“É como
se estivéssemos anestesiados frente ao grande número de mortes”, diz o
sociólogo Rodrigo Augusto Prando, sobre a onda de indiferença em massa enquanto
o Brasil aproxima-se dos 100 mil mortos pelo coronavírus
Cemitério Parque Tarumã, em Manaus (Foto: REUTERS/Bruno Kelly) |
247 - O país aproxima-se dos 100 mil mortos pelo coronavírus
e grassa a indiferença. “É como se estivéssemos anestesiados frente ao grande
número de mortes”, avalia o sociólogo Rodrigo Augusto Prando, da Universidade
Mackenzie. “Depois de um período de crise, todos clamam pela volta do normal e,
até como sentido de autodefesa, a pessoa para de olhar o número de mortes.
Cansadas, tristes, chegam à conclusão de que a vida tem de seguir, daí o termo
novo normal. Estamos vivendo a normalidade dentro da anormalidade”, disse ele
ao jornalista José Maria Tomazela, de O Estado de
S.Paulo.
O total de mortes
diárias pelo coronavírus é o equivalente à queda de três grandes aviões
comerciais lotados, mas o número não choca mais. Nesta quarta-feira (29), o
número de mortes chegou a 90,2 mil, mas há enorme descumprimento às regras de
isolamento social e volta à rotina em praias, restaurantes e festas, como se o
Brasil estivesse à margem da tragédia mundial. Embora a média oscile, o país
está próximo de mil mortos por dia desde o começo de junho. Assiste-se pressão
velada e escancarada do empresariado para a reabertura total dos comércio e a
“normalização” da atividade econômica.
O país se mantém acima das mil mortes
diárias há seis semanas, desde meados de junho. Para o filósofo Roberto Romano,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pandemia realça a
“tremenda ambivalência” humana. “Temos ao mesmo tempo gestos magnânimos,
simpatias e heroísmo, mas também momentos de pequenez, egoísmo, auto satisfação
com a maldade, o prazer em fazer o mal”, afirma. “Essa duplicidade depende muito
das condições de comunicação, visualidade e proximidade do fato. Se um parente
próximo estiver no Boeing que caiu, a reação é de consternação, tristeza e até
de revolta. Quando o fato não está no campo visual, de percepção imediata, essa
reação se torna cada vez mais tênue.”
No caso da
pandemia, acredita Romano, a notícia das mil mortes é apenas um número: “Você
não vê aquilo acontecendo, como os destroços de um Boeing, das Torres Gêmeas
(atentado em Nova York, de 2001)”.
O cenário de indiferença pode sofrer um
abalo quando o Brasil chegar aos 100 mil mortos, mas é incerto.
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