Glenn Greenwald, o jornalista que está desmascarando a Lava
Jato, tem um veredito, depois de examinar o enorme volume de conversas e
mensagens de Sérgio Moro e da equipe da Lava Jato: "É incrível porque,
para mim, o tempo todo, a grande mídia não estava reportando sobre a Lava Jato,
ela estava trabalhando para a Lava Jato"; ele avisa que as próximas
reportagens revelarão as conexões espúrias entre a Lava Jato e a mídia conservadora
247 - O jornalista
Glenn Greenwald, de posse de um enorme volume de conversas e mensagens de
Sérgio Moro e da equipe da Lava Jato, que começaram a ser divulgadas na
"Vaza Jato" no último domingo tem um veredito claro sobre a mídia
conservadora do país: "É incrível porque, para mim, o tempo todo, a grande
mídia não estava reportando sobre a Lava Jato, ela estava trabalhando para a
Lava Jato". Ele avisa que "nós vamos reportar", ou seja, a série
de reportagens que será publicada revelará as conexões espúrias entre a Lava
Jato e a mídia conservadora.
As declarações de Greenwald estão em
entrevista ao jornalista Thiago Domenici, da Agência Pública,
que você pode ler a seguir:
“Se você não quer esses riscos, você não
deve fazer jornalismo”, afirma Glenn Greenwald sobre a série do The Intercept
Brasil que revelou no último domingo trocas de mensagens nada republicanas
entre o então juiz federal Sérgio Moro e a força-tarefa da Lava Jato.
As revelações, frutos de documentos
enviados por uma fonte anônima, podem ter influenciado os rumos das últimas
eleições no país e seu conteúdo dinamitou uma série de reações em todas as
esferas de poder e da opinião pública.
Na entrevista à Pública, Greenwald fala
sobre as reações dos envolvidos e trata da cobertura da imprensa sobre a Lava
Jato antes e depois das reportagens do The Intercept Brasil. “Quando a grande
mídia transforma Moro e a Força Tarefa em deuses ou super heróis, se torna
inevitável o que aconteceu. Os jornalistas pararam de investigar e questionar a
Lava Jato e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando e ajudando”, avalia.
Segundo ele, há exceções como a Folha de
S. Paulo e jornalistas independentes. E pondera: “preciso falar que depois de
publicar o que publicamos, acho que com uma exceção, que é a Globo, a grande
mídia está reportando o material de forma mais ou menos justa, com a gravidade
que merece”.
Durante o processo de recebimento do
material da fonte anônima e da própria produção das reportagens quais foram os
momentos mais complicados na tomada de decisão jornalística? Como foi esse
processo para vocês?
Para mim foi muito parecido com a
reportagem que fizemos com o caso Snowden. Quando você recebe um arquivo
gigante, é muito difícil, num primeiro momento, entender o que você tem e o
contexto dos documentos que estão nesse arquivo. Segundo, quais os principais
documentos que você vai usar, porque, obviamente, estamos lendo conversas
privadas entre pessoas, e tem a questão do direito à privacidade mas, por outro
lado, essas pessoas estão usando o poder público, então também precisam de
transparência — exatamente o que eles fizeram quando interceptaram e divulgaram
as conversas privadas do Lula.
Como você avalia a repercussão
a partir da própria imprensa brasileira? Hoje, por exemplo, você disse que “a
estratégia da Globo é a mesma que os governos usam contra aqueles que revelam
seus crimes” e que “a Globo é sócia, agente e aliada de Moro e Lava Jato”.
É incrível porque, para mim, o tempo todo,
a grande mídia não estava reportando sobre a Lava Jato, ela estava trabalhando
para a Lava Jato. Com uma exceção que é a Folha de S. Paulo. A Folha, para mim,
manteve uma distância, uma independência, estava criticando, questionando… Mas
a Globo, Estadão, Veja, o tempo todo estavam simplesmente recebendo vazamentos,
publicando o que a Força Tarefa queria que eles publicassem. Mas, na realidade,
preciso falar que depois de publicar o que publicamos, acho que com uma
exceção, que é a Globo, a grande mídia está reportando o material de forma mais
ou menos justa, com a gravidade que merece.
Por exemplo, o editorial
de hoje [dia 11] do Estadão — que era um dos maiores fãs do
Moro — falando que ele deve renunciar e Deltan ser afastado. Isso mostra a
gravidade das revelações.
A única exceção é a Globo mas essa é uma
exceção enorme por causa do poder do Jornal Nacional que está quase tratando a
história somente como um crime — e o único crime que interessa é o da nossa
fonte, que eles acham que ela cometeu. Eles não têm quase nenhum interesse nas
gravações e no comportamento do Moro, do Deltan. Eles estão falando sobre o
comportamento da fonte e, na realidade, eles não sabem nada. Mas é interessante
por que isso é comportamento de governo.
