O advogado Rodrigo Tacla Duran reafirmou nesta quinta-feira,
14, em artigo no portal jurídico Conjur, que o advogado Carlos Zucolotto, amigo
do juiz Sérgio Moro, pediu propina para mediar acordo de delação premiada na
Lava Jato; "Em 2016, Zucolotto me pediu US$ 5 milhões em troca de sua
intermediação durante negociação de um acordo com a força-tarefa de Curitiba,
cujo teor equivalia uma sentença por crimes que não cometi. Estranhamente, esta
incômoda verdade nunca foi investigada", diz Tacla Duran
Por Rodrigo Tacla Duran, no Conjur - Mordaça.
Substantivo feminino. O mesmo que açaimo ou focinheira. Pano ou qualquer objeto
que se põe na boca para impedir alguém de falar ou gritar. Usar a força e
a coerção para impedir alguém de falar. A definição curta e precisa do Aurélio revela ser a
mordaça irmã da brutalidade e filha do autoritarismo com a intolerância. No
último dia 2, o advogado Renato Moraes publicou no jornal O Globo artigo no
qual expõe a dura realidade de um Brasil onde a Justiça tem dado o mau exemplo
de desprezar as leis e a Constituição. Escreveu o brilhante jurista: “Chegamos
à beira do precipício autoritário. Há quem esboce, sem pudor, o raciocínio de
que entre a Constituição e uma indistinta vontade popular se deve ficar com o
povo. Como se não fosse a Constituição o único abrigo contra o autoritarismo”.
Na crítica que
desfere ao chamado populismo judicial, Moraes lembra que a opinião pública é
“filha dileta” da opinião publicada e veiculada em tempo real pelos meios de
comunicação. E com o agravante: nesta era das grandes investigações e da
exposição das entranhas do país, a opinião publicada vem pronta e embalada de
fontes como o Ministério Público, a polícia e até mesmo magistrados. Boa parte
da imprensa deixou de investigar, de garantir o contraditório, se convertendo
num dócil e envenenado canal de comunicação de quem decidiu fazer justiça
passando por cima da Constituição, das leis e invocando a aplicação de normas
jurídicas votadas e aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos.
Neste
Brasil onde juízes de primeiro grau tentam aplicar a lei americana,
procuradores xingam juízes do Supremo como se estivessem no Maracanã ou no
Itaquerão e as delações premiadas são delações seletivas, de repente me vi numa
situação inusitada: estou proibido de testemunhar por ordem do juiz Sergio
Moro. Imagino que uma situação dessas pode ter acontecido na ditadura do Estado
Novo ou no regime militar, mas numa democracia é inexplicável. Além de ilegal,
a proibição é injusta, porque viola o direito de os réus produzirem as provas
testemunhais que julgam ser importantes para suas defesas. As duas únicas vezes
em que fui ouvido e pude dar minha versão sobre certos fatos foi no dia 30 de
novembro de 2017, na CPMI da JBS, e no dia 5 de junho deste ano, na Comissão de
Direitos Humanos da Câmara. Em nenhuma das vezes o Ministério Público mostrou
interesse sobre os fatos que narrei.
Fui
ouvido como testemunha por representantes da Justiça do Peru, Andorra, Suíça,
Argentina, Equador, México e Espanha. Entre as consequências diretas e
indiretas desses depoimentos, um ex-ministro equatoriano foi preso, o
presidente peruano renunciou, e o Uruguai extraditou um ex-funcionário do banco
BPA para Andorra. Tudo amplamente noticiado pela imprensa internacional. Como
se nada disso fosse relevante, continuo proibido de falar à Justiça do Brasil.
Nunca prestei depoimento, embora tenha sido arrolado cinco vezes pela defesa do
ex-presidente Lula.
Recentemente,
o juiz Sergio Moro indeferiu pedido da defesa de Marcelo Odebrecht para a
oitiva dos advogados Monica Odebrecht, sua irmã, e Mauricio Roberto Carvalho
Ferro, cunhado. A oitiva da advogada da Odebrecht Marta Pacheco, como
testemunha de Marcelo, foi deferida respeitando a prerrogativa do sigilo
profissional. É certo que todos têm prerrogativas e serem respeitadas, entre
elas o sigilo profissional. Nisso, não pode haver dois pesos e duas medidas.
