"Vimos que a
competência criminal se fixa em razão do lugar: o lugar da infração ou o
lugar do domicílio do réu. O foro competente para julgar a questão do tríplex
atribuído a Lula seria então: ou Brasília, ou Guarujá, ou São Bernardo do
Campo. Como é que esse caso foi parar em Curitiba?", diz o ex-procurador
Sérgio Sérvulo da Cunha, que detalha todas as manobras para que o ex-presidente
Lula caísse nas mãos de seus algozes
247 – "Vimos que a
competência criminal se fixa em razão do lugar: o lugar da infração ou o
lugar do domicílio do réu. O foro competente para julgar a questão do tríplex
atribuído a Lula seria então: ou Brasília, ou Guarujá, ou São Bernardo do
Campo. Como é que esse caso foi parar em Curitiba?", diz o ex-procurador
Sérgio Sérvulo da Cunha, que detalha todas as manobras para que o ex-presidente
Lula caísse nas mãos de seus algozes. Leia abaixo:
O caso do tríplex em Guarujá, o juiz Sergio Moro e o juízo de
exceção
Vimos que a
competência criminal se fixa em razão do lugar: o lugar da infração ou o
lugar do domicílio do réu. O foro competente para julgar a questão do tríplex
atribuído a Lula seria então: ou Brasília, ou Guarujá, ou São Bernardo do
Campo. Como é que esse caso foi parar em Curitiba?
Bem, digamos que,
na ação X movida contra vários réus, a competência se determinará pelo seu
domicílio, e eles têm domicílio em comarcas diferentes.
Então, o juiz de
uma dessas comarcas poderá ter estendida sua competência, para que possa julgar
todos os réus, no mesmo processo. A isso pode-se chamar de conexão, ou
continência. Se a ação penal já começou contra um dos réus, e depois tem início
outra, contra outro, diz-se que há prevenção do primeiro juízo.
Qual a razão para
que a competência de um juiz se amplie para outros casos assemelhados, seja por
conexão, continência ou prevenção? A razão é a unidade processual: faz-se uma
única instrução processual, profere-se uma única sentença. Proferida a
sentença, caso surja depois — em Brasília, em Guarujá ou em São Bernardo — um
novo caso que tenha pontos de contato com aquele, qual o juízo competente? O de
Curitiba? Evidentemente, não. Porque a sua competência prorrogou-se apenas para
aqueles casos, tendo em vista a unidade de sua instrução e julgamento. Não
nasceu, daí, uma competência perpétua e universal daquele juízo, com relação a
todos os casos assemelhados. E caso o juízo de Curitiba se arrogue essa
competência, transformar-se-á em juízo de exceção.
Já tivemos juízo
de exceção no Brasil durante a ditadura de Getúlio, com o Tribunal de Segurança
Nacional, criado em 1936. Por isso, diz a Constituição brasileira, em seu
artigo 5º-LVII: "Não haverá juízo ou tribunal de exceção".
Quando 12 membros
do Ministério Público Federal formularam a denúncia quanto ao tríplex,
entregaram a petição inicial diretamente ao juiz da 13ª Vara Criminal de
Curitiba (o juiz Sergio Moro). Saltaram por cima do juiz distribuidor, dizendo,
na própria petição, que havia conexão com dois outros processos daquela vara:
os processos 500661729.2016.4.04.7000/PR e 5035204- 61.2016.4.04.7000/PR.
Ao receber a denúncia, o juiz da 13ª Vara fez menção a vários outros processos,
mas principalmente à Ação Penal 508337605.2014.404.7000, que envolvera a
empresa OAS. E, ao proferir a sentença condenatória, declarou-se competente por
prevenção, pois “a investigação iniciou-se a partir de crime de lavagem de
dinheiro consumado em Londrina/PR e que, supervenientemente, foi objeto da ação
penal n. 5047229-77.2014.404.7000”.
Aberrações como
essas seriam facilmente corrigíveis, seja mediante apelação, em segunda
instância, seja mediante correição por parte do Conselho Nacional de Justiça.
Não sei dizer —
pelo menos até aqui — o que aconteceu no CNJ. Mas posso dizer o que
aconteceu no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Criou-se, ali, uma
turma de exceção, ao se atribuir a um único desembargador a competência para
relatar todos os casos da "lava jato". Em outras palavras: criou-se,
com isso, uma blindagem contra a parcialidade, a suspeição e os abusos de poder
do juiz Moro. De modo que, sempre que fossem arguidas essas matérias, seriam
sumariamente rejeitadas por essa turma. Escusado dizer que um juiz de exceção
açambarca a competência de todos os outros juízes do mesmo grau. E que uma
turma de exceção açambarca a competência de outras turmas do mesmo tribunal.
Também não sei
dizer — pelo menos até aqui — o que aconteceu no Superior Tribunal de Justiça,
que negou Habeas Corpus a Lula. Mas sei dizer o que aconteceu no Supremo
Tribunal Federal, onde o ministro Teori Zavascki, e depois o ministro Luiz
Edson Fachin, foram instituídos ministros excepcionais da "lava
jato". Só que, ali, a mão do gato operou com mais sutileza e ardil.
O que é a
"lava jato"? Quem melhor a define é o juiz Moro — detentor da
competência universal e excepcional nessa matéria — ao receber a denúncia do
tríplex.
Alguém poderia
alegar que não acredita no que estou dizendo porque isso seria uma ignomínia,
inconcebível tratando-se de dignos e decentes magistrados. Eu lhe responderia
assim: pense, meu caro, duas
Sérgio
Sérvulo da Cunha é advogado, autor de várias obras
jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do
Ministério da Justiça.
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