Como assim?
Quando você denuncia ações de corruptos ou
trata de problemas sobre o governo, ele sempre tenta distrair falando somente
sobre quem revelou essa corrupção, quem divulgou esses crimes para criminalizar
pessoas, jornalistas ou fontes que revelaram o material. Essa estratégia, não
dos jornalistas, é o que a Globo está usando. Porque a Globo e a força-tarefa
da Lava Jato são parceiras. E os documentos mostram isso, né? Não é só eu que
estou falando isso por causa da Globo. Os documentos mostram como Moro e Deltan
estão trabalhando juntos com a Globo e nós vamos reportar, então eu sei disso
já e a reportagem está mostrando. Mas o resto da grande mídia está tratando a
história com a gravidade que merece. É impossível para todo mundo que está
lendo esse material defender o que Moro fez. Impossível!
Se eu entendi, Glenn, você está
me dizendo que os documentos que vocês ainda estão trabalhando vão apontar uma
relação mais próxima da Globo nesse processo com Dallagnol e Moro, é isso?
Eu não posso falar muito sobre os
documentos que ainda não publicamos porque isso não é responsável. Precisa
passar pelo processo editorial mas, sim, posso falar que exatamente como disse
hoje, a Globo foi para a Força Tarefa da Lava Jato aliada, amiga, parceira,
sócia. Assim como a Força Tarefa da Lava Jato foi o mesmo para a Globo.
Muita gente está querendo saber
qual vai ser o próximo passo do The Intercept Brasil, as próximas reportagens.
Queria que você esclarecesse o que é fundamental para essa apuração estar
pronta jornalisticamente, para que vocês soltem novas revelações.
Não somos o Wikileaks. Não estamos
simplesmente publicando material que nós temos, sem contexto ou reportando sem
entender, sem analisar, sem pesquisar. Estamos fazendo jornalismo. E esses
documentos são complexos. Entendo que todo mundo queira ver o que nós temos
porque esse material tem interesse público e eles [o público] têm o direito de
ver. Mas, por outro lado, nós temos a responsabilidade jornalística para usar o
tempo que precisarmos para confirmar que tudo que nós estamos reportando é
verdade. Por que se nós cometermos um erro, eles vão usar isso contra a gente
para sempre, para atacar nossa credibilidade, da reportagem, de tudo. Por
exemplo, todo mundo está falando: “onde estão os áudios?”. É muito complicado
reportar áudios. Precisa confirmar quem está falando, precisa confirmar o
contexto sobre o que estão falando. Precisa conectar isso com outros materiais,
outros documentos e isso leva tempo. Nós vamos publicar logo, mas nós não vamos
correr. Nossa prioridade é confirmar que tudo que estamos reportando está
informando o público e não enganando o público, como eles fizeram.
Na sua avaliação, até pelo fato
de você também ser advogado, se um escândalo como esse, que envolve um ministro
da Justiça, fosse nos Estados Unidos, por exemplo, você acha que o ministro
conseguiria se manter no cargo? E, pessoalmente, você acha que o Moro deveria
renunciar ao Ministério da Justiça?
Eu tenho um amigo, dos meus melhores
amigos da vida desde os 11 anos, agora um advogado na Flórida, que depois de
ler nosso material, disse: “Se um juiz fizesse o que Moro fez, sem dúvida, esse
juiz seria retirado, provavelmente não seria promovido porque é uma infração
muito grave, colaborando com um lado e fingindo ser neutro”. Ele me disse ainda
que todas as decisões desse juiz ficariam sob dúvida e que é impensável que o
juiz pudesse manter qualquer cargo público, muito menos ser ministro da
Justiça. Porque agora todos nós sabemos, porque nós lemos exatamente o que ele
fez, o que ele disse, que ele vai quebrar qualquer regra de ética que ele
quiser para realizar os objetivos dele.
Advogados brasileiros — que não são muito políticos — ficaram chocados e
ofendidos quando olharam o material e eu também — porque o juiz tem muito
poder, e com esse poder vêm muitas responsabilidades, muitas regras éticas. É
um poder enorme para condenar alguém e botar alguém na prisão. E o Moro não
quebrou uma regra uma vez, mas o tempo todo ele estava mostrando que ele não se
importa nem um pouco com essas regras. Ele achou que era totalmente acima da
lei e das regras, e é impossível ter alguém como juiz ou como Ministro da
Justiça com essa mentalidade.
Como você avaliou a reação do
Moro? Por exemplo, o primeiro pronunciamento escrito foi tuitar sua própria
nota oficial via site do Antagonista. O que isso significa?
Primeiro, ele está usando o Antagonista
para muitas coisas, o tempo todo. Ele está sempre citando o Antagonista,
vazando para o Antagonista, todo mundo sabe disso…
O fato de ele usar o Antagonista mostra,
para mim, que agora ele sabe que é o único apoio que vai ter — a identidade
dele não é mais de juiz apartidário, agora Moro sabe que é uma figura da
direita extremista.
