Maria José Braga analisa a relevância das denúncias
contra Moro e a Lava Jato e defende trabalho do The Intercept Brasil
Braga comentou o cenário de perseguição e intimidação à imprensa no Brasil / Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) |
"Se essas
provas não servem para a Justiça, para o jornalismo e para a
sociedade elas servem". A afirmação de Maria José
Braga, presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj),
deixa evidente sua posição sobre os vazamentos de conversas entre juízes e
procuradores da Lava Jato, revelados pelo site The
Intercept Brasil.
Gleen
Greenwald e sua equipe, segundo ela, não cometeram nenhuma irregularidade até o
momento. Pelo contrário, estão prestando um serviço valioso ao interesse
público, ajudando a comprovar o que antes era apenas uma "dedução
analítica": a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro e da Lava Jato.
Suplente
do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, Braga conversou com o Brasil de Fato sobre
as ameaças e tentativas de intimidação dos jornalistas do The Intercept Brasil.
Além de ressaltar a importância de se preservar o sigilo da fonte –
direito garantido pela Constituição –, a presidenta da Fenaj chamou a
atenção para a relevância das violações cometidas pela Lava Jato.
Confira
os melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato: A Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania recebeu o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, para falar sobre os
vazamentos de conversas do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio
Moro. Esse caso suscitou muitos questionamentos sobre a forma de obtenção
das mensagens. Como você se posiciona em relação a essa polêmica?
Maria José Braga: A sociedade
precisa compreender que o jornalismo tem, além da sua base teórica, do seu
conhecimento técnico e comprometimento ético, os seus próprios métodos. E
a investigação jornalística, obviamente, é diferente de uma investigação
policial, judicial ou de outro profissional de qualquer área. O que o
jornalista faz é, essencialmente, trabalhar com fontes.
No caso
do Intercept, Glenn e
a equipe tiveramPara o jornalismo, é isso que interessa. Se para a Justiça, a
obtenção de uma informação de forma ilegal não serve para os autos, para o
jornalismo e para a sociedade como um todo, essas provas são válidas.
a sorte de contar com uma fonte que tinha um vasto material, que comprovava o
que vastos segmentos da sociedade já alertavam desde o início da operação Lava
Jato.
Se nós
pegarmos a história da Lava Jato, vários juristas, vários advogados, jornalistas,
analistas sociais, todo mundo que estava acompanhando de perto a questão já
apontava que havia uma parcialidade do juiz Sérgio Moro, e que o Ministério
Público estava atuando muito em consonância com o Judiciário.
O que
era uma dedução analítica, agora se constituiu em provas documentais. Se elas
não servem para a Justiça, é uma questão, mas para o jornalismo elas
servem. Está claro que houve troca de mensagens entre um membro do MP e um
juiz, que deveriam atuar cada um na sua área, de forma independente, sem
contaminação das partes.
Para o
jornalismo, é isso que interessa. Se para a Justiça, a obtenção de uma
informação de forma ilegal não serve para os autos, para o jornalismo e para a
sociedade como um todo, essas provas são válidas.
Está na
Constituição Brasileira a garantia do sigilo de fonte. O jornalista não precisa
explicar como obtém as informações, e nem mesmo dizer se a obtenção é
legal ou não: ele tem a prerrogativa de resguardar a sua fonte. E o sigilo da
fonte é um dos princípios básicos do jornalismo, porque a fonte pode
trazer informações relevantes, de interesse público, e às vezes
até informações que contrariam poderosos, pessoas que detêm cargos, e
precisa se resguardar. Se não, quem faria esse tipo de denúncia, colocando a
si e a sua família em risco?
Levantou-se a
possibilidade de que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf) passaria a investigar as atividades financeiras do Glenn Greenwald
após a publicação dos vazamentos. Como a Fenaj enxerga as intimidações aos jornalistas
que trabalham com temas delicados como esse?
Infelizmente,
as agressões a jornalistas têm sido frequentes. O caso do Gleen
Greenwald vem comprovar que há atores que não respeitam as regras
democráticas. Tem gente que acha que, se o seu interesse pessoal foi
contrariado, pode usar da violência.
Todo
mundo que parte para a violência contra o jornalista é porque teve o seu
interesse pessoal contrariado. E o jornalismo trabalha essencialmente com
interesse público. Nossa obrigação é trazer a luz os fatos que colaboram com o
interesse da sociedade, expondo procedimentos inadequados ou até ilegais de
determinados atores.
A
Fenaj e os sindicatos de jornalistas fazem o trabalho de denunciar
publicamente, oferecer apoio ao jornalista ameaçado. Isso vai desde o apoio
moral até o apoio jurídico, permitindo ao jornalista entrar na Justiça ou se
defender de acusações, e em casos extremos realizar deslocamentos – quando a
vida do profissional está ameaçada.
Ao mesmo tempo em que muitos
jornalistas cumprem sua função social de maneira exemplar, vivemos um
momento de bastante descrédito em relação à profissão. Alguns jornalistas de
veículos consolidados chegaram a classificar como fake news as revelações do Intercept. Como lidar com esse
dilema?
Esse é
o principal desafio da categoria de jornalistas no Brasil e no mundo: mostrar
para a sociedade que nós fazemos um trabalho bom, que serve para a constituição
da cidadania, e que nós somos necessários.
Existem
grupos consolidados que utilizam as meias verdades e as mentiras travestidas de
notícia com objetivos muito claros. A população está confusa, e é nosso papel
desfazer a confusão. É nosso papel dizer que, apesar de haver muita coisa
positiva nas redes sociais e nos grandes veículos de comunicação, também há um
caldo muito grande de desinformação.
Em fevereiro, o governo
Bolsonaro tentou alterar a Lei de Acesso à Informação. Logo em
seguida, tomou outras medidas no sentido de limitar a transparência, como
a extinção de vários conselhos participativos. Qual o impacto dessas
mudanças para a sociedade?
O atual
presidente do Brasil não é um democrata. É uma pessoa eleita com uma plataforma
mais do que conservadora, que atinge os direitos humanos em vários
aspectos. Depois da posse, o presidente tem dado várias declarações de que as
instituições garantidoras da democracia podem ser desprezadas. Entre essas
instituições, está a imprensa.
O
governo Bolsonaro tem feito críticas muito contundentes à imprensa, mas sem
apontar problemas e soluções reais. Tem feito críticas desqualificando os
veículos e culpando os jornalistas.
Ele
também tem atuado para aniquilar a participação da sociedade civil nos
conselhos de governo que estavam instituídos, ao mesmo tempo em que tenta
aniquilar as entidades sindicais.
Sobre este tema, observamos que
as condições de trabalho para os jornalistas estão piorando: demissões em
massa, pressão por aumento da produtividade, redução de
salários, aumento da violência. Em contrapartida, há uma fragilização dos
sindicatos. Quais as perspectivas de atuação dessas entidades
neste contexto?
Com a
pulverização da principal fonte de financiamento das empresas
jornalísticas, que é a publicidade, em vez de buscar se recolocar no mercado
pela qualidade, optou-se pelo mais fácil, que é enxugar o quadro,
demitir. Houve, de fato, a partir de 2015, diminuição de postos de
trabalho para jornalistas no Brasil, em razão do enxugamento das redações,
precarizando ainda mais as relações e as condições de trabalho.
O
jornalista, antes mesmo da contrarreforma trabalhista, já enfrentava o que é,
para mim, uma das piores situações para o trabalhador, que é o trabalho
intermitente. Você não tem nenhum vínculo de trabalho, não tem salário, e
recebe apenas pelo trabalho executado quando a empresa te chama.
Como
resolver? Não há outra forma de enfrentamento a não ser a organização dos
trabalhadores. Os sindicatos estão enfraquecidos e os jornalistas precisam
fortalecer os seus sindicatos. Não é porque a situação está adversa que o
profissional vai abandonar a sua entidade. É exatamente o contrário.
Algum
trabalhador ou trabalhadora acha que seu patrão vai repor as perdas salariais
voluntariamente? Eu desconheço categorias de patrões que façam isso sem a luta
dos sindicatos em conjunto com suas categorias. É preciso haver essa
valorização, é preciso haver uma diversificação do trabalho das entidades
sindicais, inclusive ampliando e se somando à luta política
pela democracia no Brasil.
Fonte: Brasil de Fato
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