Efeitos
negativos das "reformas" ambientais de Bolsonaro já superam os erros
cometidos por seus últimos quatro antecessores
Alguém aí do outro
lado da telinha esperava que o novo presidente não cumprisse suas promessas de
campanha de “flexibilização” da agenda socioambiental nacional?
Em menos de 15 dias o presidente Bolsonaro
já conseguiu fazer “reformas” que nem mesmo FHC, Lula I e II, Dilma e meia, e
meio Temer nos momentos mais ruralistas de seus governos ousaram tentar.
Muito mais efetivo e inteligente do que a prometida fusão do
Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o Ministério da Agricultura está sendo,
na lógica dominante, simplesmente esvaziar as pastas ligadas a clima e direitos
socioambientais de responsabilidades estratégicas e estruturantes e, quando
muito, alocá-las abaixo dos ministérios da Agricultura e da Economia.
A lista de órgãos
mutilados não é pequena nem irrelevante:
1 – Retirada de competências da Funai,
Fundação Palmares e Incra com definição de poderes para demarcação de terra indígena
e quilombola para o Ministério da Agricultura, cuja “clientela” política é
histórica e tradicionalmente avessa aos direitos constitucionais territoriais
de populações indígenas e tradicionais.
2 – Extinção, no Ministério do Meio
Ambiente, do departamento historicamente responsável pela condução das
políticas de prevenção e controle dos desmatamentos na Amazônia e demais
biomas, como se esse não fosse um dos maiores desafios ou problemas para nosso
desenvolvimento. “Coincidência” ou não, o desmatamento já vem dando fortes
sinais de aumento significativo em 2018 e a perspectiva para 2019 é ainda
maior.
3 – Extinção da secretaria responsável no
MMA pela coordenação das políticas de clima no Brasil. Brasil assumiu
“voluntariamente” compromissos nacionais de redução de emissões de CO2 até 2030
e a referida Secretaria coordenava tais ações junto aos demais ministérios e
órgãos internos. Não temos um órgão específico destacado para essa função
internamente.
4 – Extinção da
secretaria do Itamaraty responsável pelas negociações relativas aos
compromissos climáticos internacionais. As posições do novo chanceler
brasileiro vão no sentido extremo oposto da posição adotada pelo Brasil desde
1992 quando recebemos a Eco 92 no Rio de Janeiro e hospedamos as negociações
para a Convenção de Clima. Neste caso a competência migrou para a Secretaria de
Assuntos Econômicos Internacionais.
Além disso, há o compromisso anunciado
(ainda não realizado) de mudança no sistema nacional de licenciamento ambiental
(no âmbito do Sisnama – Sistema Nacional de Meio Ambiente) com a pulverização
das atribuições dos órgãos ambientais (Ibama e ICMBio) para órgãos com
interesse direto e competência específica nos temas de mineração, agropecuária,
indústria, dentre outros.
A criação de uma subsecretaria de apoio ao
licenciamento ambiental no âmbito da Secretaria Especial do Programa de
Parcerias de Investimento da Secretaria de Governo já dá claramente o tom de
quem deve de fato comandar politicamente o licenciamento ambiental no governo
federal. A extinção ou substituição das instâncias acima referidas por
estruturas de terceiro ou quarto escalão vinculadas ao superministério da
Economia comprova o novo “enfoque” e a total subordinação da agenda
socioambiental à agenda econômica.
Os anos 90 e os primeiros dez anos deste
século foram auspiciosos em avanços regulatórios e programáticos que colocaram
o Brasil na vanguarda das políticas climáticas e de conservação da
biodiversidade, período em que o Brasil avançou e consolidou seu posto de
potência agropecuária mundial, sobretudo na década em que o Brasil mais reduziu
os desmatamentos (entre 2004 e 2012)[1].
O fortalecimento das políticas socioambientais e climáticas não representou,
portanto, um bloqueio do nosso crescimento econômico; ao contrário, o
legitimou.
Algumas das conquistas regulatórias
socioambientais dos últimos 30 anos merecem destaque, como a Lei do Sistema
Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos (1997), a Lei de Crimes e Infrações
contra o Meio Ambiente (de 1998), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (2000), a Lei da Mata Atlântica (2006), a Lei de Gestão de
Florestas Públicas (2006), a Lei de Mudanças Climáticas (2009), a Lei de Gestão
dos Resíduos Sólidos (2010), a Lei Florestal (2012).
Tudo isso aconteceu com um Congresso
Nacional e mesmo governos nacionais com forte (e crescente) presença e pressão
ruralista. Houve muita negociação, não houve um parágrafo de lei que não
tivesse sido negociado até o último minuto no Plenário dos parlamentos (Senado
e Câmara) e na sanção presidencial. Portanto, não foi uma tomada de assalto da
política brasileira por ambientalistas insanos no propósito de arruinar a
balança comercial brasileira.
Houve dezenas de outras legislações,
centenas de leis estaduais, milhares de normas municipais e sobretudo normas
infralegais e programáticas geradas pelos sucessivos governos pós-constituinte,
em todos os cantos do Brasil. Simultaneamente, a jurisprudência nos tribunais
também vem se consolidando sinalizando para a necessidade da incorporação da
variável socioambiental no dia a dia da economia nacional. Tudo isso foi fruto
do processo de amadurecimento cumulativo da nossa democracia, da consciência do
povo brasileiro e do nosso mercado, que vem se abrindo e compreendendo a
relevância estratégica da sustentabilidade para o futuro do nosso
desenvolvimento.
Diante desse refluxo, no discurso e agora
na prática, contrário às políticas socioambientais gestadas durante vários
governos levanto algumas indagações:
- Gozará o presidente de apoio parlamentar
majoritário suficiente para manter e aprofundar suas “reformas” negacionistas e
antiambientais?
- O Judiciário, que tem sido
majoritariamente responsivo e responsável em matéria socioambiental, conterá os
retrocessos em curso e impedirá novos dentro de parâmetros de razoabilidade?
- Os militares, que assumiram fatia
relevante da cúpula de governo, compõem seu núcleo decisório estratégico e
sabem que o Brasil do ponto de vista geopolítico pode ser muito mais que mero
exportador de boi, soja, madeira (ilegal) e minério baratos farão o contraponto
tempestivo equilibrado contra a desregulamentação ambiental em curso?
- O empresariado ilustrado brasileiro que
investiu nas últimas décadas bilhões em modernização de parques industriais,
métodos e processos produtivos, rastreamento de cadeia produtiva e
responsabilidade socioambiental no Brasil, em busca de ampliar e alcançar
mercados internacionais mais exigentes, se mobilizará para estabelecer limites
racionais ao movimento em curso?
O que me surpreende é a propagada veste
“patriótica” que supostamente motiva tais medidas. A total desregulamentação
ambiental e sua submissão absoluta aos ditames de mercado de curto prazo, em
lugar de favorecer a nação, não servirá sobretudo à facilitação do acesso das
nossas principais e caras riquezas ambientais (hoje sob algum controle
regulatório), sobretudo minérios, madeira, água, solo, biodiversidade e
território aos interesses das grandes corporações internacionais? Não me
surpreende que uma das pautas declaradamente prioritárias da bancada ruralista
no Congresso Nacional tenha sido a aprovação de proposta que libera a venda de
terras brasileiras a estrangeiros.
[1] Veja dados de desmatamento do INPE em
http://www.obt.inpe.br/prodes/dashboard/prodes-rates.html
Fonte:
Congresso em Foco
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