Desmonte de políticas públicas, criminalização dos movimentos e desemprego são elementos de perda de democracia
Manifestação na avenida Paulista em
2016 pedia entre outras reivindicações a
saída da presidenta eleita Dilma
Rousseff / Ayrton Vignola/Fiesp
O contexto do
golpe parlamentar que levou Michel Temer (MDB) à Presidência da República se
relaciona diretamente com o aumento da violência no campo e nas cidades. Sob o
pretexto da crise, o Estado sob comando dos golpistas tem agido de
acordo com interesses privados, impulsionando uma agenda que
viola sistematicamente os direitos humanos.
A
violência, portanto, se manifesta como consequência do aumento do
desemprego, do número de pessoas em situação de rua, da precarização de
serviços públicos que já não recebiam o devido investimento, como saúde e
educação, da informalidade e da exploração já sentidas após a reforma
trabalhista, entre outras consequências do atual momento político do país.
Essa
é a avaliação de Aércio Barbosa de Oliveira, coordenador da Federação
de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), entidade do Rio de
Janeiro.
"Há
uma combinação entre impeachment, um aperto cada vez maior sobre as contas
públicas para favorecer os grandes agentes econômicos, os grandes bancos, as
grande corporações, e ao mesmo tempo há toda uma violência, uma criminalização
dos movimentos e pressão sobre os territórios das periferias e favelas
onde estão as pessoas mais pobres", aponta.
O
corte em programas sociais de distribuição de renda também pesa sobre esse
cenário. "O estado, o poder público, se ele é incapaz de assegurar
direitos fundamentais e de políticas públicas redistributivas que garantem a
qualidade mínima de decência para as pessoas viverem, se não assegura isso, a
tendência é a desigualdade aumentar e a violência também", completa.
População
negra
Negros,
LGBTs e mulheres, por serem populações historicamente vulnerabilizadas,
sentiram com mais firmeza o recrudescimento da violência do Estado que se
traduz no cotidiano desses grupos.
Regina
Santos, ativista dos direitos humanos e membro do Movimento Negro
Unificado, entende que a falta de democracia seria um salvo conduto para a
prática de tortura e para ação de grupos de extermínio nas periferias. "A
normalização dessa violência pós-golpe é algo que aterroriza a gente
cotidianamente", diz.
O
homem negro jovem é a principal vítima da violência urbana, segundo revelam os
dados do Atlas da Violência 2018, que utiliza informações do Ministério da
Saúde e foi divulgado nesta terça-feira (5) pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Nos
últimos dez anos, entre 2006 e 2016, a taxa homicídios entre a população negra
aumentou 23,1% enquanto a taxa entre não-negros caiu 6,8%. De acordo
com o levantamento, 71,5% das pessoas que foram assassinadas no país em 2016
eram negras.
LGBT
Quando
olhamos para a população LGBT, o quadro pós-golpe é também de aumento das
mortes. Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, os assassinatos cresceram
30% entre 2016 e 2017, passando de 343 para 445.
Os
números são bem diferentes dos computados nos anos 2000, quando não passava das
130 mortes. O levantamento é realizado com base em notícias publicadas na
imprensa, e, portanto, a subnotificação pode ser grande, já que nem todos os
casos chegam aos jornais.
Simmy
Larrat, mulher trans, presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Trans (ABLGT) relembra que houve aumento de 6% nos óbitos de
pessoas trans nesse mesmo período. "Para além dos assassinatos, tem as
violências comuns que temos notícias e que muitas vezes são promovidas e
estimuladas pelos discursos de ódio que as pessoas pregam em seu púlpitos, nas
TVs", lamenta.
Larrat
aponta ainda a aplicação de força policial desmedida como forma
de resolver os problemas da sociedade como um dos fatores da
violência endêmica no país.
