O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim faz uma
análise multilateral da crise na Venezuela e do comportamento dos principais
atores externos, em entrevista ao jornal Valor Econômico; indica que "os
militares (...) veem com muita restrição a maneira como o Itamaraty está
agindo" e "graças a eles, o Brasil não se precipitou nesse
conflito"; critica os EUA por utilizar a doação de "ajuda
humanitária" como pretexto para uma ação militar contra o país sul-americano
e defende uma solução política, com a convicção de que "a página do
diálogo nunca devia estar virada"
247 - O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim faz
uma análise multilateral da crise na Venezuela e do comportamento dos
principais atores externos, em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada
nesta terça-feira (26). Indica que "os militares (...) veem com muita
restrição a maneira como o Itamaraty está agindo" e "graças a eles, o
Brasil não se precipitou nesse conflito". Critica os Estados Unidos por
utilizar a doação de "ajuda humanitária" como pretexto para desencadear
uma ação militar intervencionista contra o país sul-americano. "Tudo vinha
sendo feito para colocar uma eventual ação armada sob a capa de intervenção
humanitária, que poderia dar alguma legitimidade à intervenção". Defende
uma solução política, com a convicção de que "a página do diálogo nunca
devia estar virada".
Amorim relata
fatos importantes da relação entre os governos de Lula e Chávez. Discorre sobre
as relações contraditórias entre o Itamaraty e as Forças Armadas sob o governo
Bolsonaro, indicando que a depender do Itamaraty o Brasil já tinha se envolvido
no conflito. "Os militares são mais cautelosos e veem com muita restrição
a maneira como o Itamaraty está agindo", diz.
Experiente,
responsável pela política externa "altiva e ativa" do governo Lula e
tendo lidado com a inserção internacional do Brasil no mundo globalizado,
defensor do multilateralismo como método de exercício da política externa, o
ex-chanceler não poupa críticas ao atual Ministério das Relações Exteriores.
"Hoje no Itamaraty o conceito não é mais o de soberania frente aos Estados
Unidos, ou frente à China. É a soberania frente aos organismos multinacionais,
o que é a mesma visão dos Estados Unidos. Você pode entender que o país mais
poderoso do mundo não queira amarras, mas não é o caso do Brasil. Não pode
atacar o sistema multilateral como ataca".
Amorim
analisa as circunstâncias objetivas da crise econômica venezuelana, sem poupar
críticas ao governo bolivariano. "Eles enfrentaram a queda do preço do
petróleo e o boicote internacional. Quando o petróleo cai, a Arábia Saudita tem
condições de manter o nível de vida porque tem crédito internacional sem ser,
exatamente, uma democracia. Mas a Venezuela cometeu muitos erros. Quantas vezes
não vi Lula dizer a Chávez que eles tinham que governar para todos? Era uma
sociedade muito dividida. Não é verdade que era um país rico que foi destroçado
por Chávez. Estive lá no final da década de 1970, no governo Rafael Caldera, e
vi o que para mim era a maior favela do mundo, do aeroporto até Caracas. Quando
voltei lá no governo Itamar Franco [1992-1994], tinha crescido
enormemente".
O
ex-chanceler adverte que se os EUA atacarem a Venezuela militarmente
"seria a primeira intervenção armada dos Estados Unidos na história da
América do Sul". Enfatiza que "nem sequer essa campanha aberta pela
mudança de regime" tem paralelos na história política da América Latina.
"Claro que os Estados Unidos tiveram um papel fundamental na mudança de
regime no Brasil em 1964, no Chile em 1973, na Argentina, no Uruguai e em
vários momentos. Mas não proclamavam isso como objetivo. E havia a desculpa do
comunismo. Mas hoje só um espírito totalmente fora da realidade pode achar que
a Venezuela é uma ameaça comunista".
A
política externa brasileira agrava o conflito com a Venezuela, opina Amorim:
"O embaixador Rubens Ricupero, que nunca poderá ser acusado de ter ligação
com o PT, disse que a nota do Itamaraty de que o governo Maduro é formado por
narcotraficantes teria provocado guerra se tivesse sido feita décadas atrás e
causou uma "mácula eterna" na nossa política externa". E
acrescenta: "Quando chega a esse ponto, é guerra. Não se faz uma coisa
dessas. Não concordo com a política externa do [ex-chanceler] Aloysio Nunes,
mas ele disse uma coisa que é verdade: o Brasil não pode mediar, porque tem
partido. Jamais deveria ter partido, mas uma vez que tem, realmente se
desqualificou para mediar. E é o único país da região que tem dez vizinhos e
está há quase um século e meio sem guerra. É parte do poder brando do Brasil
que hoje está ameaçado. Mas a essa altura, o melhor que o Brasil pode fazer é
não atrapalhar uma mediação conduzida pelo México e Uruguai, com participação
do secretário-geral da ONU, e talvez a Igreja também. O Papa deu a entender que
não queira, mas quem sabe? É a única solução. O que não pode ser dito e foi
dito é que 'a página do diálogo está virada'. Nunca deve estar".
Leia aqui a íntegra da entrevista.
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