Adriano Machado/Reuters |
Após as inúmeras denúncias de abusos por parte da Lava Jato,
o que inclui as recentes críticas feitas pelo STF, a corte agora é alvo de
internautas pró-Lava Jato; "Temos um problema: o presidente, o partido
dele, e as redes. Quando isso se dá no sentido de vulnerabilizar um dos poderes
– nós já temos uma institucionalidade desgastada no Brasil –, isso acentua essa
situação e não é bom para a democracia", diz o professor de Ciência
Política da UFMG Leonardo Avritzer
Rafael Tatemoto, Brasil de Fato- Não é de hoje que
diferentes setores da sociedade criticam os métodos de atuação da que
caracterizam a operação Lava Jato desde sua criação, há cinco anos. Movimentos
populares, partidos políticos, parlamentares e entidades ligadas ao campo do
Direito denunciam há anos a forma abusiva com que a força-tarefa conduz suas
ações, com prisões preventivas e conduções coercitivas sem justificativas
concretas, acusações baseadas apenas em delações premiadas sem provas, além da
utilização dos meios de comunicação para criar um clima de pressão popular.
Tais críticas
também se estendem à omissão do Supremo Tribunal Federal (STF), ao Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e a outros tribunais, que assistiram e consentiram
com os abusos da operação nos últimos anos. Na avaliação desses setores, as
instâncias superiores do Poder Judiciário se recusaram a usar suas competências
constitucionais e legais e não aplicaram as correções democráticas legais
contra juízes e membros do Ministério Público que teriam abusado dos mecanismos
do Direito para fazer política.
Meia
década depois, é o próprio STF quem sente na pele as consequências desse
processo, tornando-se alvo de internautas pró-Lava Jato. Especialistas apontam
para a criação de um Estado de Exceção permanente no país. Integrantes do STF
passaram a ser, publica e violentamente, agredidos nas redes sociais
bolsonaristas, que voltaram toda sua carga contra a Corte.
As
reações são respostas à derrota sofrida pela Lava Jato após duas decisões na
Corte: uma de remeter crimes de caixa 2 à Justiça Eleitoral e outra de impedir
a criação de um fundo de R$ 2,5 bilhões para promover projetos
"anticorrupção".
Para o
professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Leonardo Avritzer, ao se omitir do debate, o presidente de extrema direita Jair
Bolsonaro se utiliza desse processo para criar um clima
"anti-sistema" na sociedade, enfraquecendo os processos democráticos.
"Nós temos um problema: o presidente, o partido dele, e as redes. Quando
isso se dá no sentido de vulnerabilizar um dos poderes – nós já temos uma
institucionalidade desgastada no Brasil –, isso acentua essa situação e não é
bom para a democracia" acredita.
Na
interpretação de Avritzer, a manifestação crítica às instituições faz parte do
regime democrático, mas as atuais manifestações beiram o rechaço ao próprio
funcionamento dos poderes. "Na verdade, o governo Bolsonaro pretende se
beneficiar de uma pseudo-crítica do sistema político. É um falso diagnóstico. O
Bolsonaro parece que ainda não entendeu muito bem o que significa ser presidente",
critica.
Reflexo no Congresso
O
professor de Ciência Política da Unicamp, Frederico Almeida, aponta que as
críticas da base social de Bolsonaro ao Supremo acabam encontrando eco no
Congresso Nacional, já que parlamentares não estão sob o controle direto do
governo e têm maior potencial de manifestar posições extremamente
ideologizadas. Para ele, com o Executivo aparentemente empenhado na aprovação
da Reforma da Previdência, o Planalto deve se abster de abrir um enfrentamento
direto com o Judiciário.
Prova
dessa ressonância no Congresso é a pressão pela abertura da CPI da Lava Toga no
Senado, que pretende investigar abusos de ministros da Suprema Corte, ou mesmo
a abertura de pedidos de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes. O
cientista político aponta, entretanto, que Bolsonaro pouco faz para conter esse
tipo de movimentação, ao não se manifestar publicamente sobre o tema.
"Ele
não se esforça. É um pouco [similar] à relação com os filhos. Os filhos falam
barbaridades e ele finge que não é com ele. Pode ser que eventualmente ele não
só não controle essa base, como ele seja cobrado", diz.
Nos
corredores do STF, a insatisfação é grande. Além da atitude explícita de abrir
inquéritos para investigar os ataques à Corte, Dias Toffoli tem reclamado, segundo
interlocutores, com a falta de sinalização do Planalto para o apaziguamento dos
ânimos. Para ele, suas constantes falas de aproximação com o Governo não tem
encontrado receptividade.
Para
Almeida, a Presidência pode aumentar o tom em relação ao STF dependendo de uma
série de variáveis. Caso a insatisfação popular continue ascendendo, como
mostram as pesquisas, talvez use a retórica contra o Supremo para mudar o foco
do debate político, por exemplo. "As pessoas estão preocupadas com
dinheiro no bolso, preço dos alimentos, saúde, educação e segurança. Se essa
insatisfação aumentar, pode ser que ele volte a ter um tom que ele tinha na
campanha, deslegitimando as instituições brasileiras", aponta.
Histórico
Apesar
do destaque dado pelos próprios integrantes da Lava Jato ao mais recente
julgamento do STF que envolveu questões relativas à operação, o desgaste entre
o Supremo e a força-tarefa vem de antes.
Em
2018, a Corte decidiu que a realização de conduções coercitivas sem prévia
intimação que não tenha sido atendida, prática que notabilizou a Lava Jato,
eram inconstitucionais. No mesmo ano, o STF se dividiu em torno de um pedido de
habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em decorrência
da Lava Jato.
O STF,
dois anos antes, havia se posicionado pela possibilidade de prisão após
condenação em segunda instância. No julgamento relativo a Lula, o cenário já
era distinto: por conta da mudança de opinião de Gilmar Mendes, se conformou no
Supremo uma maioria pela impossibilidade de prisão antes do final de todos os
recursos. No julgamento do habeas corpus, entretanto, Rosa Weber utilizou o
"princípio da colegialidade" para votar contra o pedido do petista,
apesar de sua posição pessoal contra a hipótese de prisão após segunda instância.
Por
conta do resultado, ministros reclamaram, ainda durante a sessão, que a então
presidenta da Corte, Cármen Lúcia, deveria ter pautado as ações que contestam a
atual interpretação do STF antes do habeas corpus de Lula.
Investigação
Na
última semana, a Polícia Federal (PF) fez buscas em São Paulo (SP) e Maceió
(AL) para localizar suspeitos de postar mensagens criminosas e até ameaças de
morte contra ministros do Supremo. Foi a primeira medida nessa investigação
aberta de ofício, sem pedido de órgãos de investigação, como é a regra em
inquéritos.
Em
Alagoas, policiais federais foram à casa do advogado Adriano Laurentino de
Argolo. O mandado, autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes, determinou
busca e apreensão de "computadores, tablets, celulares e quaisquer outros
materiais relacionados à disseminação de mensagens ofensivas e ameaçadoras em
apuração nos autos". À imprensa, Argolo reconheceu ter feito críticas a
juízes do STF na internet, mas disse que nunca fez nenhuma ameaça. Em São
Paulo, o alvo era José Aparecido dos Santos, um funcionário da Guarda Civil
ligado à Secretaria de Segurança do município de Indaiatuba, que não se
pronunciou sobre o caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário