Jair Bolsonaro (Nelson Almeida/AFP) |
O sentimento de consternação que os 46% de votos válidos em um fascista
para a Presidência do Brasil me deixou – e deixou, creio, a muitos órfãos como
eu – se mistura a uma espécie de ira que por vezes me faz perder a vontade de
argumentar.
A burrice e a desonestidade
do eleitor de Bolsonaro só me despertam desprezo e asco, e a vontade de engatar
uma argumentação sadia se vai no primeiro “por Deus e pela família!!!”
No dia das eleições,
por exemplo, um conhecido confessou-se eleitor de Bolsonaro nos comentários de
um post meu. Um cara cujos maiores problemas são a desinformação e o efeito
manada, que não é propriamente um fascista. Um cara com quem decerto valeria a
pena engatar uma argumentação sadia, mas eu não tenho sangue de barata: bradei
em caps lock em termos +18 e bloqueei (bloqueando porque dar voadora ainda é
crime).
Pronto, ele nunca
mais verá minhas postagens anti-bolsonaristas e eu não terei a chance de apelar
ao resquício de bom-senso que talvez lhe reste. A sensação foi de ter perdido
uma alma para o fascismo.
Eu sei que é
difícil. Eu sei que a única vontade de qualquer antifascista diante de um
eleitor de Bolsonaro é enviá-lo direto pra a Gulag – cortar cana acima de tudo!
-, mas, no momento, ninguém pode se dar a esse luxo.
A hora é de mudar o
tom.
O diálogo com
fascistas pode parecer impossível – e olha que Marcia Tiburi já tentou nos
ensinar -, e talvez seja mesmo para os pobres mortais, mas não quero crer que
47% dos eleitores brasileiros sejam fascistóides doentes e burros. É mais
crível que, em vez disso, alguma parte dessa porcentagem (uma parte importante
que pode salvar o país do autoritarismo) seja composta por pessoas
desinformadas sobre a ditadura militar, amedrontadas pela violência urbana,
manipuladas por um antipetismo doentio ou tudo isso junto.
E é com essas
pessoas que precisamos, mais do que nunca, dialogar: sem arrogância, sem
autoritarismo, sem pressão. Apenas apontando os fatos, porque os fatos são
suficientes para fazer com que qualquer pessoa com o mínimo de bom-senso repense
seu voto em um saudosista do Regime Militar que não sabe sequer o nome do
próprio vice, e responde a jornalistas com um “não entendi isso aí que você
falou, mas isso não existe” (???) [na última entrevista ao Jornal Nacional,
quando perguntado sobre o fato de seu vice ter dito que a Constituição Cidadã
foi um erro].
A ordem é não deixar
que nosso medo e nossa revolta deturpem nossos argumentos, porque a informação
é a nossa principal arma.
Até o argumento de
que o candidato em questão é fascista, racista, misógino e homofóbico vem
perdendo sua força conforme os dias ficam mais sombrios, porque seus eleitores
perdem mais e mais a vergonha de serem fascistas, racistas, misóginos e
homofóbicos como o candidato que lhes representa. E é desse jeito
que ninguém liga. Há quem pense que é exagero chama-lo de fascista, há quem
pense que o fascismo não atinge o “cidadão de bem”, há quem nem saiba o que é
fascismo… certamente só serão capazes de crer no real perigo de um filhote da
ditadura na presidência quando estiverem levando choque na língua.
É preciso mudar o
disco. As pessoas que votam por ódio não se importam se seu candidato xinga e
violenta mulheres, se diz que seria incapaz de amar um filho homossexual, se
ele se autoproclama defensor da tortura. É preciso concentrar-se no que
realmente pode fazer com que os eleitores menos convictos de Bolsonaro ponham a
mão na consciência: apontar a covardia do candidato que foge dos debates com o
velho truque do atestado médico, que é tão despreparado que se faz representar
por um guru futuro Ministro da Fazenda, de cujas propostas sequer tem
conhecimento porque não se importa o suficiente para tanto.
A essa altura, até a
estratégia de desfazer a imagem de macho corajoso e destemido que se constrói
acerca de Jair Bolsonaro me parece admissível, embora fira meu feminismo no ego
– desculpe, ancestrais, é literalmente caso de vida ou morte. Esse argumento
nos obriga a compactuar com a realidade que queremos evitar: a imagem de macho
tóxico ainda rende muita confiança e muitos votos.
Já que “defender
tortura não é legal” não é um argumento suficiente para muitos dos eleitores de
Bolsonaro, é preciso apelar: retirar dele a máscara de “mito” e mostra-lo como
realmente é: um fraco, politicamente e humanamente; um político incompetente e
um homem público com pouca ou nenhuma diplomacia; um machão acusado por Rita
Lee de tê-la trocado por outro machão; um sádico que constrói todo o seu
discurso sobre uma selva de insanidades.
Em todo caso, tem
gente que vale a saliva, e tem gente que só vale uma revirada de olhos, mesmo.
Convém medir bem antes de argumentar.
“Não fale com
paredes.”
Fonte:
DCM
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