O senador Roberto Requião (MDB-PR) defendeu nesta
quarta-feira, 12, da tribuna do Senado, que o compromisso de não abandonar a
política; "Enquanto respirar, viverei pelo Brasil, fiel,
intransigentemente fiel à utopia que me embala desde a meninice. O sonho de um
país soberano, desenvolvido e bom, para todos", disse; senador manifestou
também preocupação com o envolvimento político das Forças Armadas com o próximo
governo. Requião disse que não dá para entender como poderão viver sob o mesmo
teto os ultraliberais entreguistas da equipe de Paulo Guedes
247 - O senador
Roberto Requião (MDB-PR) defendeu nesta quarta-feira, 12, da tribuna do Senado,
que o compromisso de não abandonar a política. "Enquanto respirar, viverei
pelo Brasil, fiel, intransigentemente fiel à utopia que me embala desde a
meninice. O sonho de um país soberano, desenvolvido e bom, para todos",
disse ele.
O
senador manifestou também preocupação com o envolvimento político das Forças
Armadas com o próximo governo. Requião disse que não dá para entender como
poderão viver sob o mesmo teto os ultraliberais entreguistas da equipe de Paulo
Guedes.
A casa vai cair: sobre a
convivência dos militares com os ultraliberais de Paulo Guedes
Por
Roberto Requião
À conta
de preâmbulo, para deixar registrado o meu inconformismo com a expulsão dos
médicos cubanos do Brasil; sim, expulsão! Não há outra palavra para classificar
a iniciativa extemporânea do futuro governo, já que sequer se empossou para
tomar tão grave decisão sobre um setor que mais demanda a atenção estatal e que
agora desguarnece-se dramaticamente.
À conta
de preâmbulo, como dizia, faço uma pergunta: mais do que razões ideológicas,
mais que a boçalidade anticomunista, mais que o esforço para, na visão do
futuro chanceler, agradar o salvador do ocidente cristão, Donald Trump, mais
que tudo isso, o que pesou mesmo para a expulsão dos médicos cubanos não teria
sido a cor da pele deles?
Quase
todos pretos!
E onde
se viu, que ousadia é essa de preto exibir anel de doutor, ainda mais doutor
médico, ainda mais preto comunista? Além, do que, a quem esses pretos
estrangeiros atendiam aqui na Pátria Amada? A outros pretos! Ora, que
desperdício!
Na
verdade, a expulsão dos médicos cubanos é uma paráfrase da grande meta do
bolsonarismo que é a expulsão do Brasil de todos os estrangeiros indesejáveis.
E, no caso, entenda-se por estrangeiro todo brasileiro que se oponha ao novo
governo, às ideias do novo governo, tanto no plano dos costumes quanto às
propostas na área econômica, educacional e de política externa.
A ressurreição de consignas como "Ame-o ou deixe-o", "Pra Frente
Brasil", "Ninguém Segura Esse País", sob a trilha de Don e
Ravel.
A mesma
trilha usada nas sessões de tortura, talvez queira criar um clima, incentivar
manifestações, dar continuidade às mobilizações eleitorais via redes sociais em
favor da "purificação" do país, libertando-o dos
"comunistas", prendendo-os ou expulsando-os.
Um dos
filhos do presidente eleito fez até mesmo um cálculo: talvez seja preciso
prender e expulsar, como se estrangeiros fossem, uns cem mil desses brasileiros
indesejáveis, para "limpar o Brasil".
Na fala
desse rapaz o que mais me assustou foi uma referência que ele fez à Indonésia,
como exemplo de país que criminaliza as "atividades comunistas". Mas
sabe ele à custa de quê? À custa da chacina, do massacre de mais de um milhão
de indonésios considerados comunistas.
É de
arrepiar!
Mas
essa é a ideia: se você for a favor, bem-vindo ao Brasil de encantos mil, salve
a seleção! Se você for oposição, você é um estrangeiro indesejável, passível de
punição.
Pois é,
nós que defendemos o Brasil contra a pilhagem de suas riquezas, especialmente a
pilhagem do petróleo; nós que somos contra a privatização da Petrobrás, da
Eletrobrás; que somos contra a entrega da base de Alcântara para os Estados
Unidos; que somos contra a absorção da Embraer pela Boeing; que nos opomos à
doação do nióbio e outros metais preciosos; que discordamos radicalmente da
venda de terras para os estrangeiros; que somos contra a privatização da água,
das florestas, do ar e do mar territorial; nós que combatemos a
desindustrialização do país; que lutamos pela ciência e pela tecnologia
nacional; nós somos os indesejáveis, os "estrangeiros".
E quem
são os brasileiros?
Paulo
Guedes, Castello Branco, Roberto Campos Neto, Sérgio Moro, Onyx Lorenzoni? Ou
os indicados de Olavo de Carvalho, o colombiano Ricardo Velez Rodriguez e
Ernesto Araújo? Ou seriam Pedro Guimarães e Rubem Novaes? Esses são os
brasileiros?
