Pelo menos 30% dos recursos sejam usados na compra
de alimentos saudáveis, mas não é o que está ocorrendo
Municípios não receberam o Garantia-Safra pela perda da safra de 2018-2019, por não estarem registrados como prejudicados pela perda no Ministério da Agricultura - Prefeitura Municipal de Araripina |
Os agricultores
Edelaine Voinarski e Jorge Aparecido de Deus, de São João do Triunfo, no
Paraná, estavam com a produção pronta para ser enviada ao seu destino quando a
pandemia da covid-19 chegou ao país. Com ela, veio a paralisação das aulas
nas escolas públicas. E veio a preocupação: o que fazer com a
couve, alface, acelga, escarola, repolho, brócolis e abobrinha, entre outros 50
itens produzidos na pequena propriedade, destinados à merenda escolar? O que
parecia um grande problema estava solucionado 15 dias depois. Os alimentos
produzidos sem o uso de agrotóxicos e outros agroquímicos logo voltaram a ser
entregues à secretaria municipal de Educação por meio do Programa Nacional de
Alimentação Escolar.
Em 23
de abril, respaldada pela Lei 13.987, sancionada dias antes pelo governo
federal, a prefeitura local passou a entregar alimentos da merenda escolar aos
alunos das escolas municipais cadastrados no programa Bolsa Família e para famílias em condições de
vulnerabilidade social. A lei permite a distribuição de
alimentos da merenda escolar às famílias de alunos da educação básica em
escolas públicas.
De
acordo com a secretaria de Educação, cada kit distribuído contém alimentos não
perecíveis, além de carnes, frutas, verduras, legumes e panificados produzidos
por agricultores familiares associados à Cooperativa Mista Triunfense Dos
Agricultores e Agricultoras Familiares (Coaftril), à qual o casal de pequenos
produtores é associado. As escolas estaduais do pequeno município, a 106
quilômetros de Curitiba, também receberam kits da merenda escolar. “No meu
tempo, a merenda era chá com bolacha. Minha filha pegou o tempo da comida
enlatada, até feijão enlatado. Graças ao Pnae (Programa Nacional de Alimentação
Escolar), as crianças hoje não estão merendando, mas se alimentando na escola”,
diz Jorge.
Alimentação
escolar
Em
Morros, no Maranhão, a 100 quilômetros de São Luís, a agricultora assentada da
reforma agrária Maria Leia Borges dos Reis trabalha com plantas medicinais obtidas
de sementes e cascas. Mas o carro-chefe de sua produção
são alimentos para a merenda escolar, como frutas, legumes,
farinha seca e tapioca, entre outros. “Houve muita preparação, participação em
palestras, formação e acabamos fazendo uma grande feira para mostrar que
tínhamos muita produção em nossos quintais que não era comprada. O Pnae mudou a
vida de muita gente. Mas não é só dinheiro. Queremos a saúde, o bem estar das
crianças”, diz dona Leia, como é mais conhecida.
Segundo
ela, em geral a prefeitura retira a produção nas propriedades, mas alguns
produtores circunvizinhos a escolas fazem a entrega. Todos esses alimentos são
levados para uma central de distribuição, na sede do município, e ali são
divididos em cestas que serão distribuídas, a cada quinzena, para mães de
família inscritas no Cadastro Único. Uma iniciativa, contou, que não é seguida
por todos os municípios da região.
Exceção
à regra
No
entanto, essas experiências, relatadas em uma live realizada nesta terça-feira
(21) pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e Fórum Brasileiro de
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), não prevalecem na maioria dos
estados e municípios brasileiros em tempos de pandemia. Embora a
Lei 11.947, de 2009, assegure que pelo menos 30% dos recursos destinados à
alimentação escolar sejam destinados para comprar legumes, frutas e verduras da
agricultura familiar, não é o que está acontecendo nesse período de crise.
Segundo
as entidades, que lançaram na última sexta-feira a campanha Agricultura
Familiar é Saúde na Alimentação Escolar (assista vídeo no final da reportagem),
muitos prefeitos e governadores estão deixando de comprar de famílias
agricultoras e comprando de grandes redes de supermercados. São na grande maioria
alimentos ultra-processados, produzidos com matérias-primas artificiais e
poucos ingredientes frescos e saudáveis, sem agrotóxicos, em um momento em que
os brasileiros precisam fortalecer as defesas naturais do organismo.
Além
disso, a prática traz inúmeros prejuízos. Com renda reduzida, circula menos
dinheiro nos municípios em que eles vivem. Logo, distribuir alimentos desses
produtores, além de favorecer a saúde, beneficia a economia local e a
distribuição de renda.
Comida
de verdade
De
acordo com a nutricionista Vanessa Schottz, professora da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do FBSSAN e da ANA, a Lei 13.987
autorizou a distribuição dos alimentos da merenda escolar às famílias dos
estudantes da educação básica da rede pública, cujas aulas foram suspensas
devido à pandemia. E embora não tenha alterado a lei do Pnae, que visa assegurar
que os estudantes tenham boa parte do cardápio constituído por comida de
verdade e saudável, muitos dos gestores estão deixando a agricultura familiar
de fora.
“O
direito à alimentação não se limita a não ter mais fome, mas também que o
alimento seja saudável. Há no país distribuição de kits e cestas básicas com
alimentos industrializados, além de vouchers e cartões de compra, que
beneficiam grandes supermercados. Quando se compra no varejo, paga-se mais
caro, compra-se menos alimentos e de pior qualidade nutricional, e não há
benefícios para a economia local”, disse à RBA.
Outro
problema, segundo ela, é que muitos alunos que precisam de auxílio e amparo
neste momento ficam fora do benefício. “Muitas vezes o recorte utilizado é
excludente. É o caso de a família ser beneficiária do Bolsa Família. Com a
redução do programa e com milhares aguardando na fila, estes são excluídos da
distribuição da merenda”.
Fonte: Brasil de Fato
com informações da Rede Brasil Atual
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