Diante da gravidade das infrações cometidas por Sergio Moro e
Deltan Dallagnol, entre outros cujos nomes estão por vir em novas reportagens,
o meio especializado tem dito que não apenas o caráter desses dois está em
cheque. A reputação do CNMP e do CNJ – enquanto instituições da República –
também estará caso ambos não sejam punidos
Da Rede
Brasil Atual – A troca de mensagens entre o ex-juiz e atual ministro
da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o procurador da República Deltan
Dallagnol, responsável pela Lava Jato, e outros integrantes da operação
ratificou suspeitas e críticas de que o ex-magistrado atuava também como
investigador, além de julgador dos casos. Entre as conversas reveladas pelo
site The Intercept Brasil, estão a combinação de ações, cobranças sobre a
demora em realizar novas operações, orientações e dicas de como a força-tarefa
da Lava Jato deveria proceder.
O Intercept revelou que até o
procurador tinha dúvida sobre as acusações de propina da Petrobras horas antes
da denúncia do caso do tríplex no Guarujá. E que a equipe de Ministério Público
Federal atuou para impedir a entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva antes das eleições por medo de que ajudasse a eleger o candidato do PT à
Presidência, Fernando Haddad. Cooperação ilegal, motivações políticas e
sustentação de uma acusação frágil revelam os bastidores da condenação do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A RBA listou alguns aspectos
importantes do que foi revelado até agora para tentar ajudar o leitor a
traduzir o "juridiquês".
1. Separação de funções
No Brasil, o sistema de justiça funciona com partes separadas. A
Constituição não considera o Ministério Público – estadual ou federal – como
parte do Poder Judiciário. O MP representa a sociedade. A ele cabe reunir
provas, formular a denúncia e sustentar a acusação – seus integrantes têm,
então, procuração constitucional para advogar em nome da sociedade. Aos juízes
e desembargadores, cabe julgar com base nas provas e argumentos, de acusação e
de defesa.
Moro auxiliou procuradores do
Ministério Público Federal (MPF) e até sugeriu a alteração de ordem das fases
da Operação Lava Jato. Perguntava o motivo de alguns pedidos do MPF e orientava
a melhor forma de encaminhar as petições. Em um mês que não houve novas
operações, Moro cobrou Dallagnol se não era "muito tempo sem
operação".
2. O que é um juiz imparcial?
O Código de Ética da Magistratura proíbe essa relação entre juiz e
procuradores. Em seu artigo 8 diz claramente: "O magistrado imparcial é
aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento,
mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes
(acusação e defesa), e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito".
Mas, além de opinar sobre as
ações do MPF, Moro também chegou a propor uma resposta conjunta quando o PT
emitiu notas criticando a atuação da Operação Lava Jato. "O que acha
dessas notas malucas do diretório nacional do PT? Deveríamos rebater
oficialmente? Ou pela Ajufe (Associação de Juízes Federais)?", questiona o
ex-juiz a Dallagnol.
3. Juiz suspeito
O Código de Processo Penal também é muito claro sobre os limites da
atuação do juiz. O artigo 254 define que o magistrado deve se declarar suspeito
de julgar um processo, entre outros motivos, "se tiver aconselhado
qualquer das partes".
Moro não só aconselhou como
incentivou e ofereceu pessoas a serem ouvidas pelos procuradores, com o
objetivo de garantir o andamento do processo de acordo com seu objetivo.
4. A lei deveria ser para todos
Moro e Dallagnol também discutiram sobre contra quem dirigir investigações
ou não. Quando 77 executivos da empreiteira Odebrecht apresentaram seus
relatos, estariam implicados mais 150 nomes do mundo político. Embora
costumassem dizer publicamente que "a lei é para todos", ambos
conversaram sobre quem recairia a aplicar a lei.
Quando recebeu uma lista um
pouco mais detalhada sobre os envolvidos, Moro foi categórico em dizer que as
investigações deveriam ter foco sobre o Poder Executivo – à época em que o país
fora presidido pelo PT. "Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais.
Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do MP e
judiciário", escreveu o atual ministro da Justiça quando era juiz.
5. Processo capenga
Para garantir que o processo ficasse em Curitiba, nas mãos de Sergio Moro,
Dallagnol fez uma manobra arriscada. Vinculou os supostos benefícios a Lula no
caso do triplex de Guarujá ao esquema de corrupção na Petrobras. Para sustentar
essa tese, o procurador não se fiou a provas robustas ou testemunhos
inquestionáveis, mas a uma reportagem do jornal O Globo sobre o atraso nas
obras do Edifício Solaris quando este ainda pertencia à Bancoop.
"A denúncia é baseada em
muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na
comunicação evitamos esse ponto", avisou o procurador a Moro. Para dar
mais força à denúncia, ele estava ciente que era preciso conquistar a induzir a
opinião pública. E não o juiz com quem trocava mensagens quase diariamente. E o
fez: construiu uma apresentação de slides em powerpoint e colocou Lula como
"chefe" de um esquema de corrupção gigantesco, chamando-o de
"líder máximo", mesmo sem ter prova alguma, apenas
"convicções".
