quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Mais de 50 famílias resistem à ameaça de despejo em área do grupo Atalla, no Paraná


Fazenda foi declarada pelo Incra como grande latifúndio improdutivo, em 2008
Ao todo, 150 pessoas vivem no local, entre crianças, jovens, adultos e idosos - Créditos: Divulgação
Ao todo, 150 pessoas vivem no local, entre crianças, jovens, adultos e idosos / Divulgação

Cerca de 50 famílias do acampamento Ester Fernandes resistem a uma ameaça de despejo no município de Alvorada do Sul, norte do Paraná. Na manhã desta segunda-feira (21), cerca de 10 viaturas da Polícia Militar do 15º Batalhão e ônibus do próprio grupo Atalla foram até a entrada da comunidade para realizar o despejo, no entanto, a chuva forte que atingiu a região dificultou a execução.
As famílias permanecem na comunidade para resistir ao despejo. Ao todo, 150 pessoas vivem no local, entre crianças, jovens, adultos e idosos. No período da tarde desta terça-feira (22), as famílias viveram momentos de tensão, com sobrevoos de avião de pequeno porte, pertencente ao grupo Atalla, e de um helicóptero da Polícia Militar, por cerca de meia hora.
A área, de 692 hectares, é chamada fazenda Palheta e pertence ao grupo Atalla, proprietário da Usina Central do Paraná. A fazenda foi classificada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como grande latifúndio improdutivo, em 2008, e ocupada pelos agricultores e agricultoras sem terra em janeiro de 2009. A área faz parte de 10,6 mil hectares declarados improdutivos pelo Incra em sete imóveis do grupo, localizados em Centenário do Sul, Florestópolis, Porecatu, Jaguapitã, Guaraci, Miraselva e Alvorada do Sul.
Além da improdutividade das terras, o grupo Atalla deve cerca de R$ 650,2 milhões para a União e foi flagrado com trabalhadores em situação análoga à escravidão, a partir de investigação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal.
O agricultor Samuel Pereira mora no acampamento com a família e relata ter sido uma das pessoas que enfrentou condições desumanas de trabalho em terras dos Atalla. “Eu posso dizer que eu mesmo nasci na terra dos Atalla e posso falar que a gente passou por desigualdade social, passamos até necessidade de pão por atraso de pagamento, serviço escravo. Eu sou uma das testemunhas”. Pereira garante que ele e a família vão resistir. “A gente quer um pedaço de terra pra poder sobreviver”, afirma.
O município de Alvorada do Sul integra a Região Metropolitana de Londrina, norte do Paraná. 
Resistência
As famílias permanecem na área, na expectativa de seguir com a produção de alimentos e a construção da vida no campo. “O nosso objetivo e nossa resistência na terra é porque a gente quer plantar. Eu tenho 16 mil pés de mandioca plantada, um estaleiro de maracujá, uma casa que nós já construímos e um padrão que a gente paga energia certinho”, relata Maurício Dionísio, que mora no local com a família desde o primeiro ano da ocupação. “A gente resiste por causa dessa terra que nós estamos tentando conquistar, e vamos lutar até o fim”, garante Dionísio.
“O sonho da gente é ter a terra pra construir, pra plantar e produzir. Ter umas vaquinhas pra fazer queijo, leite pra vender. O sonho da gente é estar na luta pra ter uma vida melhor”, reforça Maria Aparecida Lopes, esposa de Dionísio, moradora da área há 10 anos. Juntos, eles produzem diversidade de alimentos para o consumo próprio e também para venda do excedente. Entre os itens produzidos está milho, mandioca, feijão e maracujá.
Um ato inter-religioso em solidariedade às famílias acampadas será realizado nesta quinta-feira (24), às 10h, no próprio acampamento. A atividade deve reunir religiosos de diferentes matrizes religiosas e pessoas apoiadoras da comunidade, vindas de municípios da região. Os acampados fazem parte da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). 
Situação jurídica
As famílias já sofreram dois despejos na área, em 2009 e 2010, no entanto, conseguiram se reorganizar e reocupar a fazenda. O juiz da Vara Cível da Comarca de Bela Vista do Paraíso ordenou que a desocupação da área deveria ocorrer até o dia 19 de outubro de forma espontânea.
Caso as famílias não saíssem, o juiz ordenou o uso de força policial e desligamento da energia elétrica. O corte na energia elétrica tem prejudicado a saúde de um morador idoso que utiliza aparelho de inalação, e também fez com que as famílias perdessem alimentos armazenados em geladeira.
O advogado da comunidade, João Carlos Peres, e a Defensoria Pública do estado entraram com recursos no Tribunal de Justiça (TJ) com o pedido de suspensão da reintegração de posse. Os recursos estão nas mãos da 17ª Vara Cível do TJ, sob relatoria do desembargador Francisco Carlos Jorge.
De acordo com o advogado, representantes da prefeitura do município e do Conselho Tutelar estiveram no local e informaram no processo que há várias famílias em situação de vulnerabilidade social no local.
Somente neste ano, sete comunidades rurais já foram despejadas, contrariando diálogos realizados por Bispos do Paraná com o governador do Estado, Ratinho Junior (PSD). Pelo menos outras 70 áreas de acampamentos rurais então sob ameaça de despejo.
 Fonte: Brasil de Fato
Edição: Lia Bianchini


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