"Situação é grave e ameaça direito de ir e vir de dois
ex-presidentes", alerta Gleisi, ao cobrar responsabilidades do Estado. Dia
foi encerrado com festa no bairro Santa Marta, comunidade onde a resistência
venceu
Lula ao lado do deputado Paulo Pimenta, no bairro de Santa Marta: "Não querem que o povo ganhe cidadania" |
São Paulo – A
Caravana Lula pelo Brasil segue jornada na manhã desta quarta-feira (21) em
direção a São Borja. No município que guarda a memória dos ex-presidentes
Getúlio Vargas e João Goulart, na fronteira com a Argentina, a 600 quilômetros
de Porto Alegre, residem os símbolos do trabalhismo. O suicídio de Vargas, em
1954, e o ataque cardíaco de Jango, em 1976, resultam de uma intolerância
histórica do poder econômico à busca dos trabalhadores, pela via democrática e
republicana, por dignidade.
Em meio a tocaias promovidas por grupos
políticos descendentes dos que golpearam Vargas e Jango, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva prossegue pelo terceiro dia sua caravana em terras
gaúchas. "É a caravana da coragem", como define o presidente da
CUT-RS, Claudir Nescolo. Que leva na bagagem a disposição de continuar aquele
sonho de dignidade. Mas a viagem não é tranquila.
As hostilidades sofridas nos dois
primeiros dias levaram seus organizadores a chamar a atenção das autoridades
gaúchas. A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, alertou em entrevista coletiva
nesta terça-feira (20), para a atuação violenta de milícias profissionais que
agem na região de maneira ameaçadora contra a caravana durante sua passagem
pelo Rio Grande do Sul. Cobrou do governo do estado reforço aos integrantes da
caravana. E até o recém-criado Ministério da Segurança Pública foi questionado.
A responsabilidade pela segurança de ex-presidentes é do governo federal.
"Nos preocupa muito que tenhamos
chegado a esse clima de intolerância na sociedade, em que grupos de extrema
direita usem de milícia armada. Espero que isso não seja um prenúncio de como
vai se dar o processo eleitoral", assinala Gleisi. Assista:
Na mesma
entrevista, o coordenador geral da caravana, o vice-presidente do PT, Marcio
Macedo, reiterou que viagem continua. "Vamos continuar a caravana em
respeito ao povo do Rio Grande do Sul, ao povo do Sul, ao povo do Brasil, mas
queremos que as autoridades competentes ajam para desarmar essas
milícias", afirmou.
O presidente do PT no estado, deputado
federal Pepe Vargas, afirmou ter reunido material que comprova a ação
organizada dos que estão tentando intimidar a caravana de Lula no estado:
"Não é normal que um grupo beligerante com práticas fascistas queira
impedir que outro grupo se manifeste. Se eles querem se manifestar, que o façam
em outros locais onde nós não estamos".
Povo vencedor
A entrevista foi concedida nesta terça,
depois de os integrantes da caravana tentarem não dar holofotes às
hostilidades. Mas a tensão provocada por poucos tende a crescer nas próximas
paradas se algo não for feito para frear o ímpeto dos agressores. "O que estamos
dizendo é que a divergência política e as divergências de ordem de disputa
eleitoral estão na normalidade democrática. O que não está na normalidade
democrática é o uso de violência e o uso de grupos armados para impedir alguém
de se manifestar. Nossa Constituição assegura o direito de ir e vir e assegura
manifestações democráticas. É isso que queremos que o Estado brasileiro
garanta", declarou Gleisi.
O ambiente dos bastidores não contaminou a
comunidade do bairro Santa Marta, ainda no município de Santa Maria, onde
a caravana encerrou os trabalhos da terça-feira, um bairro que guarda em suas
ruas histórias de resistência e conquistas. Um terrão lotado de gente
acompanhou o ato político. Cerca de 6 mil pessoas ouviram durante três horas os
discursos acalorados. Silêncio total.
Santa Marta surgiu de uma fazenda com o
mesmo nome, desapropriada em 1979. Grande parte dos 1.126 hectares da antiga
propriedade foi utilizada pelo governo do estado. Mas um terço da área
permaneceu sem uso por mais de uma década. Em 1991, uma ocupação começou a
corrigir essa falha. Quinze anos depois, em 2006, o acampamento ganhou status
de bairro, e recebeu investimentos provenientes do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) – que respondeu por boa parte do aquecimento econômico que
marcou a era Lula/Dilma – e que mudaram a vida da comunidade hoje habitada por
34 mil cidadãos e cidadãs.
O apoio de Olívio Dutra ao desenvolvimento
da ocupação – foi governador (1999-2003) e ministro das Cidades (2003-2005) –,
é lembrado com aplausos. "Nós queremos ser sujeitos e não objetos da
política. Nós não nascemos para ser cabresteados por ninguém, muito menos por
essa elite brasileira que, em muitas das mais tradicionais famílias, fizeram
fortuna durante 350 anos de escravidão. E agora, com o golpe, querem retomar
essa situação em que o povo trabalhador tem de ganhar só pra comer, não pode
morar em casa digna, não pode ter a Previdência que lhe garanta futuro digno na
velhice. Eles sempre desprezaram a organização popular", disse Olívio.
Olívio Dutra com ex-ministro Miguel Rossetto, Lula e o deputado Henrique Fontana: "Não nascemos para ser cabresteados por ninguém" |
O ex-governador
foi seguido por Lula na contundência: "Eles não querem que a gente volte
porque em apenas 12 anos nós criamos quatro vezes mais escolas técnicas. Porque
a empregada doméstica passou a ter diretos. E fizemos o maior programa
habitacional que esse país já viu, o Minha Casa Minha vida. Não querem que o
povo ganhe cidadania", disse o ex-presidente. E seguiu elencando razões
para "eles" não quererem sua volta, sob aplausos animados e gritos de
reconhecimento.
Lula protestou contra os ataques à
caravana e observou que "eles" estão transformando ataques virtuais
em violência real. "Não vamos nos enganar com esse grã-finos que de dia
ficam fazendo passeata e depois vão gastar o dinheiro deles em Miami. Mas
caráter não se vende no shopping, não se vende na feira. Se juntar todos os
meus acusadores e espremer, o que sobrar não tem 10% da honestidade que eu
tenho", disse Lula, saudando os "vencedores" do Santa Marta e
desejando que os brasileiros todos sejam "um povo que resistiu como vocês
resistiram e lute como vocês foram capazes de lutar".
O líder do PT na Câmara dos Deputados,
Paulo Pimenta, que é de Santa Maria, assinalou: "O povo de Santa Maria,
especialmente do Novo Santa Marta, teve o prazer de testemunhar hoje um ato
histórico".
Fonte: RBA
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