E ele vai continuar assim porque todo
mundo sabe que Moro não é uma pessoa contra a corrupção mas uma pessoa que faz
corrupção quando quiser. E usar o Antagonista mostra que a única preocupação é
o que a direita está pensando sobre os comportamentos dele.
E a reação dele, o que achou?
Foi totalmente arrogante, ele está quase
falando: “Está me incomodando ter que responder isso”. E achei muito
interessante a arrogância porque é exatamente: “Eu sou Sérgio Moro, eu não devo
ser questionado, muito menos acusado”. É justamente essa arrogância que causou
esse comportamento antiético: porque ele acha que está acima de tudo.
O vazamento do The Intercept
Brasil demonstrou mais uma vez a importância de informações vazadas para
jornalistas. O caso de pedido da extradição de Julian Assange foi pouco tratado
na imprensa brasileira [Assange está com pedido de extradição para os Estados
Unidos com 17 acusações como de espionagem e conluio para obter informações
secretas]. Isso pode abrir precedente, com implicações até mesmo fora dos EUA?
Com certeza. Esse é o perigo principal que
estão mostrando outros países que tentam criminalizar o jornalismo falando que,
se você publica documentos secretos, que é o papel do jornalista, você pode ser
processado criminalmente como parte dessa teoria de que está conspirando com a
sua fonte. Antes desses episódios, sempre os jornalistas tiveram o direito de
publicar qualquer material que eles recebessem, independentemente de como a
fonte conseguiu obter os documentos. E esses casos, essas apreensões, são
perigosas exatamente porque eliminam essa separação entre jornalista e fonte.
Você acha que a imprensa
brasileira cobriu mal a Lava Jato durante esses mais de 5 anos? Queria que você
me dissesse se sim ou se não e se você acha que foi falta de capacidade de
investigação ou opção política?
Não. Acho que tiveram boa intenção.
Corrupção é muito comum aqui no Brasil na direita, esquerda e no centro. Todo
mundo chegou no limite e não aguentava mais. Eu entendo o apoio a Lava Jato ao
ver políticos poderosos e bandidos finalmente na prisão, é natural. Eu também
elogiei a Lava Jato, às vezes, por causa disso. Mas, exatamente como acontece
com todos os humanos, qualquer grupo de pessoas que têm poder, como a Lava
Jato, também tem a capacidade de abusar desse poder. E quando a grande mídia
transforma Moro e a Força Tarefa em deuses ou super heróis, se torna inevitável
o que aconteceu. Os jornalistas pararam de investigar e questionar a Lava Jato
e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando e ajudando.
Como eu disse, com exceção da Folha, que
ficou sempre um pouco mais distante e mais independente e, obviamente, muitos
jornalistas independentes. Estou falando sobre a grande mídia.
Eu vi que o Antagonista
publicou que “uma denúncia anônima foi protocolada junto ao Ministério Público
Federal contra o The Intercept”. E a gente está vendo desde a publicação da
reportagem inúmeros ataques a você, ao seu companheiro David Miranda [deputado
federal pelo PSOL], ataques homofóbicos, gente pedindo a sua deportação. Enfim,
questões que te atingem pessoalmente. Você, sua família e também a equipe do
The Intercept Brasil têm uma estratégia de defesa legal e digital? Como vocês
estão pensando a questão da segurança daqui para frente?
Sim. Eu e meu marido estivemos juntos no
caso do Snowden e nós lutamos contra os governos mais poderosos do mundo e a
CIA, NSA Reino Unido… Estávamos sendo ameaçados o tempo todo. Então, nós já
conhecemos essas questões muito bem. Eu moro aqui no Brasil há 14 anos, então
conheço o Brasil muito bem. Eu sei como funciona.
Nós ficamos muitas semanas planejando como
proteger a nos e a nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos
políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação. Nós estamos prontos.
Mas não existe nenhuma vida sem riscos. Não se pode eliminar riscos, pode-se
tomar medidas para minimizar. Então, a equipe do The Intercept Brasil, que não
tem a proteção como alguém com a minha visibilidade, que é casado com um
deputado federal… Eles são jovens, 25, 30 anos, e são muito corajosos fazendo
esse trabalho destemido. Sim, é muito perigoso, obviamente, e sou alvo dessa
campanha para me expulsar do país, chamando-me de inimigo do Brasil, ameaça a
segurança nacional e que devo ser preso.
Mas nós sabíamos que tudo isso iria acontecer,
mas o que podíamos fazer? Têm jornalistas cobrindo guerras. Têm jornalistas sem
visibilidade investigando corrupção contra pessoas muito perigosas.
Se você não quer esses riscos, você não
deve fazer jornalismo.
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