Mulheres
Maria
Júlia Montero, militante da Marcha Mundial de Mulheres, relembra os
drásticos cortes orçamentários que as políticas públicas voltadas
à população negra, direitos humanos e mulheres sofreram desde 2016. O
repasse para essas áreas caiu em 35% por parte do governo federal de
acordo com levantamento do site Poder 360 a partir do Sistema
Integrado de Administração Financeira (Siafi).
As
verbas que eram destinadas especificamente às políticas públicas de combate à
violência tiveram um corte de 62%, passando de R$ 42,9 milhões em
2016 para apenas R$ 16,6 milhões em 2017, segundo dados do Portal do
Orçamento do Senado Federal. Também houve redução de 54% do orçamento para
políticas de incentivo à autonomia das mulheres, de R$ 11,5 milhões para R$ 5,3
milhões.
"Tem
um aumento dos casos de violência e ao mesmo tempo um sucateamento das
políticas de combate a essa violência", pondera. Para Maria Júlia, assim
se inicia um ciclo de violência, pois a mulher sofre violência e, por não ter
amparo e proteção, acaba assassinada.
No
âmbito desse enxugamento do Estado, pastas importantes como a Secretaria
Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres foram extintas, e projetos de
destaque como o Ligue 180 –canal de denúncias para as vítimas de violência
doméstica– e o programa “Mulher, Viver sem Violência”, por exemplo, foram
afetados.
Pesquisa
feita pelo DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência
aponta aumento expressivo no percentual de mulheres que declararam ter sofrido
algum tipo de violência doméstica. De acordo com o levantamento, de 2015 para
2017, o índice passou de 18% para 29%. A pesquisa, feita a cada dois anos desde
2005, sempre apontou resultados entre 15% e 19%.
"O
aumento do controle dos corpos das mulheres pelos homens, aumento da misoginia
e do machismo, isso tem relação com essa ofensiva conservadora ideológica na
sociedade que tem tudo a ver com golpe de 2016", ressalta Maria Júlia.
As
assassinatos de mulheres também apresentaram aumento desde 2016. Dados
compilados pelo site G1 mostram que houve uma progressão de mortes nos três
últimos anos: foram 495 mortes identificadas como feminicídio em 2015; 812
em 2016; e 946 em 2017.
Violência
no campo
No
campo, os reflexos do golpe também se manifestaram na forma de aumento da
violência. A última edição do relatório "Conflitos no Campo
Brasil", da Comissão Pastoral da Terra, traz índices
preocupantes: aumentaram todos os tipos de conflito (atingindo o maior
patamar em 32 anos de documentação) e todas as formas de violência no
campo em relação a 2015.
O
registro de mortos em decorrência chegou a 71 em 2017. Foi a maior progressão
de crimes políticos no campo desde 2003. "É a cada cinco dias um
assassinato no campo", diz Antonio Canuto, membro fundador e
colaborador da CPT.
Canuto
conta que o número de conflitos subiu desde o primeiro mandato do ex-presidente
Lula. "A média anual do primeiro mandato Lula era de 737 conflitos,
caiu para 560 no segundo mandato, subiu para 794 no mandato da Dilma e de 2015
para 2017 a média anual foi de 946 conflitos por terra, casos em que há
violência com famílias despejadas, expulsas, famílias sob a mira de
pistoleiros", exemplifica.
Márcio
Santos, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), conta que a violência é influenciada pela conjuntura do golpe, que
viola a constituição e assim toda a base do direito legal. "O golpe fez
com que grande parte dos latifundiários que dominam as terras se vissem na
liberdade de cometer crimes e de intensificar a violência no campo como forma
de dominação dos seus interesses, como forma de dominação de classe",
protesta.
A
impunidade, segundo ele, vai permitindo a existência desse cenário. "A
questão da violência só será resolvida com reforma agrária, que é a
bandeira da paz para o campo brasileiro", conclui Santos.
Outra
variável que influencia a violência no campo, segundo o coordenador do MST, é
de ordem estrutural, reflexo das desigualdades que geram violências: hoje, 2%
dos proprietários controlam cerca 60% das terras do Brasil.
Fonte:
Brasil de Fato
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