"Não
vou deixar a solidão tomar conta de mim, não vou deixar o ódio tomar conta de
mim, não vou desanimar, não vou ficar deprimido. Não conheço a palavra
depressão. Se já tive, não sei. Tenho muita coisa para fazer ainda",
relata o ex-presidente Lula
Lula concede entrevista ao site Brasil de Fato (Foto: Ricardo Stuckert) |
Por Luiz Inácio Lula da Silva* – Uma coisa que
me interessa muito é ler sobre a escravidão. Estou aprendendo porque o Brasil é
do jeito que é, porque ainda existe preconceito. Sempre gostei muito de música
e estou ouvindo bastante, recebo um pen drive com músicas. Gosto muito de
samba, ouço Chico, ouço Caetano, o Gil, ouço muitas músicas daquelas, como
chama, cânticos gregorianos. Às vezes, eu durmo com cantos gregorianos.
Eu recebo muita
coisa. E muito debate também. Peço a alguns companheiros que gravem
análises de conjuntura para mim. Então, às vezes o João Paulo [do MST] grava
uma análise de conjuntura, às vezes o Genoíno me grava, a [Marilena] Chauí me
grava, o [Luiz] Dulce me grava, a Gleisi [Hoffmann] me grava, o Jessé [de
Souza], o Eduardo Moreira, o Aloizio Mercadante. Eu vou pedindo às pessoas, que
vão gravando.
Como não tem o que fazer, sento para ler,
ou sento e fico vendo as pessoas falarem, fico discutindo sozinho com as
pessoas, discordando das pessoas. Às vezes, fico puto como as pessoas falam
bobagens a meu respeito. E não estou lá para dizer: “Não é assim, rapaz”.
Assim vou vivendo.
Eu vou dormir por volta de meia-noite, 1
hora da manhã. Acordo todo dia às 6h30, faço meu café, faço um café de
qualidade. Acho que não tem ninguém que faça um café melhor do que eu.
Quero que vocês saibam que essa história de eu falar que vou casar é
verdade. Na verdade, encontrei uma meia cara que está me ajudando a vencer essa
barreira aqui.
Então, não vou deixar a solidão tomar
conta de mim, não vou deixar o ódio tomar conta de mim, não vou desanimar, não
vou ficar deprimido. Não conheço a palavra depressão. Se já tive, não sei.
Como fui corintiano e fiquei 23 anos sem ganhar um título, perdendo para
o Santos 15 anos consecutivos, vendo Pelé humilhando o Corinthians – eu ia ao
estádio, chegava lá e dava 3 a 0, 4 a 0 –, então acho que não vou ter
depressão. Tenho certeza, posso dizer para vocês comunicarem o pessoal lá fora,
que vou sair mais maduro, mais preciso naquilo que quero fazer – vou sair mais
lutador do que fui. Estou bem fisicamente. Obviamente que sei que a
natureza é implacável, mas como me decidi que vou viver até os 120 anos, que a
“Caetana” não venha bater na minha porta, que não tem espaço para ela entrar
[referência ao livro A Moça Caetana – A Morte Sertaneja, de Ariano Suassuna”].
Tenho muita coisa para fazer ainda.
Então, estou assim, nesse momento da
minha vida. Obviamente, fico sonhando em sair daqui, decidir onde vou morar.
Quando deixei a Presidência, tinha vontade de morar no Nordeste, vontade de
voltar para meu Pernambuco, vontade de morar não perto da praia, mas num lugar
em que pudesse ir à praia. Pensava em ir para Bahia, Rio Grande do Norte, mas a
Marisa não quis ir porque ela nasceu em São Bernardo [do Campo], e o mundo dela
era São Bernardo. Eu não tenho mais o que fazer em São Bernardo. Não sei
para onde ir, mas quero me mudar para outro lugar. Quero viver. Espero que o PT
me utilize, espero que a CUT me utilize, espero que os sem-terra me utilizem,
espero que os LGBT me utilizem, espero que os quilombolas me utilizem, espero
que as mulheres me utilizem, espero que todo mundo me utilize para fazer com
que eu tenha utilidade nessa minha passagem pelo planeta Terra. Vou sair
daqui tranquilo. Não vou dizer que cumpri minha missão, mas vou sair daqui
tranquilo, como cidadão consciente do seu papel na história.
Sou muito
agradecido às manifestações dos artistas. Tenho visto pelo pen drive shows no
mundo inteiro. Aliás, acho que o PT e os movimentos sociais deveriam fazer da
questão cultural uma das bandeiras mais importantes. A gente não pode deixar
que esses caras destruam a cultura. A cultura não tem propriedade do Estado. A
cultura é uma prioridade da sociedade – ela que se aproveite da cultura e a
criatividade que o nosso povo tem nesse país. Não podemos abdicar disso.
É isso que vocês vão levar daqui. Quero
que vocês digam para todo mundo que estou bem, estou muito disposto a brigar.
Tenho certeza de que o Moro não dorme com a consciência tranquila como durmo.
Tenho consciência de que o Dallagnol está precisando tomar remédio para dormir,
talvez tarja preta, porque ele sabe que é mentiroso, ele sabe que foi canalha
no meu processo. Estou aqui, para a raiva deles. Porque acho que
eles ficam com mais raiva quando eles percebem que estou bem.
Então, muito obrigado. Quero que vocês
transmitam um abraço a todo mundo. Quando sair daqui, espero que a gente faça
uma boa entrevista – e um churrasco. Há um livro que li que me
impressionou muito, chamado Um Defeito de Cor, de uma moça chamada Ana Maria
Gonçalves. Eu li Escravidão, do Laurentino Gomes, muito bom. Eu tenho lido
muito. Li, da escravidão, O Alufá Rufino [de Flávio dos Santos Gomes, João José
Reis e Marcus J. M. de Carvalho]. É muito bom. É um tema que me apaixonou,
porque nunca consegui entender.
Não sei se vocês
lembram, quando eu era presidente, a gente tentou, foi aprovada uma lei, o
Fernando Haddad [então ministro da Educação] deve se lembrar disso, para
ensinar a história africana no Brasil, que era umas formas que eu achava que a
gente iria vencer o preconceito nesse país. Não sei se aconteceu. Pelo que
estou vendo, até universidade afro-brasileira está sendo destruída lá em
Redenção (CE). Acho que eles estão desmontando isso. Mas estou aprendendo
muito.
As pessoas são muito generosas, as pessoas
mandam muitos livros, muito material importante. Esses dias, recebi uma
cartinha bonita daquela menina que está em Oxford e participou da equipe
daquele médico que ganhou um prêmio Nobel de Medicina; uma menina do Rio Grande
do Norte que está com ele, é brasileira. Ela mandou uma cartinha bonita. Eu
recebo muita coisa bonita, muita gente generosa. Eu não sei se vou ter
força para abraçar todo mundo quando eu sair daqui. Se a minha bursite não
voltar...”
* Luiz Inácio Lula
da Silva foi presidente do Brasil (2003-2010). Está preso injustamente em
Curitiba desde abril de 2018. Este depoimento é baseado na entrevista que Lula
concedeu nesta semana ao Brasil de Fato
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