Quando eu trabalhei para a Odebrecht, tratei com estes três profissionais dos
assuntos que ora o juiz reconhece merecerem proteção. Entretanto, a
força-tarefa de Curitiba não teve o mesmo zelo pelas prerrogativas quando
tratou comigo. Ao contrário, criminalizou meu trabalho como advogado e me pressionou
todo o tempo para obter as mesmas informações sigilosas que o juiz Sergio Moro
decidiu proteger.
Há mais
de dois anos procurei espontaneamente a força-tarefa da "lava jato"
em Curitiba. Estive pessoalmente com os procuradores em três ocasiões. Não abri
qualquer informação sigilosa de cliente algum. Em todos os encontros, fui
tratado como alguém julgado e condenado. Faltava apenas ser preso. Sou advogado
há mais de 20 anos. Olhava para aquela situação e pensava: não é possível. Como
eles podem me condenar sem processo, sem provas, sem sentença? Os procuradores
da força-tarefa de Curitiba nunca quiseram me ouvir, saber o que eu tinha a
dizer, dar oportunidade ao contraditório. Brandiam o tempo todo a ameaça da
prisão preventiva. É humilhante ser acusado de crimes que não cometi, ofendido
publicamente, desqualificado.
Ao não
me dar chance de defesa, o juiz Sergio Moro ignora solenemente a
Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura, o Código Penal, o Código de
Processo Penal, o Estatuto da Advocacia e o Estatuto dos Direitos do Homem das
Nações Unidas. Ignora até a lei dos Estados Unidos, que ele tanto preza, porque
lá ninguém é condenado sem provas e sem direito de defesa. Kant ensinou que
injusta é a ação que impede a liberdade do outro e, neste caso específico, me
refiro ao direito de ampla defesa. Portanto, magistrado algum poderia adotar
conduta diferente daquela prevista na lei, mesmo que dela discorde. A injustiça
é uma escolha; a Justiça, um dever. Não há atalho para quem tem a lei como
império. Para condenar, é preciso investigar, provar, contraditar. Dá trabalho
e pode ser demorado, mas é o correto. No meu caso, jamais apresentaram
quaisquer provas contra mim, e investigações já foram arquivadas uma vez na
Espanha por falta de provas.
Existem
fatos graves que cerceiam não apenas meu direito de defesa, mas o de muitos
outros. O primeiro deles é o desaparecimento do Inquérito 186/2016 da
Polícia Federal de São Paulo. Simplesmente sumiu. Parte desse inquérito foi
encaminhado à CPMI da JBS, na ocasião do meu depoimento. Esse inquérito é muito
importante para a minha defesa por conter esclarecimentos sobre as acusações
contra mim imputadas. Há dois meses meus advogados tentam localizar esse
inquérito. A Polícia Federal em São Paulo informou que o enviou para Curitiba.
Porém, em Curitiba, esse inquérito não existe, porque ninguém sabe dizer onde
ele está. Sumiço de inquérito é algo gravíssimo.
No meu
caso, não é a primeira vez que coisas como essas acontecem. No ano passado,
pedi ao cartório da 1 ª Vara de Execuções Fiscais Municipais de Curitiba uma
certidão de objeto e pé comprovando que o advogado Carlos Zucolotto atuara como
defensor em processos da minha família. O cartório levou cerca de seis meses
para emitir a certidão e, quando o fez, emitiu sem o nome de Carlos Zucolotto.
Depois de toda essa demora, o cartório informou que o subestabelecimento
outorgado ao escritório de Zucolotto fora retirado dos autos sem qualquer
autorização por escrito do juiz e sem comunicação às partes. Uma advogada de
meu escritório recebeu a informação de balcão, ou seja, extraoficial, de que o
subestabelecimento fora retirado a mando do próprio Zucolotto. Ele alegou,
segundo as informações, não ter autorizado a juntada desse documento nos autos.
Entretanto, tenho em meu poder sua autorização enviada por e-mail. Esses fatos
gravíssimos foram omitidos do juiz corregedor, o qual, uma vez ciente, deveria
poder tomar as providências para esclarecer esse fato, porque essa é uma prova
documental necessária para eventual solicitação de impedimento ou suspeição do
juiz Sergio Moro.
Há
quatro anos convivemos com dois juízes, dois Moros. O primeiro se tornou herói
dentro e fora do Brasil por sua atuação na operação "lava jato" e sua
postura intransigente em relação à corrupção. É festejado nos salões dos
Estados Unidos e no principado de Mônaco. O outro é criticado duramente
por magistrados e advogados inconformados com a violação de prerrogativas, como
o caso do grampo no escritório do advogado do ex-presidente Lula e diversas
buscas e apreensões em escritórios de advocacia, inclusive no meu próprio.
