"A
Terra é redonda, a Petrobrás foi espionada pelos Estados Unidos, a Globo
censura a Vaza Jato: esses são os fatos que Lula aponta e incomodam
tanto", escrevem José Chrispiniano e Ricardo Amaral, em resposta ao ataque
rasteiro da Folha
Lula (Foto: Ricardo Stuckert) |
Por José
Chrispiniano e Ricardo Amaral (em resposta ao ataque da Folha a Lula neste domingo) – A Folha de S. Paulo deveria informar-se
melhor, lendo suas próprias reportagens, antes de advogar a censura praticada
pela Rede Globo, como fez na manchete falsificada deste primeiro fim-de-semana
de fevereiro de 2020. Não há outra palavra para definir a cobertura da Globo
sobre a Vaza Jato como um todo, e não apenas no breve período que a emissora
selecionou para disfarçar sua parcialidade e que a Folha empurrou aos leitores,
sem checar, defendendo quem a censurou.
A Folha publicou 25 reportagens em
parceria com o The Intercept Brasil, editado pelo jornalista Glenn Greenwald, e
o site UOL produziu outras 8. De 9 de junho até 24 de julho de 2019, período
selecionado pela defesa da Globo, foram 5 reportagens da Folha, mas só uma foi
reproduzida pela TV e não tratava da parcialidade de Sergio Moro e da Lava Jato
no caso Lula. O tema é tabu na Globo, como foram as Diretas na década de 1980 e
como a liberdade de imprensa era tabu para o nazismo. Por isso censuraram todas
as provas de que Moro agiu para prender Lula e eleger Bolsonaro.
Se a Folha tivesse lido a Folha antes de
defender a Globo (e difamar Lula), registraria que o Jornal Nacional censurou a
matéria “Lava Jato desconfiou de
empreiteiro pivô da prisão de Lula, indicam mensagens” (30/06/19).
Nela se comprova que o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, quando preso, mudou
seu depoimento e criou um enredo sobre Lula para ter sua delação aceita pelos
procuradores. Contou uma história sem provas, da qual até os procuradores
desconfiaram, para sair da cadeia e condenarem Lula.
A Globo censurou “Conversas
de Lula mantidas sob sigilo pela Lava Jato enfraquecem tese de Moro” (8/9/19).
A Folha mostrou, e a Globo não, que Moro e a força-tarefa esconderam, do STF e
do país, conversas nas quais Lula explicava a razão de assumir a Casa Civil de
Dilma Rousseff, em março de 2016 – e não era para buscar foro privilegiado, mas
para salvar o governo e consertar a economia. Moro voltaria a mentir sobre o
assunto no Roda Viva, semanas atrás, quando disse ter enviado ao STF “todos os
áudios” grampeados de Lula ao STF. A Folha revelou que a Lava Jato grampeou os
advogados de Lula e fez relatórios para Moro. A Globo censurou a notícia.
O JN fez alarde da delação mentirosa de
Antonio Palocci vazada pelo ex-juiz a uma semana do primeiro turno de 2018, mas
não noticiou “Moro achava fraca delação
de Palocci que divulgou às vésperas de eleição, sugerem mensagens” (Folha
29/07/19). A Lava Jato espionou Lula e seus familiares ilegalmente, porque ele
era o alvo. Mas a Globo censurou “Lava
Jato driblou lei para ter acesso a dados da Receita, mostram mensagens” (Folha,
18/08/19).
A nota da Globo que a Folha reproduziu em
editorial terça-feira e na manchete de hoje é uma empulhação. Se é fato que o
JN e o Fantástico deram 103 minutos de reportagens sobre a Vaza Jato nos
primeiros 46 dias, não é menos fato que 66 minutos foram dedicados à defesa de
Moro e ao esforço de criminalizar a série desde o nascedouro. E que em apenas 5
dias, de 24 a 28 de julho, JN e Fantástico bombardearam o país com 68 minutos
sobre a Operação Spoofing, que associa a Vaza Jato a pessoas acusadas de crime
cibernético, incluindo notícias falsas que tentavam envolver o PT.
