Cerca de 130 famílias vivem há 20 anos no
território, que fica em Arapongas, norte do Paraná
A produção e comercialização do assentamento é organizada pela Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa, a Copran. / Wellington Lenon |
“Aqui não existia
passarinho, porque não existia árvore”, resgata da memória o camponês Alencar
Hermes, sobre o que viu quando chegou, com a esposa e três filhos, na área onde
hoje está o assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas, norte paranaense. “Como
era uma área de extensão agrícola, quando dava um pequeno vento ficava um
poeirão inacreditável”.
Duas
décadas depois, o cenário relembrado por Alencar ficou apenas na memória. Hoje,
o assentamento é coberto por diversidade produtiva, local de moradia e geração
de renda para 130 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). Por acumular dívidas, os cerca de 400 alqueires da fazenda de sementes
Balu foram desapropriados e destinados para a reforma agrária em 1999.
Os 20
anos de resistência e conquistas do assentamento foram festejadas na última
sexta-feira (15), com a presença de 1.500 pessoas, entre assentados,
integrantes de assentamentos e acampamentos da região, lideranças religiosas e
autoridades locais e estaduais. Os camponeses ofereceram gratuitamente um
almoço com churrasco e um bolo de 100 quilos a todos os participantes.
Além do
aniversário, a festa marcou a inauguração da Agroindústria para o
beneficiamento de frutas e verduras, produzidas em larga escala na comunidade.
A estrutura e os equipamentos foram adquiridos a partir de recursos próprios
dos assentados, que integram a Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária
União Camponesa (Copran), e por meio de um projeto vinculado à Secretaria de
Agricultura do Estado.
“Essa agroindústria
vai beneficiar mais de 50 famílias do nosso assentamento, que tem como sua
vocação principal a produção de frutas e verduras”, conta Alencar Hermes, atual
presidente da Copran. Além de atender a demanda da merenda escolar, a intenção
é comercializar para o mercado formal. “Vamos poder processar e embalar os
alimentos a vácuo, e dentro de pouco tempo vamos conseguir oferecer as polpas
de frutas”.
Essa
será a segunda agroindústria do assentamento. A primeira foi inaugurada em
2013, voltada para laticínios, com geração de mais de 100 empregos diretos.
Todos os dias são industrializados cerca de 40 mil litros de leite, vindos da
produção do assentamento e de aproximadamente 4 mil famílias de municípios da
redondeza. Uma grupo de mulheres também mantém uma padaria comunitária, com
produção semanal de 380 quilos de pão, 500 de bolo e 400 de bolacha caseira.
A
produção e comercialização do assentamento é organizada pela Cooperativa de
Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa, a Copran. A cooperativa
atende 32 municípios e 500 escolas municipais e estaduais com o abastecimento
de merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE).
Reconhecimento público
Durante
o ato político da festa, dezenas de autoridades políticas, religiosas e
representantes de órgãos públicos reafirmaram o compromisso com a reforma
agrária e enalteceram as conquistas do assentamento Dorcelina Folador.
Sérgio
Onofre, prefeito de Arapongas (PSC), lembrou que 70% da merenda escolar do
município é comprada dos assentados e de pequenos agricultores. “O assentamento
não é um problema. Ele resolve o problema na cidade na qual está inserido. É só
o governo estar ao lado, dar condições. E isso vai muito ao encontro das ideias
do nosso governador [Ratinho Junior], de que os produtos sejam industrializados
para gerar uma rentabilidade maior para os agricultores”.
Mauro
Rockenbach, assessor especial do governo do Paraná que atua no diálogo com os
movimentos sociais, representou o governador Ratinho Junior. “A mensagem do
governador é a de que ele é governador de todos os paranaenses, e independente
das bandeiras ou siglas o nosso Estado vai caminhar junto”, garantiu.
O
diretor-presidente do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná, engenheiro
agrônomo Natalino Avance de Souza, participou do ato representando Norberto
Ortigara, secretário da Agricultura e do Abastecimento do Estado. “Aqui vivem e
comem mais de 130 famílias. Se isso aqui fosse uma área de soja, quantas
famílias morariam aqui? Cinco famílias. Isso aqui é um exemplo vivo de que é
possível viabilizar, sim”.
O
deputado estadual Professor Lemos (PT) concedeu uma menção honrosa da
Assembleia Legislativa do Paraná ao assentamento, parabenizando pelos 20 anos
de fundação. Lemos foi enfático ao apontar qual o papel do Estado com relação à
reforma agrária: “Não é tarefa da polícia cuidar da reforma agrária. É uma
política pública que tem que ser feita com o orçamento do estado, orçamento dos
municípios, e principalmente o orçamento federal, para dar cumprimento a nossa
Constituição brasileira, que assegura ao homem e à mulher do campo ter onde
morar, produzir e viver com dignidade”.
Comunidade camponesa
“Temos campo de
futebol, parque infantil, espaço para idosos. É muito gostoso viver aqui. Todas
famílias que estão comemoram por viver no Dorcelina”, conta a agricultora
Roseli Pereira de Campos, em meio à plantação de hortaliças que cultiva junto
com os pais e os irmãos, no lote de dois alqueires. “Aqui a gente que organiza
o nosso horário. Trabalha de manhã, tira o horário pra fazer o almoço. A gente
pode criar os filhos aqui, é mais tranquilo, com espaço grande pra brincar”.
O
bem-estar relatado por Roseli é regra entre os assentados, e faz parte do
“segredo” do MST para efetivar a reforma agrária popular, como explica José
Damaceno, integrante da coordenação estadual do MST e morador do assentamento:
“Muita gente pergunta qual é o segredo para o MST dar certo. O nosso segredo é
que tem uma organização, tem um sonho a ser realizado, tem um planejamento, e
tem as equipes que tocam. Por isso nós construímos esse assentamento e outros
tantos”.
Damaceno
relata que ao longo dos anos, na construção conjunta com as famílias sem-terra,
o desejo passou a ser o de construir a “comunidade camponesa”, onde os serem
humanos estão em primeiro lugar, independente da religião, do partido político
ou da orientação sexual. “O importante era acreditar no projeto, e que as pessoas
pudessem se sentir sujeitas do processo e serem protagonistas, cada um com o
seu jeito, suas qualidades, seus limites, colocando o seu tijolinho”.
Para
atingir esse objetivo, a educação foi identificada como primordial: “Nossa
primeira missão foi a erradicação do analfabetismo. Hoje somos um assentamento
livre de analfabetismo. Aqui nós defendemos a ideia de que cada pessoa deveria
ter porte de um livro, e não de uma arma”, garante Damaceno.
A
assentada Dirlete Dellazari fez parte da ocupação da área em 1999 e se orgulha
em afirmar que o Dorcelina serve de referência para a reforma agrária. “Não é
apenas a distribuição da terra. É criar as condições para as pessoas viverem,
terem educação, saúde, estradas, terem as condições de desenvolver a produção e
os seus conhecimentos”.
A
agricultura enfatiza a importância das famílias assentadas terem mantido, ao
longo dos 20 anos, a identidade de organização social e popular: “Nós somos
MST, continuamos e continuaremos sendo MST, porque ele é a nossa fortaleza, para
todas as famílias aqui do assentamento”.
Fonte:
Brasil de Fato
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