Também é criticado por defensores dos direitos humanos dentro e fora do Brasil,
pela prática do cerceamento ao direito de defesa e a politização do processo
penal no Brasil. Este é o lado obscuro de Sergio Moro.
O juiz
ficou irritado comigo porque fui obrigado a informar à Receita Federal
quais eram os colaboradores do meu escritório e entre os profissionais
prestadores de serviços estava o nome do advogado Carlos Zucolotto, meu
correspondente em Curitiba. Essa relação profissional com Zucolotto vem de
muito antes de qualquer investigação contra mim. Eu não tinha a menor ideia que
ele era amigo e padrinho de casamento de Moro. Fui obrigado a dar essa
informação à Receita Federal no curso de uma fiscalização no meu escritório.
Fiscalização que durou dois anos e foi prorrogada dez vezes. Ao final, a
Receita concluiu que não cometi irregularidades fiscais ou contábeis, muito
menos crime.
Mais
tarde, em 2016, Zucolotto me pediu US$ 5 milhões em troca de sua intermediação
durante negociação de um acordo com a força-tarefa de Curitiba, cujo teor
equivalia uma sentença por crimes que não cometi. Estranhamente, esta incômoda
verdade nunca foi investigada. Entretanto, recentemente surgiram denúncias de
venda de proteção por outros advogados de Curitiba, o que torna a investigação
imprescindível para esclarecer eventual ocorrência de trafico de influência,
advocacia administrativa ou extorsão.
Hoje,
quem questiona o modus
operandi da força-tarefa de Curitiba na produção de delações
premiadas em série é considerado inimigo da "lava jato". Eu
pergunto: será que os advogados que defendem nossas prerrogativas, os ritos do
Direito e as garantias legais são inimigos da "lava jato" e cúmplices
da corrupção? Será que teremos de ser coniventes com a brutalidade, o atropelo
das leis e a subtração de direitos praticados por funcionários públicos? Tudo
isso é muito parecido com aquilo que a escritora Hannah Arendt definiu como a
banalidade do mal ao escrever sobre o julgamento de Adolf Eichmann ocorrido em
1961.
A
operação "lava jato" se tornou um polo de poder político, capaz de
destruir reputações, empresas e instituições. Na realidade, é uma espécie de
poder paralelo que há quatro anos influi na condução da política e da economia
do país sem ter mandato e competência para tal. Pressionam o Congresso, o
Executivo e o Supremo Tribunal Federal, pisam nas prerrogativas constitucionais
dos advogados e criminalizam os defensores como se fossem os únicos a ter
legitimidade e o monopólio da ética e da moral.
Quando
fui arrolado como testemunha do ex-presidente Lula, virei alvo de ataques de
alguns procuradores da força-tarefa de Curitiba e condenado publicamente.
Naquele momento, entendi que nunca serei aceito como testemunha, nem do
ex-presidente Lula nem do presidente Michel Temer, em cuja denúncia da PGR
meu nome foi citado. Não serei testemunha de ninguém, porque esse é o desejo do
juiz Sergio Moro e dos procuradores da força-tarefa. Eles chamaram a Lei de
Abuso de Autoridade de Lei da Mordaça, mas não têm o menor constrangimento
quando se trata de amordaçar testemunhas capazes de ameaçar suas teses e
estratégias de acusação.
Mesmo
sabendo que nunca fui condenado e tive minha extradição negada por unanimidade
pela Justiça da Espanha, o juiz Sergio Moro me ofendeu em rede nacional, ao
vivo, no programa Roda
Viva. Sem a menor cerimônia, quebrou o decoro exigido no artigo 36,
inciso 3ª da Lei Orgânica da Magistratura, e me prejulgou e condenou. Se ele não
me ouviu, nunca me deu oportunidade de defesa nem me julgou, porque não tem
jurisdição nem isenção para isso, não pode e não deve, em respeito à lei,
emitir juízo de valor, pré-julgar, difamar e caluniar. Ele é julgador, não é
acusador.
A
Justiça é um ativo das sociedades democráticas e deve ser exercida com
autoridade, jamais com autoritarismo. Quando um juiz emite opinião contra
alguém que é réu na sua vara, isso é prejulgamento e viola um dos mais
elementares princípios dos direitos humanos, qual seja, o direito a um
julgamento imparcial, isento, técnico, sem vínculos emocionais de qualquer
natureza. Sergio Moro me proibiu de testemunhar, mas não conseguiu me calar.
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