Gravações
telefônicas entregues à Polícia Federal (PF) por um doleiro colaborador da
Operação Lava Jato registram o diretor administrativo do Corinthians, André
Luiz de Oliveira, conversando com um operador sobre o que seriam duas entregas
de dinheiro da Odebrecht em seu apartamento no Tatuapé, zona leste de São
Paulo, em 2014.
André
Negão, como é conhecido, foi apontado por delatores da empreiteira como
intermediário dos repasses de R$ 3 milhões de caixa 2 destinados ao ex-deputado
federal pelo PT e presidente corintiano Andrés Sanchez, identificado na
planilha da Odebrecht pelo codinome “Timão”. Andrés foi eleito deputado em
outubro daquele ano.
Ambos
são investigados em um inquérito que tramita sob segredo de Justiça no Tribunal
Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3). Arquivos da empreiteira apreendidos
pela PF mostram que os supostos pagamentos a Andrés foram providenciados por
Antonio Roberto Gavioli, que foi diretor de contrato na Odebrecht
Infraestrutura, vinculada à obra da Arena Corinthians.
O
documento atrelava os pagamentos ilícitos à construção do estádio corintiano,
erguido pela Odebrecht ao custo de R$ 1,1 bilhão e inaugurado em maio de 2014
para receber o jogo de abertura da Copa no Brasil.
Os dois áudios, obtidos com exclusividade pelo Estado, foram gravados em agosto
e outubro de 2014 pela equipe do doleiro Álvaro José Novis, responsável por coordenar
os pagamentos ilícitos da Odebrecht em São Paulo e no Rio, de acordo com as
investigações da PF.
Novis
fechou acordo de delação premiada com a Lava Jato após ser preso em 2017 e
entregou aos investigadores todas as gravações feitas automaticamente por sua
corretora de valores e câmbio desde 2010. Os arquivos, que ainda estão sob
sigilo, são considerados pelos investigadores as provas mais fortes que
complementam as delações da Odebrecht.
Nos
dois áudios, André Negão, que é homem de confiança e ex-assessor parlamentar de
Andrés, conversa com Márcio Amaral, funcionário do doleiro encarregado de
agendar as entregas de dinheiro a partir do cronograma definido pelo
Departamento de Operações Estruturadas da empreiteira, o setor que cuidava das
propinas.
FILHA – Na primeira
chamada, às 10h38 de 18 de agosto de 2014, Amaral liga no celular de André
Negão e diz: “Deixa eu te explicar, tem um restante de uma encomenda que eu te
entreguei na sexta-feira (15 de agosto) que nós marcamos hoje de 10h às 12h lá
no mesmo local, meu pessoal tá lá”.
O braço direito de Andrés diz que não havia sido avisado sobre a entrega e que
estava longe do ponto de encontro. O dirigente corintiano pede então para que a
“encomenda” seja entregue à filha Gabriela. “Então você vai fazer o seguinte: a
minha filha tá lá, eu vou pedir para entregar na mão dela, vou pedir pra ela
descer lá”, diz André Negão. “Tá. Eu vou pedir para o meu pessoal então
entregar à Gabriela”, finaliza o funcionário do doleiro.
Registros
de conversas via Skype entre funcionários da Transnacional, a transportadora de
valores que executava as entregas nos imóveis, apontam uma entrega de R$ 1
milhão para “André Oliveira” em um apartamento na Rua Emílio Mallet, em 15 de
agosto de 2014. O endereço indicado é a residência oficial de André Negão.
O
caso foi revelado pelo Estado em setembro do ano passado. A data, o valor de R$
1 milhão e a senha “planador” que aparecem na mensagem do Skype são os mesmos
contidos na planilha da Odebrecht vinculados ao codinome “Timão”, atribuído a
Andrés e atrelado à construção da Arena Corinthians.
As
mensagens de Skype mostram ainda que R$ 250 mil do pagamento em 15 de agosto
ficaram “pendentes” e foram entregues, segundo as conversas registradas pela
transportadora, três dias depois, na mesma data da ligação do funcionário do
doleiro para André Negão.
À época da publicação, o advogado João dos Santos Gomes Filho, que defende
Andrés Sanchez, afirmou que os agentes da transportadora “não reconheceram”
André Negão por foto como sendo o receptor da suposta entrega de dinheiro. “É
lamentável que uma prova de conhecimento negativa seja obnubilada por uma
tentativa de fixar um endereço”, disse na ocasião.
Em
um segundo áudio, gravado em 22 de outubro de 2014, após a eleição de Andrés
como deputado federal, Amaral liga para André Negão às 14h28 dizendo que havia
tido um atraso na entrega. “Meu amigo, houve um atraso hoje, eu sei que
marcaram aí com você hoje de 10h às 12h, né. Já chegaram?”, pergunta. “Tão
chegando”, confirma André Negão.
Uma
planilha feita pelo ex-gerente da Transnacional, Edgard Venâncio, e obtida pelo
Estado, mostra uma entrega de R$ 500 mil feita no dia 22 de outubro de 2014 no
apartamento de André Negão com a senha “alface”. No arquivo aparece o número de
telefone usado até hoje pelo dirigente corintiano.
O inquérito que investiga Andrés Sanchez e André Negão foi encaminhado para o
TRF-3 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é que a investigação
seja enviada para a Justiça Eleitoral de São Paulo, a exemplo de outros casos
em que os pagamentos da Odebrecht seriam referentes a caixa 2 de campanha
política.
Segundo
planilha feita por Benedicto Júnior, ex-executivo da Odebrecht, o presidente do
Corinthians recebeu quatro repasses da empreiteira por meio de André Negão:
dois no valor de R$ 1 milhão e outros dois de R$ 500 mil. Os envolvidos sempre
negaram tal recebimento e as investigações ainda estão em curso.
Em
março de 2016, quando ocupava a vice-presidência do clube, André Negão chegou a
ser preso em flagrante pela PF em seu apartamento por posse ilegal de arma. Ele
estava com duas pistolas. Depois de autuado, pagou fiança de R$ 5 mil e foi
solto.
VOZ –
A reportagem encaminhou os áudios para os advogados de defesa de Andrés e André
Negão. Ambos reconheceram a voz do dirigente corintiano nas gravações, mas
disseram desconhecer o contexto, vinculado a pagamentos ilícitos da Odebrecht.
“Conversei com meu cliente e ele desconhece totalmente as circunstâncias do
áudio. Ele recebe entregas diversas, todo dia, como nós em nosso escritório.
Não tem a menor noção do que seja”, afirmou Júlio Clímaco, advogado de André
Negão. “Ele reconhece a voz dele, mas não neste contexto. Não recebeu (dinheiro
da Odebrecht) de maneira nenhuma e tem tranquilidade com relação a isso”,
completou.
Já
o advogado de Andrés Sanchez afirma que “não há uma única menção” ao nome do
presidente do Corinthians nas gravações e reitera que o petista “não pediu nem
recebeu dinheiro da Odebrecht”. “Nesses dois áudios não vejo o nome do Andrés,
eu ouço a voz do André. O contexto, embora você esteja relacionando uma coisa (gravação)
com outra (planilha), eu não posso fazer isso. É absolutamente esparso. O que
posso dizer é que o Andrés nunca autorizou ninguém a pedir ou receber nada da
Odebrecht em nome dele. E o André Negão que nunca pediu e nunca recebeu nada”,
afirmou o advogado João Gomes. Ele disse que vai submeter os áudios a uma
perícia. “Pelo que vi é mais do mesmo, a mesma matéria requentada”, disse.
Fonte: Isto É
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