Doleira
Nelma Kodama denunciou pressão da Lava Jato para incriminar o ex-presidente.
Delação premiada é questionável, avalia Valdete Severo, da Associação Juízes
para a Democracia
Por Cláudia Motta, Da Rede
Brasil Atual – No mesmo dia em que
a juíza Carolina
Lebbos autorizou a transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um presídio comum, em Tremembé (SP), uma
entrevista revelava mais um aspecto da prisão política do
ex-presidente. A doleira Nelma Kodama, primeira presa na Operação Lava Jato, afirmou à Rádio Bandeirantes, na quarta-feira (7), que havia delação premiada para quem
entregasse Lula.
Segundo ela, a
pressão nesse sentido e o desejo de liberdade teriam levado suspeitos ou
condenados a mentir em depoimentos e delações. “Quando você está preso, você
faz qualquer coisa. Chega a um ponto em que você fala até da sua mãe, porque a
pressão é muito grande, e o sofrimento é muito grande. Nessa altura do
campeonato, você acaba falando, às vezes, até o que você não tem e o que você
não deve. Certamente (pessoas mentiram em
depoimento), senão você não sai”, disse Nelma, lembrando que presos
relatavam a pressão para citar o ex-presidente.
“O Lula era o assunto. Eu não sou PT, não
estou falando sobre política, e sim sobre crime. Todo crime precisa ter prova e
não houve prova. Cadê o cadáver? Então, qual foi o objetivo (da prisão)?”,questionou.
Nelma confirmou, ainda, existir uma
delação premiada especificamente para entregar Lula, principal alvo da Lava
Jato. “Havia esse tipo de conversa, claro, por parte das pessoas que queriam
sair (da prisão)”.
Para a juíza Valdete Souto
Severo, essas delações forçadas podem ter a validade questionada.
“Até porque, o próprio instituto da delação premiada é questionável. Porque se
tu prende alguém e diz que se ele denunciar outros vai ter a pena diminuída, ou
vai ter um acordo para que não tenho de cumprir pena por exemplo, é um estímulo
a que se crie denúncias falsas”, afirma Valdete, presidenta da Associação
Juízes para a Democracia (AJD).
Uma delação premiada regular, segundo
Valdete, só seria possível se quem delatasse tivesse algum meio de prova a
comprovar a delação. “O que aconteceu na Operação Lava Jato, em
várias circunstâncias, é que o próprio depoimento denunciando outras pessoas
por supostos crimes foi utilizado como meio de prova. E aí, sem dúvida nenhuma
que são questionáveis.”
Conluio contra Lula
Valdete Souto Severo ressalta que a
denúncia da doleira Nelma Kodama vem ao encontro de tudo que já foi informado
pelo The Intercept Brasil e outros
veículos de imprensa. “As conversas entre Ministério Público e Poder Judiciário
já deixaram mais do que comprovado – e aí sim comprovado – que pelo menos esse
processo penal contra o Lula, do triplex, que restou condenação e pelo qual ele
está preso, é viciado desde a origem.”
A juíza reforça, ainda, que o
ex-presidente já teria condição – se a condenação dele fosse regular – de progressão de
regime. “E isso sequer é aventado, sequer é referido pelo juiz da
execução penal no caso dele”, critica. “E o que é pior: não é nem caso de progressão
do regime, é caso de nulidade absoluta do processo, porque tem vícios desde a
origem, desde a competência pra julgar, até o fato de que o juiz da causa agiu
em conluio com o Ministério Público para a produção de provas, enfim, para toda
a operação.”
A advogada Ivete Caribe da Rocha acredita
que as declarações de Nelma Kodama podem ser de grande importância para a
defesa de Lula. “Elas revelam que essa Operação Lava Jato foi constituída para
destruir a imagem de Lula como uma das mais importantes lideranças do Brasil e
construir essa perseguição e ódio que hoje se torna tão difícil a
desconstrução”, afirma a integrante do Coletivo Advogadas e Advogados pela
Democracia (Caad).
“É de extrema
gravidade o fato de a Polícia Federal pressionar presos da Lava Jato para
incriminar o ex-presidente Lula”, destaca Ivete, lembrando que Nelma Kodama fez
questão de reforçar que nunca foi de esquerda, muito menos filiada ao PT.
Dessa maneira, avalia a advogada, a prisão
de Lula era fatal. “A retirada dele do processo eleitoral do ano passado era
condição fundamental para que esses coordenadores da Lava Jato cumprissem sua
tarefa. A principal era essa: a prisão de Lula e o impedimento dele para
participar das eleições. E assim construir um outro projeto de entrega do
patrimônio nacional. É o que nós estamos vendo hoje”, ressalta. “Essa operação
Lava Jato nasceu para que se pudesse destruir toda a esquerda, em especial as
lideranças, como é o caso do ex-presidente Lula, liderança importantíssima em
toda a América Latina.”
Condenação de Lula
A base da sentença de Sergio Moro na
condenação de Lula foi um depoimento do executivo da OAS Léo Pinheiro.
Depois de ter isentado Lula em depoimento anterior, Pinheiro afirmou ter
concedido vantagens a Lula em troca de um tríplex em Guarujá, no litoral
paulista. O apartamento, no entanto, jamais foi registrado nem utilizado por
Lula ou por qualquer um de seus familiares. A Lava Jato nunca conseguiu
especificar qual vantagem Lula teria dado à OAS, nem encontrar provas de
corrupção contra o ex-presidente.
A defesa do ex-presidente, inclusive, já
listou fatos e provas que atestam que o ex-executivo da OAS forjou seu
depoimento prestado à Operação Lava Jato. Após ser condenado,
Léo Pinheiro mudou versão apresentada para incriminar Lula. Em troca, garantiu
redução de sua pena e direito de desfrutar a fortuna, como revelam os próprios
procuradores, em conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil.
Outro que denuncia a indústria de delações
na Lava Jato é o advogado Rodrigo Tacla Duran,
que atuou como consultor da construtora Odebrecht. Arrolado como testemunha de
defesa do ex-presidente Lula, Duran teve por cinco vezes seu depoimento
negado por Moro. O advogado denunciou o “cerceamento” do direito de
defesa no âmbito da Lava Jato: “Amordaçar testemunhas é sinal claro de que não
está se fazendo Justiça”.
A prisão de Nelma
Em 2014, Nelma Kodama – que atuava em
parceria com o também doleiro Alberto
Youssef – foi presa no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos,
quando tentava embarcar para a Itália com 200 mil euros. Foi condenada a 18
anos de prisão por organização criminosa, evasão de divisas e corrupção ativa.
Após delação, desde 2016 cumpria prisão domiciliar com uso de tornozeleira
eletrônica.
Por ordem de um indulto natalino concedido
pelo ex-presidente Michel Temer, no final de 2017, teve a pena extinta. Desde
terça-feira (6), quando retirou a tornozeleira, está em liberdade.
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