Relator da ação, ministro Marco
Aurélio defende que a pena tenha início só após esgotados os recursos. Em jogo
está o respeito à Constituição
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Plenário do STF retoma hoje (23) julgamento que pode restabelecer em parte a normalidade democrática no país |
Brasil de Fato –
O Supremo Tribunal Federal (STF) irá retomar na manhã de quarta-feira
(23) o julgamento que irá decidir se um réu condenado em segunda
instância deve cumprir a pena imediatamente ou se tem direito a aguardar
que todos os recursos disponíveis na Justiça se esgotem. A decisão deve
ser a mais importante deste ano, pois poderá resultar na soltura do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso político desde abril do ano
passado, além de outras quase cinco mil pessoas encarceradas sem condenação em
definitivo. Em jogo está o inciso 57 do Artigo 5º
da Constituição Federal, segundo o qual ” ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O ambiente político, envolvendo
episódios como o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff e a posterior
condenação sem provas de Lula, tem contaminado as decisões do STF e
feito a opinião dos ministros variar ao longo dos anos, mas espera-se uma
decisão definitiva para esta quarta.
O julgamento começou na semana passada, quando os ministros
quase não falaram. A sessão foi reservada apenas para o relatório
apresentado por Marco Aurélio Mello e as sustentações orais dos
advogados.
Agora serão ouvidos os amicus
curiae – termo em latim para “amigos da corte”, pessoa ou
entidade com interesse em discussões levadas ao tribunal –, além de
manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal
(MPF). Após as falas, os ministros devem começar a votar.
A expectativa é de que a Corte
assegure o direito de a pessoa acusada aguardar em liberdade até que se esgotem
todos os recursos. O ministro Marco Aurélio Mello acredita que o placar final
será 7 a 4 em favor da prerrogativa constitucional, segundo o ConJur. Outros ministros ouvidos pelo
site apostam em um placar mais apertado: 6 a 5 contra a prisão em segunda
instância.
Restrição de direitos
Durante a sessão da semana passada, foi
ouvida a advogada da ONG Conectas Direitos Humanos, Silvia Souza. Para ela,
prisões só devem ocorrer após o fim do trânsito em julgado.
“É preciso reconhecer que a restrição de
direitos, sejam econômicos, sociais ou as liberdades, atinge em primeiro lugar
e com muito mais força a população pobre, preta e periférica. Aqueles que pouco
aqui são ouvidos e representados, haja visto eu ser a única mulher negra, a
única pessoa negra a ocupar esta tribuna […] Os corpos negros estão nas valas,
estão empoleirando as prisões em condições subumanas, em condições
insustentáveis”, disse.
Já o advogado e ex-presidente da
Associação dos Advogados de São Paulo Leonardo Sica criticou o que considerou
uma confusão criada pelo STF quando a corte decidiu, em 2016, que é possível
cumprir pena após condenação em segunda instância.
Segundo ele, “desde a decisão de 2016
instalou-se o caos normativo […] A pena alternativa não pode ser executada, mas
a de prisão pode”. Ele condenou o fato de os ministros terem cedido à
pressão da “opinião pública” em 2016. “O senso comum escreveu as piores
páginas da Justiça penal”.
Ouvido durante a sessão, o jurista Lenio
Streck seguiu a mesma linha, pedindo para que os ministros fizessem a “coisa
certa”. “Fazer a coisa certa é julgar com responsabilidade política sem
politizar o direito”.
Uma das falas mais contundentes foi a do
ex-ministro da Justiça durante o governo de Dilma Rousseff, José Eduardo
Cardozo. Para ele, os argumentos usados por quem defende a execução da pena
após julgamento em segunda instância são falaciosos.
“Fosse o senso comum valer, venhamos a
abolir os tribunais e vamos transformar a Justiça naquelas arenas romanas, em
que o imperador dizia sim ou não. É assim que nós vamos tratar os seres humanos?
Estamos em um Estado de direito e, como tal, devemos respeitá-lo”, afirmou.
“A questão é que agora temos alguém preso
e que amanhã pode ser absolvido, ou a pena pode ser reduzida, podem modificar o
regime, podem anular o processo inteiro e a pessoa ficou presa anos sem
trânsito em julgado, sem fundamento cautelar”, diz.
Para ele, a posição em favor da prisão em
segunda instância, adotada pelo Supremo em 2016, foi “absolutamente equivocada
[…] estão subvertendo totalmente [o Estado de direito]”
Fonte:
Rede Brasil Atual