6. Agentes públicos x
privacidade
"Ah, mas as conversas foram obtidas por um hacker. Foi um crime. As
autoridade têm direito à privacidade", alegam alguns apoiadores do esquema
Lava Jato. Ainda que a obtenção das informações tenham sido obra de um hacker,
a divulgação não. Como se tratam de informações de interesse público, de
ilegalidades cometidas por agentes públicos no exercício da função, os
jornalista do Intercept se consideraram na obrigação de divulgar (avisando que
foi só início). E quando se trata de má conduta de servidores públicos não cabe
evocar direito à privacidade, com escreveu o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes.
É provável que Moro, Dallagnol
e os demais procuradores da Lava Jato não possam ser punidos com base em uma
prova obtida dessa forma. Por outro lado, a contaminação dos processo em que
eles atuaram pelo que foi revelado pode levar a anulação de condenações e de
processos que ainda estão em andamento.
7. Inflando protestos
As motivações políticas de Moro e Dallagnol ficam evidentes em uma
conversa de 13 de março de 2016, quando as manifestações contra o governo da
presidenta Dilma Rousseff atingiram o ápice. O ex-juiz diz querer "limpar
o Congresso". O diálogo entre eles revela que as ações da Lava Jato
buscavam influenciar a opinião pública contra o governo petista.
Dallagnol: E parabéns pelo
imenso apoio público hoje. Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para
reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal.
Moro: Fiz uma manifestação
oficial. Parabéns a todos nós.
8. Aos inimigos, nem a lei
Apesar de reclamar da divulgação de suas conversas, Moro e Dallagnol
dialogaram sobre a revelação das conversas grampeadas ilegalmente entre Lula e
Dilma, quando ela o indicou para o cargo de ministro da Casa Civil. No cargo,
Lula empregaria de sua capacidade política para tentar conter a escalada da
crise que derrubaria Dilma naquele mesmo ano. A ação era ilegal: um juiz de
primeira instância não pode autorizar grampo telefônico contra a presidência da
República e a gravação foi obtida após o prazo limite da decisão que permitiu o
grampo nos aparelhos de Lula.
Moro chegou a pedir desculpas
públicas, mas nas conversas com Dallagnol se dizia convicto de ter agido
conforme seus objetivos. "Não me arrependo do levantamento do sigilo. Era
melhor decisão. Mas a reação está ruim", escreveu o ex-juiz.
9. Operação anti-PT
Os procuradores da Lava Jato atuam de modo "técnico, imparcial e
apartidário, buscando a responsabilização de quem quer que tenha praticado
crimes no contexto do mega-esquema de corrupção na Petrobras", segundo
escreveu Dallagnol nas redes sociais. Mas quando o STF autorizou uma entrevista
de Lula ao jornal Folha de S. Paulo, o partidarismo da equipe ficou evidente.
Tanto em lamentações quanto em ações para impedir a entrevista. O medo? Que
Lula ajudasse Fernando Haddad a vencer a eleição.
Nas trocas de mensagens, os
procuradores buscam formas de impedir a entrevista: descumprir a decisão
judicial buscando brechas legais, alegar que a decisão valia para todos os
condenados na Lava Jato, convidar outros veículos de comunicação à revelia da
decisão judicial. Quando o STF acatou pedido do Partido Novo contra a
entrevista, os procuradores deixaram qualquer profissionalismo de lado e
comemoraram como final de campeonato: "Devemos agradecer à nossa PGR:
Partido Novo!!!"
10. Quem investiga procurador e
juiz
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) é o órgão encarregado de
controlar e fiscalizar a atuação dos órgãos integrantes do Ministério Público
nacional e de seus membros. Integrantes do CNMP já pediram que a conduta de
Deltan Dallagnol seja investigada.
O conselho é presidido pela
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e composto por outros 13 membros:
quatro provenientes do Ministério Público Federal; três dos MPs estaduais; dois
juízes, indicados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal
de Justiça (STJ); dois advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB); e dois cidadãos de notório saber jurídico, indicados
pela Câmara e pelo Senado.
Por sua, vez, condutas
consideradas suspeitas por parte de magistrados são investigadas pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). O órgão é presidido pelo presidente do STF, e um
ministro do STJ exerce a função de corregedor. Os outros 13 demais integrantes
são: um ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST); um desembargador de
Tribunal de Justiça (TJ, segunda instância da esfera estadual); um juiz
estadual; um juiz do Tribunal Regional Federal (TRF, segunda instância na
esfera federal); um juiz federal; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho
(TRT); um juiz do trabalho; um membro do MPF; um membro de MP estadual; dois
advogados (OAB); e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada,
indicados por Câmara e Senado.
Muita gente critica o fato de
se ter poucas notícias de punição a procuradores ou juízes porque eles são
investigados por seus próprios pares. Portanto, o corporativismo acaba fazendo
com que denúncias não sejam levadas adiante. Diante da gravidade das infrações
cometidas por Sergio Moro e Deltan Dallagnol, entre outros cujos nomes estão
por vir em novas reportagens, o meio especializado tem dito que não apenas o
caráter desses dois está em cheque. A reputação do CNMP e do CNJ – enquanto
instituições da República – também estará.
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