O editorial da
Folha em defesa do mau jornalismo da Globo soou como um ato de contrição do
jornal pela entrevista de Lula ao portal UOL. O texto é axiomático:
“governantes não gostam de imprensa livre”. Livre do contraditório? Livre da
obrigação de checar o que publica? A Folha deu-se a liberdade de publicar
mentiras como a de que, no governo, “Lula flertou com dispositivos para controlar
a mídia”, sem dizer quais, pois nunca existiram. Que seu governo “deu
preferência, inclusive financeira (…) a veículos em torno do petismo”, sem
dizer quais, como e qìuanto, pois essa é outra mentira repetida à moda
Goebbels.
A Folha quer igualar Lula a Bolsonaro
porque o ex-presidente diz que o atual tem razão em algumas queixas sobre a
imprensa. É um reducionismo desonesto. Lula não ameaçou cassar concessões, não
fez retaliação econômica. Denunciou o mau jornalismo do qual todos podem ser
vítimas. A mesma imprensa que critica Bolsonaro (por várias razões) defende a
desconstrução do estado, a desnacionalização do país e a revogação de direitos
que ele impõe. Jamais farão com seu governo o que fizeram com Lula, Dilma e o
projeto de desenvolvimento com inclusão. Iguais são Folha, Globo, Veja,
Estadão, todos alinhados com o projeto de Paulo Guedes, mesmo que o preço seja
conviver com Bolsonaro.
O fato é que essa “imprensa livre” muitas
vezes fabrica manchetes para amparar sua opinião. É perfeitamente legítimo externar
estranheza e associar, como fez Lula, o roubo de informações sigilosas da
Petrobrás num container da Halliburton, em 2008, à espionagem da NSA na estatal
e nos telefones de Dilma Rousseff, noticiada no mundo inteiro em 2013 com farta
documentação provida por Edward Snowden. Não é teoria, é fato que o golpe do
impeachment, a prisão de Lula, a destruição da indústria brasileira de óleo e
gás e a desnacionalização da Petrobrás e do pré-sal atendem a interesses
geopolíticos e econômicos dos Estados Unidos. Como é fato que Moro e a Lava
Jato atuaram em fina sintonia – e fora da lei – com agentes daquele país.
Procuradores
do Brasil fizeram a Petrobrás pagar 3,8 bilhões de dólares em multas e acordos
judiciais nos Estados Unidos. É muita vezes mais do que a Lava Jato teria
recuperado no Brasil, mas isso nem a Folha consegue ver na Globo. Tampouco se
vê a terra arrasada em que Moro transformou o pais, como acusa Lula, pois a
Folha está ocupada em esclarecer o terraplanismo alheio.
É
simplesmente ocioso checar, como faz a Folha, se um picareta como Olavo de
Carvalho acredita mesmo que a terra é plana ou tem apenas dúvidas a respeito.
Fato relevante é a destruição do ensino público, do meio ambiente e da
soberania nacional por obra dos pupilos que ele nomeou no desgoverno de
Bolsonaro. Lula distorceu Olavo? Olavo distorce a inteligência. E a Folha
distorce o conceito de checagem de dados – que seria importante contribuição do
jornalismo frente à pandemia de mentiras – porque precisa desqualificar Lula.
A Folha
pode negar que Lula tenha ficado numa solitária, como o ex-presidente se
referiu à prisão num dos discursos checados pela reportagem. Lula ficava
sozinho 22 horas por dia, com exceção das quintas-feiras, quando tinha visita
de amigos e familiares, e dos fins de semana, quando ficava sozinho 24 horas
por dia. Tecnicamente não se chama solitária o regime prisional a que ele foi
submetido por Sergio Moro, até o Supremo Tribunal Federal restabelecer, para
todos, o princípio constitucional da presunção de inocência que havia sido
negado a Lula. Mas não há como checar, tecnicamente, o sentimento de uma pessoa
de quem tomaram uma eleição como favorito à presidência da República, a honra
pessoal e 580 dias de existência, num processo farsesco, uma condenação injusta
e uma prisão inconstitucional. A dor da gente não sai no jornal. Nem na Globo.
- José Chrispiniano e Ricardo
Amaral são jornalistas e assessores do ex-presidente Lula
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