Feito o
introito, vamos à missa.
Encerra-se
no dia 31 de janeiro o meu mandato de senador. Se fizesse uma retrospectiva do
que foram esses oito anos, não encontraria nada do que me arrependesse. Cumpri
com honra, dedicação e brasilidade o mandato que os paranaenses me deram.
E, caso
alguém se desse ao trabalho de compulsar os discursos que fiz nesta Casa veria
neles, de um lado, a insistência sobre o mesmo tema: a soberania nacional, a
construção do Estado Nacional Brasileiro e, como pressuposto disso, o combate
permanente, radical à financeirização da economia, à globalização sob o domínio
do capital financeiro, ao reino dos bancos, ao império de Mamon.
De outro, haveria de constatar a também insistente, radical defesa dos
trabalhadores, de seus direitos, de suas conquistas civilizatórias; ao lado da
defesa do capital produtivo nacional, em oposição aos sibaritas do mercado
financeiro, de onde, aliás, procede toda a equipe econômica do próximo governo.
(Um
parêntese: temos à vista uma frente inusitada: um bando de especuladores e de
agiotas, ultraliberais entreguistas e traidores da pátria, ombro a ombro com as
Forças Armadas. Eu até poderia entender a adesão da teologia da prosperidade de
Edir Macedo, de RR Soares, de Malafaia, de Valdomiro Santiago, do impagável
Agenor Duque e outros ao neoliberalismo.
Afinal,
essas igrejas não seriam nada sem o jogo do mercado das ilusões capitalistas,
sem os negócios dos milagres e da lavagem de dinheiro. Mas as Forças
Armadas...aí não entendo mesmo. Fecho o parêntese)
O tempo
todo, dizia; enquanto esta Casa fartava-se de assuntos absolutamente
secundários, de demandas corporativas, da cassação de direitos de
trabalhadores, da redução de direitos sociais, da entrega do petróleo, da
renúncia à soberania ou de arremedos de reforma política; ocupei-me daquilo que
para mim deveria ser a essência de nossos mandatos: um Projeto para o Brasil,
os fundamentos básicos para a construção do Brasil-Nação. A contraposição entre
Brasil, um país para os seus e Brasil, um mercado para os outros explorarem.
Nesses
oito anos, foi a minha obsessão. Na verdade, uma obsessão de toda a vida.
Inúmeras
vezes, desta tribuna, na Comissão de Economia, em seminários e debates aonde
quer que fosse, aqui ou lá fora, foi o meu canto de uma nota só: um projeto de
desenvolvimento nacionalista, democrático e popular.
Não se tratava de uma pregação sectária, fundamentalista.
Tratava-se,
isso sim, de ter os olhos e a mente abertos para a realidade das coisas.
Tratava-se de não se deixar cegar pela religiosidade, pelo dogmatismo, pelo
preconceito ideológico dos liberais.
Esta é
a verdade: não existe nada mais ultramontano, primitivo, tosco que o
neoliberalismo, ainda mais a sua leitura brasileira, que consegue reunir em só
embornal banqueiros, o altão escalão das Forças Armadas, os setores atrasados
do agronegócio, representados pela ressurreta UDR, os cruzados da luta contra a
corrupção, os evangélicos da teologia da prosperidade, os barões da mídia e os
"moralistas" tipo Alexandre Frota e pastor Feliciano.
Já
pensaram, reunidos sob o mesmo teto Paulo Guedes, Edir Macedo, Olavo de
Carvalho, Sérgio Moro, Joice
Hasselmann,
Kim Kataguiri, a Família Buscapé, os Setúbal, os Moreira Salles, os Trabuco?
Vão
viver sob o mesmo teto, até que a casa caia...
O que
teremos, pelo que tudo indica, é um governo para o mercado, ao invés de um
governo apesar do mercado. E um governo para o mercado significa,
necessariamente, um governo antinacional, antidemocrático, antipovo e, por isso
mesmo, um governo corrupto, já que a alma, a essência do neoliberalismo é
venal, degenerada, ímproba. Não sabia disso, Moro?
Afinal,
não há ética, não há moralidade, não há cristianismo, não há espiritismo, não
há judaísmo, não há islamismo, não há budismo – tomando a essência, a medula, a
substancia dos ensinamentos dessas religiões – em um regime que não coloque o
homem, em sua integralidade, no centro de suas ações.
Basta ver o que Paulo Guedes – cuja ignorância sobre as instituições públicas é
alarmante e embaraçosa – andou dizendo sobre a necessidade de sepultar de vez
as heranças da socialdemocracia brasileira.
Deus
meu! Quando houve um regime socialdemocrata no Brasil, tomando como paradigma a
socialdemocracia europeia ou o keynesianismo praticado por Roosevelt, nos
Estados Unidos, nos anos 30, 40 e seus sucessores?
Nunca!
O que
tivemos, sob Getúlio, Juscelino, Goulart, Sarney, Itamar e, principalmente, sob
os governos do PT, o que tivemos, foram algumas concessões, algumas velas
acesas ao povo enquanto queimavam-se tochas em adoração a Mamon.
