Especialistas se queixam de falta de diálogo com
governo e apontam risco de mais encarceramento
Ministro da Justiça e ex-juiz federal, Sérgio Moro é autor do PL 882/2019, conhecido como pacote "anticrime" / Lula Marques |
O pacote
"anticrime", apresentado pelo Poder Executivo por meio do ministro da
Justiça e ex-juiz federal, Sérgio Moro, vem colecionando opositores de
diferentes áreas. Entidades da sociedade civil organizada
expressam preocupações em relação à medida, que tramita na Câmara dos
Deputados como Projeto de Lei (PL) 882/2019.
Segundo
a presidenta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim), Eleonora
Rangel Nacif, um dos problemas seria o fato de o governo não ter ouvido
especialistas antes de formular o conteúdo da proposta.
"Os
governos sempre têm que dialogar com a população. Isso é um pressuposto
básico. Mas, também [precisam] ouvir os especialistas, porque nós não
tiramos dados da nossa cabeça. Temos pesquisas empíricas que mostram que o
encarceramento não resolve a questão da segurança pública", argumenta. "É
por isso que a gente tem que ouvir os especialistas: para que eles possam
apontar caminhos constitucionais para garantir os direitos dos cidadãos e
cidadãs e, ao mesmo tempo, pensar a questão da violência e da criminalidade com
um olhar mais racional", completa.
Apresentado
em fevereiro deste ano, o PL modifica trechos de 14 leis. Um dos pontos mais
criticados é a mudança no artigo 25 do Código Penal para tratar como casos de
legítima defesa os ataques praticados por agentes de segurança pública em
situações de conflito armado ou risco de conflito. Outro aspecto
polêmico é a legitimação da prisão de réus após condenação em segunda
instância.
O
advogado Hugo Leonardo, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de
Defesa (IDDD), sublinha que, apesar de ser apresentada como uma proposta para
reverter os altos índices de violência, a medida tende a trazer resultados no
sentido contrário. Na interpretação dele, o PL fere a Constituição
Federal, e a política de aprisionamento contribui para alimentar a atuação das
facções criminosas nos presídios, com maior cooptação de jovens em
situação de vulnerabilidade.
“Ele
vem simplesmente no sentido de estabelecer maior punição – cadeia, diga-se
em português claro – sem que haja qualquer enfrentamento das causas dessa
criminalidade”, critica.
O
movimento Mães de Manguinhos, composto por mulheres da Favela de Manguinhos, no
Rio de Janeiro, que têm filhos encarcerados ou que foram assassinados pela
polícia, também é crítico ao projeto. Eliene Maria Vieira, integrante do movimento,
ressalta que a medida incentiva o racismo institucional. Ela chama a atenção
para o fato de que a maioria da população carcerária no país é negra e de
baixa renda.
A
realidade está exposta em dados oficiais do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (Infopen), segundo o qual pretos ou pardos
correspondem a 61,7% do total de presos no Brasil. Além disso, 75% dos
encarcerados têm até o ensino fundamental completo, o que é considerado um dos
sinalizadores da situação de baixa renda.
As mortes
praticadas por agentes de segurança do Estado escancaram esse recorte: de cada
dez assassinatos cometidos por policiais no Brasil, sete são contra a população
negra, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
“A
gente nunca pode deixar de falar que esse encarceramento e esse genocídio têm
cor. Tem pessoas dentro do sistema que já não deveriam estar lá por ‘n’
motivos, e você só vê políticas de encarceramento, de genocídio. Aí vamos
encarcerar e matar cada vez mais”, afirma Vieira.
A deputada
federal Áurea Carolina (Psol-MG), da Comissão de Segurança Pública e Combate ao
Crime Organizado da Câmara, também vê o pacote "anticrime" com
preocupação. Segundo ela, o debate sobre o PL não considera fatores de
ordem social.
"Não
há hoje, no Brasil, uma política de segurança cidadã efetiva, baseada em
evidências, que consiga prevenir a criminalidade e criar alternativas pras
comunidades que não seja entupir as cadeias de gente pobre, negra,
sofredora", lamenta a parlamentar. "Não é possível a gente
enfrentar o grave problema da violência urbana, dos índices altíssimos de
homicídio e feminicídio, entre outras formas de violência, sem discutir o
acesso a educação, infraestrutura urbana, moradia de qualidade, cultura, entre
outras garantias de cidadania", analisa.
Mobilização
Para
tentar viabilizar um canal de diálogo mais amplo a respeito do tema que
circunda o PL, entidades da sociedade civil estão investindo em diversas
frentes. Uma delas é a campanha “Pacote anticrime: uma solução fake”, lançada
na última quarta-feira (27) por mais de 40 organizações em Brasília
(DF). O movimento inclui também as Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e do
Rio Grande do Sul.
De
acordo com a presidenta do IBCcrim, Eleonora Rangel Nacif, a ideia é se
contrapor à campanha midiática de defesa do PL, encampada pelo governo
Bolsonaro, e dar mais capilaridade ao debate.
"A
mídia tem divulgado esse pacote como algo benéfico, como algo contra a
corrupção. Na verdade, ele é mais um instrumento de opressão contra a população
pobre, negra e periférica. A gente precisa mostrar que isso tudo é fake, é
falso, uma cilada”, explica.
Como
parte da agenda de mobilizações, estão previstas, por exemplo, visitas de
entidades da campanha a gabinetes de parlamentares no Congresso Nacional.
Fonte:
Brasil de Fato
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