segunda-feira, 20 de março de 2017

Jornal que entrega cabeça de repórter já entregou a sua própria

O dia cheio ontem para essa “redação de um homem só” me impediu de comentar a demissão do coleguinha Caio Barbosa, de O Dia, ao que se noticia – e onde há fumaça, há fogo – a pedido de Marcelo Crivella.

Um ato não apenas odioso quanto, sobretudo, burro, embora Crivella negue ter feito o pedido de degola, como seria óbvio que o viesse a fazer.

O Caio tem, claro, toda a solidariedade de seus companheiros e, na profissão, quando se é digno como ele, “ficar no desvio” é coisa que acontece não muito raro. Ainda mais, como acontece com ele, porque tem caráter e compromissos com a destinatário de nosso trabalho, o leitor.
Tive a sorte de, sendo assessor de imprensa de um político e governante, nunca ter vivido a situação de indignidade que é usar o poder que se tem como dirigente da administração pública – e, portanto, cliente na publicidade dos veículos de comunicação –  para pedir cabeças  de profissionais, como é hábito relativamente frequente.  Não que Brizola não brigasse com jornalista, brigava e não era pouco.  Mas de cara limpa, discutindo diretamente, como há vários de meus amigos, que o acompanharam por anos em coberturas, estão aí para comprovar.

E quando teve de ir além disso, foi por processo judicial, contra Merval Pereira e Evandro Carlos de Andrade, dirigentes de O Globo que lhe imputaram, falsamente, ligações com um “traficante” que, como o tríplex de Lula, não era traficante, mas um trabalhador e líder de uma associação de moradores do Morro do Telégrafo, na Mangueira.

O prejuízo de Crivella, claro, será grande, embora merecido, como é imerecido o prejuízo de Caio, que vive de seu trabalho e não de dízimos. Já não tem a simpatia dos grandes donos da mídia e não tinha a dos jornalistas, em geral.

Mas o pior prejuízo é de um jornal que já não vai bem das pernas e uma imprensa que perde, todo o tempo, o que lhe resta de credibilidadee se agarra aos pequenos negócios que a permitem arrastar-se viva no mundo do monopólio.
E disso deixo que um veterano jornalista, Nílson Lage, trate no texto que posto a seguir.

Um O Dia como outros dias do jornalismo

Nílson Lage, no Facebook
A história recente do jornalismo brasileiro fala de muitos perdedores, Alguns assombram prédios-monumentos: o da Rua do Riachuelo, onde ficava o Diário de Notícias; o da Avenida Gomes Freire, do Correio da Manhã; aquele grande, na Zona Portuária, para onde se mudou o Jornal do Brasil quando vendeu a sede original, na Rio Branco. Outros, muitos outros, podem ser lembrados em pesquisa nos cartórios onde se processam, por décadas, rumorosas falências.
Instado a demitir um repórter pelo prefeito do Rio, O Dia poderia ter-se feito herói, erguer o facho simbólico que ilumina os mártires e convocar o agente funerário que anda muito ativo nessa área. Para o jornal-empresa, a simpatia do prefeito, homem do Partido Evangélico, o único organizado que confronta o Império Marinho, é mais que necessária – é o fio político em que se pode agarrar.
Terá, decerto, a simpatia de seus leitores, que são muitos, mas moram naquele Rio sem poder e sem camisa da CBF, do outro lado do túnel. A elite carioca sofre de mal similar à síndrome de Estocolmo: sabendo quem a põe cativa, pelo algoz é cativada: só lê o Globo, a Folha, o Estadão, em papel ou na Internet. Comenta, reproduz, cita, contesta… chama-se a isso agenda setting. Os Marinho, o Frias, os Mesquita, o Alckmin, o Aécio, a Fiesp, o Departamento do Estado e Wall Street em peso agradecem penhorados.
Os personagens do Dia são mulheres “gostosas” e sujeitos testosteronados, bandidos simples (não estelionatários de luxo), gente do samba e do funk. Noticia trens, Xuxa, Gretchen, pagamento de atrasados do funcionalismo – enfim, trata do mundo real da cidade – e faz isso há muito tempo, desde o populismo de Chagas Freitas. Trata também de assuntos complicados que afetam o povo: previdência, leis do trabalho, acesso ao ensino. Mas, que pena, não faz parte do cardápio da elite, esquerda ou direita. Por isso mesmo, as Organizações Globo deixaram que existisse, como a TV do Silvio Santos ou a Band. Campeões precisam de sparrings.
No episódio da demissão do excelente repórter – tenho memória de tantas outras similares, como a do velho companheiro Caó (Carlos Alberto Oliveira, que foi presidente do Sindicato, deputado e secretário do trabalho de Brizola) , demitido do JB porque corrigiu uma citação errada de  (Max) Weber pelo Ministro Delfim Netto durante uma entrevista – há um traço diferente: Caio soube do motivo.
Poderiam ter armado um teatro, demitir junto dois ou três bagrinhos alegando motivos financeiros ou coisa parecida; sustentar um álibi plausível, como se tem visto em casos recentes. Não fizeram isso. Foram ingênuos – ou honestos.

Melhor assim.

PS. Não demorou e veio a desculpa esfarrapada que se esperava, em uma espécie de nota oficial do jornal que nega o fato político inegável. A linguagem é a de “adevogado” – aquele picareta letrado que arma discursos para esconder a sacanagem do cliente.

TIJOLAÇO


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