Socialdemocracia
no Brasil quando? Até as migalhas distribuídas incomodam essa gente tenebrosa,
desumana. É aterradora a inconformidade dessa gente com a abolição da
escravatura.
Daí
que, ainda mais uma vez, manifesto a minha estupefação por ver as Forças
Armadas metidas nessa cumbuca. É um envolvimento perigoso.
E não
me venham com essa conversa mole de que são alguns militares da reserva que
farão parte do chamado "núcleo duro" do próximo governo, e não a
instituição. Balela! É a instituição, toda ela, contaminada pela política. A
política invadiu os quartéis. Ou o general Vilas Boas vai dizer, como Sérgio
Moro, que os militares no Governo são "técnicos"?
Já que
não há como o próximo governo dar certo, pois não há como o ultraliberalismo
triunfar sobre a sociedade brasileira, a não ser reprimindo-a, massacrando-a,
calando-a, as Forças Armadas sairão outra vez chamuscadas dessa aventura.
E não
adianta desviar a atenção e perseguir fantasmas de 83 anos atrás. Não vai dar
certo.
Se,
nesse que, talvez, possa ser meu último pronunciamento nesta Casa, reservei
tanto espaço, entre idas e vindas, às Forças Armadas, é que meus sentimentos
patrióticos, nacionalistas, desenvolvimentistas sempre fizeram polifonia,
justaposição com a tradição de patriotismo, nacionalismo e desenvolvimentismo
de nossos militares.
Em nome
dessa tradição, e como ex-aluno do antigo CPOR, faço mais uma pergunta aos
militares: o que eles acham das declarações dos ministros que Bolsonaro indicou
para as Relações Exteriores, Agricultura e Economia, sobre a América Latina,
Cuba, África e China, espelhando, por exemplo, essas declarações na política
externa de Ernesto Geisel?
Os escalões superiores das Forças Armadas tão envolvidos com o próximo governo,
e tão apressados em também amaldiçoar a chamada "herança petista",
talvez mostram-se ignorantes, indoutos sobre as raízes de nossa política
exterior no período militar. Foi sob Geisel que o Brasil reatou com Cuba e
China. Foi sob Geisel que o Brasil começou sua aproximação e cooperação com a
África.
Foi sob
Geisel que reconhecemos Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé
e Príncipe, ex-colônias portuguesas.
Foi
Geisel quem deu uma banana para os Estados Unidos e firmou o acordo nuclear com
a Alemanha.
Foi
ainda sob o regime dos generais que o Brasil se aproximou dos países árabes e
passou a ter uma política independente nos conflitos do Oriente Médio.
E
jamais ocorreria a Geisel ou qualquer dos outros presidentes militares bater
continência a um tipo como John Bolton.
Embaixada
do Brasil em Jerusalém? Nem pensar!
Como se
vê, sequer no fogo ardente da guerra fria o Brasil submeteu-se ao alinhamento
automático com os Estados Unidos.
Os
senhores militares esqueceram-se disso tudo? Não se lembram mais que para
realizar os nossos objetivos nacionais permanentes é essencial que sejamos um
país soberano, dono de seu próprio nariz e que não se envolva nessa
ideologização estúpida atrasada, provinciana que Guedes, Araújo e Velez
Rodriguez querem nos meter?
Aprendam
com Geisel, se não querem dar o braço a torcer para os críticos do novo
governo.
Ora,
terceiro-mundismo é a vovozinha de quem disse.
E por
falar em objetivos nacionais permanentes gostaria de lembra-los, aos que já se
esqueceram, que eles são: Democracia, Paz Social, Desenvolvimento, Soberania,
Integração Nacional e Integridade do Patrimônio Nacional.
Pergunto
eu: o que esses arrivistas tipo Paulo Guedes, Joaquim Levy, Roberto Campos
Neto, Rubem Novaes, Pedro Guimarães, Carlos von Doellinger, Ernesto Araújo, o
colombiano Velez Rodriguez têm a ver com objetivos nacionais permanentes,
senhores das Forças Armadas?
Talvez,
para relembrar minha trajetória nessa Casa, nesses oito anos, tenha feito uma
digressão longa demais.
É que
pretendi refletir, espelhar as posições de toda uma vida nos tormentosos dias
que se aproximam.
Mas que
não me vejam pessimista ou cético. Ninguém tem o direito de ser pessimista no
Brasil. Não com um povo como o nosso que, há mais de 500 anos, suporta as
consequências que ter uma elite predadora, inculta, trapaceira, corrupta e
venal, mas segue em frente.
Daqui a
algumas semanas encerra-se o meu mandato de senador. Não me recolho à vida
privada. Não tenho também esse direito. Enquanto respirar, viverei pelo Brasil,
fiel, intransigentemente fiel à utopia que me embala desde a meninice. O sonho
de um país soberano, desenvolvido, e bom para todos.
Brasileiros,
contem comigo, sempre!
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