2022. “Nossa luta não passa só por candidaturas, é uma luta de
todo dia na sociedade. Podem culminar em candidatura ou não. Claro que tem de
olhar para 2022, precisamos derrotar o bolsonarismo. Mas tem de olhar para o
dia de hoje, para como dar sequência na mobilização social que construímos”,
alerta. “E tem esse drama para saber como vai ser a vacinação. A gente além de
não ter negociação da vacina, não tem insumos, não tem seringa, pela
desindustrialização do país. Temos de saber que vamos viver um 2021 talvez
pior, com o possível fim da renda emergencial. Tem muita luta até 2022”,
reforça Manuela.
“Política
pra gente não é simplesmente disputar cargo. É uma frente fundamental, mas não
a única. A gente só conseguiu mostrar isso agora na disputa das eleições porque
a gente traduziu um acúmulo de organização, de luta, de sentimento, que vem de
muito antes e vai continuar depois das eleições”, detalhou Bolulos. “Desafio é
estar junto com nosso povo, brigar pelo SUS, pela valorização dos profissionais
de saúde, pela vacina. Porque no Brasil isso é uma briga política e ideológica
mesmo. E brigar pelo nosso povo que está sofrendo na ponta. Se consumarem o
corte do auxílio emergencial vai ser uma tragédia, uma epidemia de desemprego,
de desespero. A eleição acaba, os problemas continuam, e nosso compromisso com
o povo continua. Espero que a gente chegue em 2022 não só mais fortes, mas
também mais unidos, para derrotar o bolsonarismo no país.”
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